Direito Eleitoral

O direito do uso da imagem de notórios apoiadores nas eleições de 2022

Autores

  • Delmiro Dantas Campos Neto

    é advogado preside a Comissão Especial de Estudos da Reforma Política do CFOAB (Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil); coordenador-institucional da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político) e possui especialização em Direito Eleitoral pela Escola Judiciária Eleitoral de Pernambuco.

  • Maria Stephany dos Santos

    é advogada; especialista em Direito Eleitoral pela EJE (TRE-PE); membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político) e vice-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-PE.

29 de agosto de 2022, 8h00

A Constituição Federal garante a proteção do direito à imagem no artigo 5º, incisos V, X e XXVIII, sendo consagrado na primeira dimensão dos direitos fundamentais (liberdade, direitos civis e políticos) de caráter negativo, ante a abstenção do Estado, esteio da dignidade da pessoa humana, fundamento constitucional, artigo 1º, inciso III. Assim, a exposição indevida da imagem e vida privada das pessoas é inviolável, portanto, independentemente de prova do prejuízo, a indenização será uma de suas consequências [1].

Há de ser feito um corte epistemológico na conceituação de pessoas comuns e pessoas notórias (públicas), a segunda categoria classificatória recai para os políticos, atores/atrizes, jogadores de futebol, ou seja, personalidades conhecidas do público geral, enquanto as demais são pessoas comuns e que o direito garante uma proteção mais abrangente da sua imagem. O Tribunal da Cidadania reverberou no Resp 706.769, sob a relatoria do ministro Luís Felipe Salomão "alguns aspectos da vida particular de pessoas notórias podem ser noticiados. No entanto, o limite para o exercício da liberdade de informação é a honra da pessoa" [2].

O direito à privacidade é elencado no art. 20 do Código Civil,[3] admite-se um direito pertinente à própria pessoa ou a indivíduos que fazem parte do seu convívio diário, sendo a privacidade, via da regra, um bem inviolável. Entretanto, cumpre ressaltar que em se tratando de pessoas públicas, tal regra sofre exceções, sendo certo que não é necessário qualquer tipo de autorização quanto à veiculação de suas imagens, dizeres ou feitos, salvo em se tratando da intimidade pessoal.

Ressalte-se que não se está defendendo a violação à intimidade da pessoa, ainda que pública. Não podemos confundir a intimidade do indivíduo com a exposição que lhe é acometida pelo desempenho de sua função pública. Ademais, por intimidade, trata-se de esfera exclusiva que alguém defende de repercussão social, como, por exemplo, o diário íntimo, etc. Portanto, como dito, é a vida como mandatário público, a qual deve ser exposta ao conhecimento da sociedade, a teor da norma constitucional invocada.

A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 5º, IV e X e 220, §2º asseguram aos cidadãos o direito de expressar livremente a sua opinião. [4] A liberdade de expressão, sobretudo a respeito de política e questões públicas, é o suporte vital de qualquer democracia.

Dessa forma, em relação à propaganda eleitoral, pode existir um choque de direitos: o direito do candidato de expressar livremente suas ideias, inclusive acerca de outros candidatos, e o direito de serem resguardadas a intimidade e imagem, protegendo a vida privada das pessoas. Assim, a solução encontrada pela lei eleitoral foi estabelecer vários limites e vedações, mas que tem a sua verificação realizada após a veiculação da propaganda exibida, e nunca antes desse momento, sob pena de se configurar censura prévia.

Entende-se por censura prévia, a análise pela Justiça Eleitoral de determinada propaganda eleitoral antes que esta seja exibida, o que é terminantemente proibido pela lei para não ferir a liberdade de expressão e de imprensa, direitos arduamente conquistados. Oliver Coneglian reverbera que a Justiça Eleitoral só pode exercer a censura sobre o que já foi exibido, ou seja, a justiça só deve coibir a prática (censura) depois que já foi cometido, jamais poderá antecipar o livre exercício da liberdade de expressão [5] [6].

Ocorre que, para compatibilizar os direitos à liberdade de expressão e à inviolabilidade da imagem, a Justiça Eleitoral atuará repressivamente, ou seja, uma vez exibida a propaganda considerada ofensiva ou irregular, o responsável será devidamente punido. Não é, portanto, permitida a censura prévia, bem como cortes instantâneos em determinadas propagandas eleitorais, sejam elas em bloco, ou mediante pequenas inserções durante a programação normal, nos moldes do artigo 53, da Lei nº 9.504/97.

