Tempo que não volta

Com voto de Gilmar, 2ª Turma do STF revoga preventiva, e Cabral será libertado

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16 de dezembro de 2022, 22h18

Por excesso de prazo e falta de fundamentação para manutenção da medida, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal formou maioria para revogar, nesta sexta-feira (16/12), a última ordem de prisão preventiva do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral. Com isso, o político, o último grande alvo da "lava jato" que estava encarcerado, poderá ser libertado após mais de seis anos. O julgamento virtual foi encerrado pouco antes das 22h desta sexta, com voto do ministro Gilmar Mendes, decano do STF.

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Sérgio Cabral está preso preventivamente desde novembro de 2016
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O voto de Gilmar desempatou o julgamento e garantiu a soltura do ex-governador. Em seu voto, o ministro destacou que já era descabido decretar a prisão preventiva de Cabral em 2016 por fatos ocorridos em 2008 e 2009. Além disso, Gilmar destacou que o ex-governador está preso desde 2016, o que caracteriza antecipação de pena — prática proibida pelo STF.

Gilmar ainda ressaltou que Cabral deixou o governo do Rio em 2014 e seu patrimônio está bloqueado pela Justiça.

"Não se trata, assim, de absolver o ex-governador do Rio de Janeiro pelo crimes imputados na Ação Penal nº 5063271-36.2016.4.04.7000, nem de negar que os fatos narrados pelo órgão acusador são graves e demandam apuração rigorosa pelo Poder Judiciário. Se trata apenas de afirmar que, em um Estado democrático de Direito, nenhum cidadão brasileiro, por mais graves que sejam as acusações que pesam em seu desfavor, pode permanecer indefinidamente submetido a medidas processuais penais extremas, como a prisão cautelar", destacou o decano.

A 2ª Turma do Supremo já formara maioria de votos para manter na Justiça Federal do Paraná uma investigação da "lava jato" contra o ex-governador. Restava apenas a análise do pedido de revogação da preventiva feito pela defesa de Cabral.

Em nota, a defesa de Cabral, representada pelos advogados Daniel BialskiBruno BorraginePatrícia Proetti e Anna Julia Menezes, informou que ele permanecerá em prisão domiciliar aguardando a conclusão de outras ações penais, "confiando em uma solução justa, voltada ao reconhecimento de sua inocência e de uma série de nulidades existentes nos demais processos a que responde".

Idas e vindas
O político já foi alvo de cinco mandados de prisão preventiva. Quatro deles haviam sido revogados, sendo que dois tinham sido convertidos em prisão domiciliar com monitoramento eletrônico.

Após ter dois mandados de prisão preventiva revogados pelo Tribunal de Justiça do Rio, Cabral quase deixou a cadeia em novembro por um erro do sistema, que fez parecer que não havia mais entraves à libertação dele. Posteriormente, contudo, a 13ª Vara Federal de Curitiba informou que ainda havia, sim, uma ordem de prisão contra o político em vigor — originalmente preventiva, emitida pelo então juiz Sergio Moro, mas que foi mantida com base na superada possibilidade de execução da pena após condenação em segunda instância. E ele permaneceu no Batalhão Especial Prisional, em Niterói.

A defesa de Cabral, comandada pelos advogados Patrícia Proetti, Daniel Bialski e Bruno Borragine, impetrou dois Habeas Corpus no Supremo. Os criminalistas questionam a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba para processar e julgar ação penal em que o ex-governador é acusado de receber propina por obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj).

O relator do caso, ministro Edson Fachin, votou em junho por negar o HC. O magistrado apontou que a 13ª Vara Federal de Curitiba é competente para julgar o caso, uma vez que ele envolve desvios na Petrobras. Em 2015, o Plenário do STF decidiu que a Justiça Federal do Paraná só poderia conduzir os processos da “lava jato” diretamente relacionados à petrolífera.

Fachin também votou pela manutenção da prisão preventiva de Cabral. O magistrado destacou que o ex-governador ainda tem influência política. Como exemplo, citou as suspeitas de regalias que ele teria recebido na cadeia. Além disso, o ministro disse que, como uma quantidade expressiva de valores ainda não foi recuperada, há o risco de Cabral seguir lavando dinheiro.

O ministro Ricardo Lewandowski abriu a divergência e votou para declarar a incompetência da Justiça Federal do Paraná para julgar Cabral. Segundo o magistrado, a organização criminosa da qual Cabral é acusado de integrar atuava no Rio de Janeiro, e não em Curitiba. E a menção ao Comperj não é suficiente para atrair a competência da 13ª Vara Federal da capital paranaense.

"Não se mostra elemento idôneo para definição da competência a simples menção ao pagamento de vantagens indevidas a uma organização criminosa sediada no Rio de Janeiro por executivos da Andrade Gutierrez, à míngua de relação subjetiva ou objetiva diretamente vinculada ao suposto esquema criminoso descoberto na Petrobras e que justificou a fixação de competência pelo juízo do Paraná", afirmou Lewandowski.

A declaração de incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba leva automaticamente à revogação do mandado de prisão contra o ex-governador, ressaltou Lewandowski. O julgamento foi interrompido em outubro por pedido de vista do ministro André Mendonça.

Em voto-vista apresentado em 9 de dezembro, André Mendonça votou  pela revogação da prisão preventiva por entender que a detenção de Cabral foi estendida sem passar por reavaliação. 

Nunes Marques concordou com tal argumento de Mendonça. Contudo, avaliou que entende que isso não justifica a revogação da prisão. Dessa maneira, seguiu o voto de Fachin.

Histórico de Cabral
Sérgio Cabral foi preso preventivamente no âmbito da “lava jato” em 17 de novembro de 2016, por ordem de Sergio Moro, então juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba. Posteriormente, ele foi alvo de mandados de prisão do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, e da Justiça fluminense.

Na transferência do ex-governador do Rio para o Complexo Médico-Penal de Pinhais, no Paraná, em 2018, o político teve os pés e mãos algemados, usando ainda um cinto que prendia seus pulsos, para que sequer levantasse os braços. 

Advogados e professores consultados pela ConJur consideraram abusiva a atitude da polícia, uma vez que não há registro de episódios de violência por parte do ex-governador. Muitos lembraram da Súmula Vinculante 11 do Supremo Tribunal Federal. Ela determina que "só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito". 

Os policiais federais responsáveis pela ação alegaram que Cabral teve suas mãos e pés algemados ao ser transferido para uma prisão de Curitiba porque, se ficasse solto, poderia entrar em confronto com uma “multidão ensandecida”, colocando em risco sua integridade física. Mas as fotos da cena analisadas pelo juiz Ali Mazloum, então auxiliar do Supremo Tribunal Federal, do gabinete do ministro Gilmar Mendes, mostram pouquíssimas pessoas no local.

Posteriormente, a 2ª Turma do Supremo determinou que Cabral retornasse ao Rio. Os ministros também proibiram o uso de algemas no deslocamento. Além disso, o ministro Gilmar Mendes mandou ainda abrir uma investigação para apurar abuso de autoridade no triplo agrilhoamento do político.

O ex-governador já foi condenado em 24 ações penais, sendo 23 decorrentes de desdobramentos da finada "lava jato" e outra relacionada ao uso de helicópteros do Rio para viagens pessoais. No total, as penas impostas a Sérgio Cabral chegam a 436 anos e nove meses de prisão.

Clique aqui para ler o voto de Gilmar Mendes
HC 203.277
HC 206.987

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