STJ confirma multa de R$ 590 mil por descumprimento de ordem de R$ 4 mil
6 de abril de 2022, 20h33
A operadora de planos de saúde Bradesco Saúde terá de pagar uma multa de R$ 589 mil por descumprir ordem judicial que impôs o custeio de kit de diagnóstico avaliado em R$ 4 mil, em ação judicial movida por um de seus beneficiários.
A condenação foi confirmada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que nesta quarta-feira (6/4) decidiu não conhecer dos embargos de divergência ajuizados pela empresa para discutir a exorbitância e a desproporcionalidade do valor.
Nos embargos de divergência, o embargante deve apresentar acórdãos de outros colegiados do STJ que tenham decidido questões semelhantes de maneira diversa. A uniformização de entendimento pode ser, então, feita pela Corte Especial.
Relator, o ministro Herman Benjamin entendeu que a empresa não apresentou casos com similitude fática aptos a permitir o julgamento dos embargos. Ele foi acompanhado por maioria de votos, o que encerra a análise do caso no STJ.
Abriu a divergência e ficou vencido o ministro Raul Araújo, para quem o tema deveria ser analisado, inclusive pela conveniência de julgar a redução do valor da multa imposta a quem demorou para cumprir ordem judicial. Foi acompanhado pelo ministro João Otávio de Noronha.
Obrigação x multa
No caso, a Bradesco Saúde foi intimada em 13 de agosto de 2003 de decisão judicial segundo a qual teria de pagar por um kit de diagnóstico thyrogen, usado para atestar o resultado de tratamento contra o câncer ao qual se submetia uma das beneficiárias de seu plano de saúde.
O kit tinha custo estimado de R$ 4 mil. A decisão judicial impôs multa de R$ 1 mil para cada dia de descumprimento. Ou seja, em quatro dias o valor da multa alcançaria o suficiente para cobrir o montante necessário.
A operadora de plano de saúde, no entanto, só foi fornecer o kit em 24 de novembro de 2015, com exatos 589 dias atraso, pelo qual foi condenada a pagar R$ 589 mil em astreintes (multa diária imposta por condenação judicial).
No STJ, a Bradesco Saúde sustentou que o valor é exorbitante em relação à obrigação principal, além de ser maior do que a maioria das indenizações arbitradas pela jurisprudência brasileira em casos de responsabilidade civil por morte.
A 4ª Turma julgou o caso, mas não analisou o mérito do recurso por óbices processuais. Quanto ao valor da indenização, concluiu ser proporcional e razoável o montante diário de R$ 1 mil, que depois só foi excessivamente acumulado por desídia da operadora.
Desídia x conveniência
Relator, o ministro Herman Benjamin não conheceu dos embargos justamente porque os acórdãos paradigmas tratavam da discussão de mérito, enquanto o acórdão da 4ª Turma não passou a barreira dos óbices processuais.
Mas ele fez considerações sobre o mérito. Levantou a possibilidade de a operadora ter justamente se aproveitado de uma multa de baixo valor para postergar o cumprimento da decisão de pagar pelo kit médico necessário para a beneficiária do plano de saúde.
"Se começarmos a ampliar nossa jurisprudência para olhar o valor final e não o valor da multa, estaremos estimulando, como é o caso, as empresas e réus a não cumprirem com decisões judiciais, inclusive em casos de saúde", disse o ministro Herman. "Não parece que seja esse o espírito da jurisprudência da Corte Especial e do STJ", acrescentou.
Abriu a divergência o ministro Raul Araújo, após pedido de vista, justamente para colocar em debate a análise desse embate entre desídia do devedor e conveniência do credor.
"Nesses casos em que a multa inicialmente vem num valor adequado, a demora no cumprimento da determinação judicial passa a ser, em alguns casos, muito apreciada pela parte a quem a multa beneficia", afirmou, quando pediu vista.
Nesta quarta, o ministro João Otávio de Noronha também entendeu que os embargos deveriam ser analisados. "O que mais tenho visto no Brasil são liminares impertinentes com fixação de astreintes elevadas que, não cumpridas, geram multas e, depois, reformadas ou não, acabam dando execuções".
Jurisprudência
Ainda em 2021, em abril, a Corte Especial do STJ julgou caso semelhante, em que decidiu que o valor de multa de descumprimento de decisão judicial não é punição e seu valor pode ser revisado a qualquer tempo, sempre com base na efetividade da tutela, mas também na proporcionalidade e na razoabilidade.
Naquele processo, uma operadora de plano de saúde se recusou a reembolsar cerca de R$ 20 mil gastos por um beneficiário com tratamento de saúde. A multa pelo descumprimento era de R$ 500 por dia. A desídia da empresa deixou o valor alcançar R$ 730 mil, cerca de 40 vezes o valor da condenação. Por fim, foi reduzido a R$ 100 mil.
Também está em discussão no colegiado a possibilidade de a cobrança das astreintes ser transmitida aos herdeiros do autor da ação, na hipótese de haver extinção do processo sem resolução do mérito por sua morte. Esse caso está parado com pedido de vista.
O tema é mais comum nos colegiados que julgam matéria de Direito Privado — não à toa, muito recorrente em casos envolvendo planos de saúde. Em agosto, a 3ª Turma se negou a reduzir multa resultante da recusa de fornecer tratamento home care por uma operadora, durante 365 dias, o que gerou R$ 365 mil de astreintes.
Antes, em 2020, o colegiado manteve a condenação de R$ 3,1 milhões pelo descumprimento do pagamento de indenização no valor de R$ 20 mil, apontando para a "desobediência flagrante" da instituição financeira condenada. Por outro lado, o colegiado já reduziu de R$ 1 mil para R$ 100 a punição em outro caso, pelo descumprimento de ordem judicial relativa a uma obrigação de R$ 123,92.
Já a 4ª Turma recentemente referendou a redução de astreintes de R$ 311 mil para apenas R$ 20 mil impostos a uma operadora que demorou a cumprir decisão de reativação de plano de saúde de um beneficiário. A redução foi feita pelo juízo no cumprimento de sentença.
Na 3ª Seção, que julga matéria penal, a discussão ganhou relevância diante da recalcitrância de empresas de tecnologia em cumprir decisões em investigações criminais. Foi assim que passou a admitir bloqueio judicial do valor da multa e definiu que ela começa a correr com a resistência ao cumprimento da ordem, mesmo que ainda haja prazo para sua ocorrência.
EAREsp 689.202
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