O acesso a internet e o seu impulsionamento nas campanhas eleitorais passou a ganhar ainda mais destaque a partir das eleições de 2018, em pesquisa promovida pelo Comitê Gestor da Internet do Brasil está revelou que, em 2020 [7], o país chegou a 152 milhões de usuários [8]. Neste sentido, há uma grande difusão na imagem dos candidatos no prélio eleitoral e a cadeia de informações e propagação deste uso não é nem de longe controlável, pois a partir de sua circulação não há como dimensionar seu alcance.

Some-se a isso o uso da imagem de pessoas públicas para fins de todo tipo de propaganda eleitoral e a impossibilidade técnica da Justiça Eleitoral em conter a sua publicização. No mais, reverbere-se que a Justiça Eleitoral não possui competência para fins de análise de determinadas matérias, no Brasil, a competência das justiças especializadas é determinada em razão da matéria (ratione materiae). "Matéria eleitoral" é, portanto, o campo dentro do qual se move a Justiça Eleitoral, tendo sido remetido à lei complementar a tarefa de especificar os contornos precisos (artigo 121, CF).

Assim, questões que envolvam o direito à imagem, a princípio, salvo melhor juízo, não merecem análise da Justiça Eleitoral, haja vista se tratar de tutela de interesse exclusivamente privado (direitos de personalidade) com fundamentos exclusivamente cíveis. Logo, o uso por qualquer candidato de figuras notórias, conhecidas popularmente e publicamente, em suas propagandas eleitorais, não implicará na atuação imediata da Justiça Eleitoral.

Explica-se, por exemplo, nessas eleições, em Pernambuco há o uso por dois candidatos da imagem de ex-presidente da República e novamente candidato ao mesmo cargo, o Lula, já em Rondônia outros dois candidatos disputam o uso da imagem do atual presidente da República, igualmente candidato, desta feita à reeleição, sem prejuízo de outros Estados reproduzirem cenários análogos.

Indaga-se: A Justiça Eleitoral pode cercear o uso da imagem de um(a) presidenciável por algum dos candidatos? Não, pois a Justiça Eleitoral não possui competência para analisar o uso positivo, enaltecimento ou de apoio da imagem por nenhum candidato. Mas, se ocorrer a mácula ou mesmo a depreciação de sua imagem a partir da propagação de fake news ou desinformação, a Justiça Eleitoral deverá conter em razão da propagação de propaganda eleitoral negativa, outro viés, o qual não está a analisar, detidamente, o uso da imagem, mas, sim, a propagação de inverdades que reverberam acerca do indivíduo e que possuem influxos diretos no pleito, senão também não será contido pela justiça especializada.

Nos casos supramencionados que envolvem candidatos à Presidência da República, quem deterá competência para fins de apreciação será o Tribunal Superior Eleitoral e não os Regionais. Evidentemente, caso o respectivo candidato ou pessoa pública ou de notoriedade se sinta prejudicado(a) ou até mesmo desconfortável com o uso de sua imagem, ainda que decorrente de eventual apoio, deverá apresentar ação no âmbito da justiça comum para obstar este uso.

Ainda em sede de cognição sumária, nos autos da representação eleitoral nº 0601624-91.2022.6.24.0000 ajuizada no do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina houve o deferimento do pedido liminar para obstar propaganda eleitoral de candidato que atrelou sua postulação ao pretenso apoio do atual presidente da República, e o argumento utilizado na decisão foi da impossibilidade de propaganda entre filiados de partidos não coligados. Remanescerão três discussões para o enfrentamento do mérito ou mesmo do colegiado em sede de recurso: da (in)competência do Regional, da equivocada interpretação da norma insculpida no artigo 45, §6º da Lei nº 9.504/97, aplicável à propaganda eleitoral gratuita no rádio e televisão, de modo a estendê-la para alcançar outros meios de propaganda distintos desse e ainda do malferimento ou não da regra do artigo 242, do Código Eleitoral no que toca a possível confusão mental no eleitorado.

