Direito Eleitoral

Streisand, blacklash e boomerang: o contencioso eleitoral em perspectiva

Autor

  • Rodolfo Siqueira

    é advogado especialista em Direito Processual e em Direito Público presidente do Instituto de Direito Público de Sergipe integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político membro-fundador do Instituto Sergipano de Direito Eleitoral e sócio fundador do Siqueira Pinto Advogados.

30 de maio de 2022, 8h00

Ao verificarmos os mais diversos dicionários, observamos que reação é um substantivo que significa ação contrária a outra, mas ocasionada por ela. É o re-agir tão típico de nós humanos.

É instinto primeiro daquele que se vê em situação de vulnerabilidade, provocada pela ação de outrem. A ausência da re-ação, por sua vez, nos faz parecer fracos e vulneráveis.

Mas quando não fazemos nada diante de um ataque de um adversário, estamos deixando de reagir?

Eis o ponto. Afinal, a re-ação, por também ser ação, provocará nova reação e assim sucessivamente.

No contencioso em geral, mas sobretudo no contencioso eleitoral, é possível observar bem o ciclo de ações/reações. Representações motivadas por outras representações, ações cassatórias com notas de vingança. É psicologia. Chamaremos aqui de psicologia contenciosa (se alguém já tiver cunhado esse termo, me processe, mas apenas depois de ler o texto até o final).

Quem já entrou na arena eleitoral sabe do que estou falando.

Há uma lição creditada a Voltaire que diz: "a história não se repete nunca, o homem se repete sempre".

Mas, no contexto do contencioso (a mesma lição poderia se aplicar a outras áreas de conhecimento), o que poucos observam são os efeitos oblíquos que podem decorrer de uma ação.

No início dos anos 2000, a famosa atriz e cantora americana Barbara Streisand processou o fotógrafo Kenneth Adelman e o website Pictopia.com em uma tentativa de ter uma foto aérea de sua mansão removida da coleção de 12 mil fotos da costa da Califórnia disponíveis no site, alegando preocupações com sua privacidade. Como resultado do caso, a foto se tornou popular na internet, com mais de 420 mil pessoas tendo visitado o site durante o mês seguinte.

Daí surgiu o efeito Streisand (streisand effect), conhecido fenômeno social em que uma tentativa de ocultar, censurar ou remover algum tipo de informação se volta contra o censor, resultando na vasta replicação da informação.

Quantas vezes processos foram movidos em reação a algo próximo do indiferente? Jogar holofote em algo que está na penumbra pode não ser uma boa estratégia. Aliás, quase nunca é.

Parece que a questão está na perspectiva. O foco na linha reta entre ações e reações de adversários ou com um olhar mais angulado, a permitir enxergar eventuais variáveis subjacentes.

Outro efeito oblíquo, fora da linha retilínea de ação e reação diretas, é o backlash. Nas palavras do brilhante professor de Harvard Cass Sunstein, o efeito backlash consiste numa "intensa e sustentada rejeição pública a uma decisão judicial, acompanhada de medidas agressivas para resistir a essa decisão e remover a sua força legal".

O efeito pôde ser observado recentemente no festival de música Lollapaloza, quando fora emanada decisão do ministro Raul Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de impedir artistas de se manifestarem eleitoralmente ou, para alguns, politicamente. A decisão causou forte convulsão social, provocando uma série de reações de diversos setores, incluindo manifestações no sentido de que a decisão não deveria ser cumprida pois se consubstanciara em clara censura.

Naturalmente, no caso do festival, seria de extrema dificuldade prever as exatas consequências de determinada ação. Assim como ocorre em praticamente todos os casos.

Não estamos em defesa da futurologia. Mas casos assim servem para ampliarmos a perspectiva.

Já em outra perspectiva, com o perdão pelo jogo de palavras, tem-se o chamado efeito boomerang, também conhecido como efeito rebote. Tal efeito é também muito avistável na guerra judicial das campanhas, consubstanciando-se na ação que chama a atenção do adversário para a própria fraqueza do acionante.

Abre-se um flanco a partir de uma ação/reação, que naturalmente será explorado, pelos adversários ou por terceiros. O desejo de atacar ou contra-atacar é tão grande (psicologia contenciosa), que se olvida a própria vulnerabilidade.

É o caso da campanha que processa outra por uma propaganda em outdoor, quando a campanha acionante também o fizera.

Percebam, caros leitores, que todos os efeitos aqui mencionados são indesejados (indesejáveis) e, portanto, devem ser observados pelos atores jurídicos do processo eleitoral.

É que o contencioso eleitoral, por óbvio, tem suas particularidades. Alguns desses exemplos podem ser encontrados em outras áreas, naturalmente. Mas é no campo político, movido por paixões e pressões, que esses exemplos ganham vida mais facilmente. É a beleza do jogo eleitoral.

Afinal: "o mundo é repleto de coisas óbvias que ninguém, em hipótese alguma, observa".”1]

Observemos!


[1] Frase atribuída a sir Athur Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes.

Autores

  • é advogado especialista em Direito Processual e em Direito Público, presidente do Instituto de Direito Público de Sergipe, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, membro-fundador do Instituto Sergipano de Direito Eleitoral e sócio fundador do Siqueira Pinto Advogados.

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