Retrospectiva 2022 

Ano de turbulência eleitoral

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27 de dezembro de 2022, 9h17

Foi um ano atípico. Nenhum ano é muito igual ao outro, mas alguns são mais desiguais. A própria ocorrência de eleições era questionada, algo a que a democracia brasileira não estava acostumada. As urnas eletrônicas, uma tecnologia gradativa e sucessivamente usada nas eleições nacionais, desde 1996, passou, subitamente, a ser alvo preferencial de ataques, e, com ela, toda a Justiça Eleitoral começou a ser agredida. Era uma clara e injustificável tentativa de desqualificação do processo democrático, com amplo potencial para criar tumulto no pleito de outubro. E isso quando se comemorava o nonagésimo aniversário da Justiça Eleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral — assim como todos os regionais — tiveram de se preparar e de enfrentar o desafio.

Spacca
Spacca

A jornada não seria fácil. Quando 2022 começou, as atividades presenciais ainda estavam limitadas pelo risco de contaminação coletiva, em razão da pandemia de Covid 19, em especial pelo advento da variante ômicron. As atividades judiciárias seguiam preferencialmente praticadas por videoconferência. Só mais adiante é que as sessões passariam a ter natureza híbrida. 

No começo do ano, era presidente do tribunal o ministro Luís Roberto Barroso, que, no término de sua gestão, acentuou o trabalho por parcerias entre o Judiciário e as plataformas de internet, a fim de combater a proliferação de notícias falsas e proteger, nessas mídias, o processo eleitoral de 2022. Em fevereiro, várias plataformas assinaram acordos de colaboração, que facilitaram a implementação de medidas de contenção da desinformação no período eleitoral. 

Em 22 de fevereiro, o ministro Edson Fachin assumiu a presidência da Corte, com o ministro Alexandre de Moraes como vice-presidente. Novas parcerias foram se formando, agora com a sociedade civil e partidos políticos, focadas no combate da desinformação, potencialmente capaz de desestabilizar o processo democrático. 

Em junho, à medida em que se aproximava o momento eleitoral, cresciam, também, os ataques, mais ou menos velados, à integridade do processo de votação eletrônica. Questionamentos partidos do Ministério da Defesa tiveram de ser respondidos e críticas infundadas de atores políticos foram veementemente rechaçadas pelo TSE. 

Em agosto, tomou posse na presidência do TSE o ministro Alexandre de Moraes. Por cumular a direção da Corte com a relatoria de investigações no Supremo Tribunal Federal acerca de atos antidemocráticos, concentrou atribuições administrativas e competências judiciárias raras vezes vistas na história republicana. Uma das decorrências dessas tarefas foi a visibilidade e o consequente efeito de que ele passou a estar na mira das ofensas de todos os que pretendiam desacreditar a lisura do pleito. 

Assim como a Presidência do TSE, também a Corregedoria-Geral Eleitoral teve três titulares: no começo do ano, o ministro Luís Felipe Salomão, depois o ministro Mauro Campbell Marques, e, a partir de 8 de setembro, o ministro Benedito Gonçalves. Essas rotações na presidência e na corregedoria exigiram um entrosamento incomum a fim de que não houvesse, como não houve, solução de continuidade da preparação e realização do pleito.

Ainda em setembro, diante das informações que chegavam, dando conta do risco à integridade das urnas e do sigilo do voto, o TSE alterou a Resolução 23.669/2021, obstando explicitamente o uso de celulares e armas nas cabines de votação. 

Em outubro, realizaram-se as eleições gerais. No primeiro domingo, consumaram-se as escolhas de deputados estaduais e federais, senadores, além de governadores de diversos Estados, vitoriosos já em primeiro turno. Em alguns, a governadoria dependeria de um segundo turno, no domingo final do mês, oportunidade em que seria decidida também a eleição presidencial, a ser disputada entre Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. 

A intensidade da desinformação cresceu, e, às vésperas do segundo turno da eleição presidencial, o TSE editou a Resolução 23.714, com o objetivo central de viabilizar a remoção mais célere de conteúdos das plataformas de internet, ampliando os poderes da Presidência do Tribunal nessa função. 

A eleição se realizou e foi vencida pelo candidato de oposição, Lula. Pela primeira vez, um candidato presidencial à reeleição foi derrotado. A diferença foi pequena, a menor já conhecida nessa disputa: 124.252.796 eleitores compareceram para votar; 118.552.353 votaram validamente; 3.930.795 (3,16%) anularam os votos; 1.769.678 (1,43%) votaram em branco; 58.206.354 (49,10% dos votos válidos) escolheram Jair Bolsonaro; e 60.345.999 (50,90%) preferiram Lula, sagrando-o, de modo inédito, pela terceira vez, vencedor de uma eleição presidencial. 

