Não é fácil

STF vive disputa psicodélica de decisões com a Justiça do Trabalho, diz Gilmar

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22 de setembro de 2021, 15h54

Para o ministro Gilmar Mendes, a construção de uma cultura de aplicação de precedentes no Brasil não é fácil, e a prova disso está na relação conflituosa entre o Supremo Tribunal Federal e a Justiça do Trabalho. Em evento na manhã desta quarta-feira, destacou como esse cenário é responsável por gerar insegurança jurídica.

Fellipe Sampaio /SCO/STF
Ministro Gilmar Mendes afirmou que aplicação de precedentes deixou de ser questão jurídica para virar psicológica
Fellipe Sampaio/STF

"No Supremo Tribunal Federal, vivemos às vezes uma disputa quase que psicodélica, diria eu, com a Justiça do Trabalho. Tomamos determinadas decisões e, no momento seguinte, vem decisão do TST ou de TRT dizendo que não foi essa a decisão que o Supremo tomou", exemplificou o ministro.

"E depois, de acordo com também com os azares e sortes da distribuição da eventual reclamação no Supremo Tribunal Federal, aquela decisão é mantida ou não. Certamente isso também nós vamos ter que resolver", complementou, em fala no 3º Encontro Nacional sobre Precedentes Qualificados, organizado pelo STF.

O ministro Gilmar Mendes é, há anos, crítico da insubordinação da Justiça do Trabalho, e não são poucos os pontos de conflito. Recentemente, como mostrou a ConJur, decisões do STF tiraram da seara trabalhista processos com impacto de cerca de R$ 5 bilhões, numa espécie de desidratação do sistema criado pela Emenda Constitucional 45, segundo a qual a justiça especializada cuidaria não só de relações de emprego, mas o que dissesse respeito a trabalho.

O decano no STF também apontou a necessidade da mudança de postura dos juízes em referência ao sistema de precedentes. "Eu diria até que, às vezes, o problema não é mais jurídico. É até psicológico ou psiquiátrico", afirmou.

"Perdemos o debate no Plenário? Perdemos. Nossa tese ficou vencida. Então cabe aplicar a orientação. E isso vale para os demais tribunais. Mas o STF não pode rever a tese? Pode, e às vezes deve. Isso acontece. Mas é importante que façamos esse trabalho [de aplicação de precedentes]", explicou.

Marcos Oliveira/Agência Senado
Para ministro Gilmar, Rodrigo Pacheco, na presidência do Senado, pode aparar as arestas da eficácia do controle difuso de constitucionalidade feito pelo Supremo
Marcos Oliveira/Agência Senado

Eficácia no controle difuso
Um dos pontos de evolução esperada pelo ministro Gilmar Mendes quanto ao uso de precedentes qualificados está na eficácia geral e efeito vinculante de decisões tomadas em sede de controle difuso de constitucionalidade.

Enquanto decisões tomadas em controle concentrado de constitucionalidade — em ADI, ADO, ADC e ADPF — são dotadas de eficácia erga omnes (que vale para todos) e efeito vinculante, o mesmo não pode ser dito quando a inconstitucionalidade é declarada incidentalmente.

Um perfeito exemplo foi a decisão do STF de declarar inconstitucional o artigo 2º da Lei de Crimes Hediondos, que proibia progressão de regime no cumprimento de pena. A decisão foi tomada no Habeas Corpus 82.959 em fevereiro de 2006, e sua aplicação generalizada foi imediatamente contestada por juristas e magistrados.

No Acre, um juiz de execução deixou de aplicar o entendimento, o que fez a Defensoria Pública estadual levar o caso em reclamação ao STF, na qual definiu-se que quando o STF decide, de modo definitivo, que determinada lei é inconstitucional, a decisão não depende da chancela do Senado para gerar efeitos sobre as demais instâncias da Justiça.

Essa previsão consta no artigo 52, inciso X da Constituição Federal, segundo o qual compete ao Senado suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.

O ministro Gilmar Mendes define essa previsão como "uma idiossincrasia do nosso sistema jurídico constitucional e processual". Na prática, o Supremo segue aplicando o precedente firmado naquele caso, mas o decano reconhece que o tema careca de pacificação.

"Tenho esperança de que, num futuro próximo, pacifiquemos essa relação, inclusive no entendimento com o próprio Senado, o desobrigando de fazer sessão e discutir a matéria. Basta a verificação simples de que decisão do STF transitou em julgado, de que se declarou a inconstitucionalidade de dispositivo, para publicação no diário do Congresso", disse.

É um tema bastante singelo. Nós, que avançamos tanto no processo constitucional, ainda hoje temos essa perplexidade em relação ao controle incidental de normas. Poderíamos limar essas diferenças e avançar no momento em que temos, na presidência do Senado, um jurista eminente, um homem qualificado das letras jurídicas e que teria toda a compreensão para esse importante diálogo institucional", afirmou, em referência ao senador e advogado Rodrigo Pacheco (DEM).

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