Em Pernambuco há um julgamento histórico no TRE-PE cujos debates se iniciaram em 2017 e findaram 2018 quando instituto que preserva a memória do herói da pátria Miguel Arraes (IMA) reivindicou a defesa do direito de uso da sua imagem em desfavor do PSB nas suas propagandas políticas e partidárias e o tribunal entendeu na linha esposada nesse texto, sobre a mitigação quanto ao direito de uso de imagem de pessoas notórias, não se imiscuindo em pretensos conflitos familiares ou mesmo sobre a militância política de quem supostamente possa fazer uso da imagem de Arraes. Em outra oportunidade, eleições 2014, também houve a discussão acerca do uso da imagem do ex-governador do estado de Pernambuco, o sr. Eduardo Henrique Aciolly Campos, e nos termos acima reverberados a Justiça Eleitoral não se imiscuiu em seu uso pelos candidatos, à época, no pleito eleitoral.

Outra lição importante afeta à discussão do uso da imagem de políticos e pessoas notórias também decorre das eleições de 2018 quando o Tribunal Superior Eleitoral assentou a permissão do uso da imagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cujo registro de candidatura foi indeferido, desde que o petista não fosse apresentado como candidato. Some-se a isso, a minirreforma eleitoral de 2015, que alterou o artigo 54, da Lei nº 9.504/97, afastando-se explicitamente a regra acerca da vedação do uso de apoiador de qualquer cidadão não filiado a outra agremiação partidária ou a partido integrante de outra coligação — que era expressa na redação revogada do caput do artigo 54 da Lei Eleitoral — incluindo também a vedação de qualquer pessoa mediante remuneração, nos programas de rádio e TV. Ou seja, a partir das eleições de 2016, passou-se a permitir o uso de apoiadores no percentual máximo de até 25% sem a necessidade de estar vinculado a coligação ou a legenda partidária — apenas vedando-se montagens, trucagens, computação gráfica, desenhos animados e efeitos especiais.

Em suma, apesar do grande impacto que o uso da imagem de pessoas notórias e públicas possa causar na seara do direito eleitoral, apenas e, tão somente, com esteio e verbalização de desinformação e reprodução de fake news é que a Justiça Eleitoral poderá atuar, haja vista o campo restrito de sua competência que não permite a análise e a vedação do uso da imagem de pessoas notórias ou públicas por qualquer candidato(a).

 


[1] Nos termos, inclusive, da súmula 403/STJ.

[2] STJ – REsp: 706769 RN 2004/0168993-6, relator: ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, data de julgamento: 14/4/2009, T4 – 4ª TURMA, data de publicação: DJe 27/4/2009.

[3] Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. (Vide ADIN 4.815)

[4] A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. (…) § 2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. (…).

[5] CONEGLIAN, Olivar. Propaganda eleitoral: eleições 2014. 12ª ed. Curitiba: Juruá, 2014. p. 302

[6] ELEIÇÃO 2012. PROPAGANDA ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. CONTROLE ANTECIPADO. AUSÊNCIA DE DEMONTRAÇÃO DE OFENSA. PEDIDO JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL. DESPROVIMENTO.

1- Não serão admitidos cortes instantâneos ou qualquer tipo de censura prévia nos programas eleitorais gratuitos. Inteligência do art. 53, da Lei nº 9.504/97.

2- Impossibilidade de censura prévia ou controle antecipado do conteúdo de propaganda política. A apreciação judicial prescinde de restar configurada e devidamente demonstrada a ofensa advinda de eventual difusão de mensagem publicitária eleitoral.

3- A Justiça Eleitoral deve intervir, quando provocada, para impedir a reapresentação de propaganda ofensiva e não se antecipar a sua veiculação.

4- Recurso desprovido. (RE – Recurso Eleitoral nº 4663 – Caruaru/PE Acórdão de 2/10/2012, relator(a) ROBERTO DE FREITAS MORAIS)

Autores

  • é advogado, sócio-diretor do escritório Campos & Pedrosa Advogados Associados, membro da Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, membro da Abradep, coordenador do Núcleo de Direito Eleitoral da Escola Superior da Advocacia — ESA/OAB-PE, pós-graduado em Direito Eleitoral pela EJE - TRE-PE (2012/2013), desembargador eleitoral substituto do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (2017/2019) e diretor da EJE - TRE-PE (2017/2019).

  • é advogada, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), vice-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-PE e membro do Centro de Debate e Disseminação de Direito Eleitoral da ESA - OAB-PE.

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