Observadores internacionais testemunharam a idoneidade das eleições nacionais, fato obviamente perceptível à enorme maioria dos cidadãos brasileiros, não contaminados por desinformação. Ainda que tenha havido protestos radicais pontuais, o fato é que o pleito foi realizado com absoluta higidez e seus resultados são incontestáveis. 

A única iniciativa jurídica agitada contra o resultado da eleição, movida pela agremiação do candidato presidencial derrotado, foi sepultada por inépcia e com justiça multada severamente. Esse processo, conquanto não tenha transitado em julgado, se encaminha por ser finalizado com a validação dessas conclusões e sanções. 

Por falta de espaço, deixa-se de fazer alusão aos principais julgados do TSE em 2022, mas lançam-se, ainda que ligeiramente, algumas notas sobre as mudanças constitucionais e legais do ano que se encerra, e dos julgados do STF mais relevantes para o ambiente eleitoral. 

No âmbito constitucional, foi promulgada a Emenda Constitucional 117, de 5 de abril de 2022, que alterou o artigo 17 da Constituição. Ao modificar o § 7º desse artigo, estabeleceu que os partidos políticos devem aplicar no mínimo 5% dos recursos do fundo partidário (FP) na criação e na manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, de acordo com os interesses intrapartidários. Também deu nova redação ao § 8º, fixando que o montante do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e da parcela do FP destinada a campanhas eleitorais, bem como o tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão a ser distribuído pelas greis às respectivas candidatas, deverão ser de no mínimo 30%, proporcional ao número destas e a distribuição deverá ser realizada conforme critérios definidos pelos respectivos órgãos de direção e pelas normas estatutárias, considerados a autonomia e o interesse partidário. 

Se a constitucionalização desses comandos parece ser um avanço na política afirmativa de incrementação da participação feminina na representação nacional, o fato é que já existiam regras legais nessa direção. Ao que tudo indica, o propósito parlamentar foi, fundamentalmente, o de aprovar uma anistia, como consta do artigo 2º dessa Emenda, não incorporado ao corpo constitucional. Por ele, às agremiações que não tenham utilizado os recursos destinados aos programas de promoção e difusão da participação política das mulheres ou cujos valores destinados a essa finalidade não tenham sido reconhecidos pela Justiça Eleitoral é assegurada a utilização desses valores nas eleições subsequentes, vedada a condenação pela Justiça Eleitoral nos processos de prestação de contas de exercícios financeiros anteriores que ainda não tenham transitado em julgado até a data de promulgação dessa Emenda Constitucional. Um claro esvaziamento das disposições normativas precedentes. 

Também na mesma direção vem o artigo 3º da Emenda, que afirma que não serão aplicadas sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução de valores, multa ou suspensão do FP, aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça em eleições ocorridas antes da promulgação dela. Além de perdoar as agremiações que não cumpriram os comandos relativos à participação feminina, a norma também estendeu a anistia aos que descumpriram deveres estabelecidos em relação à ação afirmativa quanto a negros e negras. 

No plano legislativo, adveio a Lei 14.291, de 3 de janeiro de 2022, que alterou a Lei dos Partidos Políticos, recriando a propaganda partidária, que houvera sido extinta em 2017. 

No Supremo, em fevereiro, ficou decidido que, para participarem das eleições, as federações partidárias devem estar constituídas como pessoa jurídica e obter o registro de seu estatuto perante o TSE no mesmo prazo aplicável aos partidos políticos. Excepcionalmente, nas eleições de 2022, esse termo final ficou estendido até 31 de maio (ADI 7.021 MC-Ref/DF). 

Também se deliberou que são válidas as limitações, previstas na Lei das Eleições (artigos 43, caput, e 57-C, caput e § 1º), à veiculação de propaganda eleitoral em meios de comunicação impressos e na internet (ADI 6.281/DF). 

A Suprema Corte também entendeu que é inconstitucional norma de Constituição estadual que, a pretexto de disciplinar a dupla vacância no último biênio do mandato do chefe do Poder Executivo, suprime a realização de eleições (ADI 7.137/SP e ADI 7.142/AC). 

Ficou consolidado que são constitucionais os dispositivos de Resolução editada pelo TSE que vedam o repasse de recursos do FP e do Fefc por partidos políticos ou candidatos não pertencentes não coligados (ADI 7214/DF). 

O STF também validou a resolução 23.714/2022 do TSE. Esse diploma, como dito mais acima, alterou a disciplina do enfrentamento à desinformação relacionada às eleições. No entendimento do STF, o TSE não se excedeu em suas competências e não impôs censura ou restrição a meio de comunicação ou linha editorial da mídia imprensa e eletrônica, ao fixar procedimentos a serem aplicados nesse tema (ADI 7.261 MC-Ref/DF). 

Esses, em limitadíssimas linhas, são os eventos jurídico-eleitorais mais destacados de 2022. Virá 2023, com a expectativa, para os eleitoralistas e cidadãos, de um novo Código Eleitoral, há muito prometido pelo Congresso e que ainda não se converteu em realidade.

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