Opinião

Consequências do veto à suspensão de metas no âmbito do SUS/Covid-19

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1 de julho de 2022, 19h19

É impossível mensurar o efeito que a pandemia causada pela Covid-19 representou no Sistema Único de Saúde, impactando tanto na majoração de atendimentos e ocupação de leitos, quanto na superlotação de hospitais e adoecimento de profissionais da saúde (muitos trabalhando de maneira ininterrupta desde março de 2020). A opinião pública pode não ter conhecimento, mas com a nova realidade de calamidade pandêmica, mostrou-se necessária a modificação de diretrizes contratuais inicialmente impostas no âmbito do SUS e não mais cabíveis diante da situação emergencial.

Uma das medidas imprescindíveis nesse período foi a suspensão de metas no âmbito do SUS. Isso porque, conquanto as contratações originárias do sistema de saúde previssem a realização de metas que incluíam determinado número de atendimentos setorizados (pediatria, ortopedia, geriatria etc), procedimentos eletivos e realização de pesquisa de satisfação pelos usuários — fatores levados em conta para o integral repasse financeiro aos prestadores de serviço, em sua maioria organizações civis sem fins lucrativos , a realidade vivenciada nas UBSs, UPAs e hospitais era caótica e necessitava de inúmeras adequações (majoração de leitos, oxigênio, materiais médicos e medicamentos  todos inflacionados em razão da procura mundial) para evitar o maior número de mortes possível.

Nesse sentido, a fim de permitir a modificação do cenário contratual, foi promulgada inicialmente a Lei Federal nº 13.992/2020, que suspendeu a obrigatoriedade da manutenção das metas quantitativas e qualitativas no SUS, preservando o repasse integral de recursos previstos em contrato, por 120 dias  que posteriormente teve sua vigência prorrogada até 30/09/2020 por meio de disposição contida na Lei Federal n° 14.061/2020. Com o prosseguimento da situação pandêmica durante todo o ano de 2020, foi também necessária a edição da Lei Federal nº 14.123/2021, prorrogando até 31 de dezembro de 2020 a suspensão do cumprimento de metas e indicadores. Finalmente, foi publicada a Lei Federal n° 14.189/2021, estendendo novamente a suspensão até 31 de dezembro de 2021.

Tendo em vista a continuidade do cenário pandêmico, em 21/10/2021 foi apresentado o Projeto de Lei nº 2753/2021 na Câmara dos Deputados, objetivando a prorrogação da suspensão das metas "até 30 de junho de 2022". A proposta foi devidamente aprovada pela Câmara e Senado Federais, mas recentemente a Presidência da República vetou a proposição legislativa sob a afirmativa de que "com a edição da Portaria nº 913, de 22 de abril de 2022, que declarou o encerramento da Espin (Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional) em decorrência da Covid-19, a qual entrará em vigor em 22 de maio de 2022, não será necessária nova prorrogação" [1].

O veto, que ainda pode ser derrubado pelo Congresso Nacional, possui inúmeras implicações, especialmente em razão da alta vertiginosa dos casos de Covid-19 em todo o território nacional no último mês [2]. A ampliação de leitos para tentar lidar com uma possível nova onda, inclusive, vem sendo anunciada por estados como Goiás [3], Rio de Janeiro [4] e, mais recentemente, pela prefeitura de São Paulo [5].

Considerando este novo cenário, é bem possível (senão provável) afirmar que a emergência sanitária causada pela Covid ainda não chegou ao fim e, portanto, revela-se descabida a exigência de cumprimento de metas por instituições que precisarão novamente se mobilizar (material e financeiramente) para prestar atendimento com qualidade durante este novo período.

Por isso, o Congresso já deu sinais de que derrubará o veto. A senadora Eliziane Gama destacou que a "prorrogação, por seis meses adicionais, do prazo de vigência da suspensão é plenamente justificável, em função do súbito aumento da incidência da Covid-19 desencadeado pelo surgimento da variante ômicron do SARS-CoV-2. Infelizmente, as condições de instabilidade estão novamente presentes em nosso meio, de modo que o Congresso Nacional precisa atuar tempestivamente para salvaguardar a sustentabilidade e o bom funcionamento das instituições de saúde que atendem os usuários do SUS".

Além da nova ameaça de situação calamitosa, também é de conhecimento público que os efeitos da Covid nos meses iniciais de 2022 foi nefasto, notadamente ante à majoração brusca e inesperada dos atendimentos de saúde realizados em razão da variante Ômicron  de rápida contaminação e propagação, que representava, em janeiro de 2022, o preocupante percentual de 97% dos casos em nível nacional [6]. Ao vetar o referido projeto, portanto, a Presidência da República desconsidera que as prestadoras de serviço no âmbito do SUS vivenciaram período crítico no começo do ano, que não se encontra coberto pela suspensão que anteriormente garantia a execução plena dos serviços.

Considerando a situação atualmente vivenciada, corroborada pelas palavras da OMS de que a pandemia "certamente não acabou" [7], questiona-se se o veto leva em conta a gravidade do desaparelhamento das prestadoras de serviço no âmbito do SUS, abrindo caminho para possível nova calamidade fática e revolvendo os pesadelos de inúmeros brasileiros que esperam pela garantia de direito constitucional à saúde (artigo 6º, caput, CF [8]).

Mas fica, ainda, outro importante questionamento: o Congresso promoverá a derrubada do veto e, por consequência, a garantia do equilíbrio contratual em âmbito da situação de emergência, em pleno ano eleitoral? É o que se entende devido, diante do cenário apontado, e o que se espera — ainda que em ano eleitoral.


[1] DOU 05/05/22 PÁG 11 COL 01

[8] São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

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