Controle constitucional

Não cabe ao Senado definir alcance de decisão do Supremo

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1 de fevereiro de 2007, 23h01

Quando o Supremo Tribunal Federal decide, de modo definitivo, que determinada lei é inconstitucional, a decisão não depende da chancela do Senado para gerar efeitos sobre as demais instâncias da Justiça. “Não é (mais) a decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa força normativa”, afirma o ministro Gilmar Mendes.

O entendimento do ministro — que equipara o controle de constitucionalidade direto ao controle incidental — foi exposto na Reclamação ajuizada pela Defensoria Pública da União contra decisão da Vara de Execuções Penais de Rio Branco. Os defensores afirmaram que o juiz, ao não avaliar pedido de progressão de regime para dez condenados por crimes hediondos, desobedeceu a decisão do STF que considerou inconstitucional a proibição da progressão.

Em sua justificativa, o juiz sustentou que, por ter sido tomada em um pedido de Habeas Corpus, a decisão do Supremo gerava efeitos apenas para aquele caso específico. “Para que venha a ter eficácia para todos é necessária a comunicação da Corte Suprema ao Senado Federal, que, a seu critério, pode suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (art. 52, X, da CF)”, argumentou o juiz.

Ainda de acordo com o juiz de Rio Branco, “se a decisão do Supremo Tribunal Federal tivesse sido tomada em sede de ação direta de inconstitucionalidade (controle concentrado), produziria eficácia contra todos e efeito vinculante, relativa aos demais órgãos do Judiciário e até à Administração Pública direta e indireta”. Como não foi em ADI, dependeria do ato do Senado.

Ao analisar o caso nesta quinta-feira (1/2), o ministro Gilmar Mendes rejeitou os argumentos do juiz. Num extenso voto, em que analisa o papel do Senado no controle de constitucionalidade, o ministro sustenta que o ato de suspender a execução da lei não é adequado para assegurar que a decisão do Supremo seja aplicada ou gere efeito vinculante.

Segundo Gilmar Mendes, o Senado não pode “restringir ou ampliar a extensão do julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal”. Assim, a suspensão da execução da lei tem apenas o efeito de dar publicidade à decisão da Corte. Gilmar aponta que cabe ao tribunal definir os efeitos da decisão.

“Se o Supremo Tribunal pode, em ação direta de inconstitucionalidade, suspender, liminarmente, a eficácia de uma lei, até mesmo de uma Emenda Constitucional, por que haveria a declaração de inconstitucionalidade, proferida no controle incidental, valer tão-somente para as partes?”, questiona o ministro. E responde: “a única resposta plausível nos leva a crer que o instituto da suspensão pelo Senado assenta-se hoje em razão de índole exclusivamente histórica”.

De acordo com Gilmar Mendes, “a natureza idêntica do controle de constitucionalidade, quanto às suas finalidades e aos procedimentos comuns dominantes para os modelos difuso e concentrado, não mais parece legitimar a distinção quanto aos efeitos das decisões proferidas no controle direto e no controle incidental”.

O julgamento da questão pelo plenário do Supremo foi suspenso por pedido de vista do ministro Eros Grau. O ministro Gilmar Mendes, relator, foi o único que votou até agora.

Texto corrigido às 16 horas desta sexta-feira (2/2)

Leia o voto:

RECLAMAÇÃO 4.335-5 ACRE

RELATOR

MIN. GILMAR MENDES

RECLAMANTE

DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

RECLAMADO

JUIZ DE DIREITO DA VARA DE EXECUÇÕES PENAIS DA COMARCA DE RIO BRANCO (PROCESSOS NºS 00102017345-9, 00105012072-8, 00105017431-3, 00104000312-5, 00105015656-2, 00105013247-5, 00102007288-1, 00106003977-0, 00105014278-0 E 00105007298-7)

INTERESSADO

ODILON ANTONIO DA SILVA LOPES

INTERESSADO

ANTONIO EDINEZIO DE OLIVEIRA LEÃO

INTERESSADO

SILVINHO SILVA DE MIRANDA

INTERESSADO

DORIAN ROBERTO CAVALCANTE BRAGA

INTERESSADO

RAIMUNDO PIMENTEL SOARES

INTERESSADO

DEIRES JHANES SARAIVA DE QUEIROZ

INTERESSADO

ANTONIO FERREIRA DA SILVA

INTERESSADO

GESSYFRAN MARTINS CAVALCANTE

INTERESSADO

JOÃO ALVES DA SILVA

INTERESSADO

ANDRÉ RICHARDE NASCIMENTO DE SOUZA

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – (Relator):

Trata-se de reclamação, ajuizada pela Defensoria Pública do Estado do Acre, em face de decisão do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco, no Estado do Acre, que indeferiu o pedido de progressão de regime em favor de ODILON ANTONIO DA SILVA LOPES, ANTONIO EDINEZIO DE OLIVEIRA LEÃO, SILVINHO SILVA DE MIRANDA, DORIAN ROBERTO CAVALCANTE BRAGA, RAIMUNDO PIMENTEL SOARES, DEIRES JHANES SARAIVA DE QUEIROZ, ANTONIO FERREIRA DA SILVA, GESSYFRAN MARTINS CAVALCANTE, JOÃO ALVES DA SILVA E ANDRÉ RICHARDE NASCIMENTO DE SOUZA.

Alega-se que os condenados apontados pelo reclamante cumprem penas de reclusão em regime integralmente fechado, em decorrência da prática de crimes hediondos.

O reclamante alega o descumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal no HC 82.959, da relatoria do Ministro Marco Aurélio, quando a Corte afastou a vedação de progressão de regime aos condenados pela prática de crimes hediondos, ao considerar inconstitucional o artigo 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/1990 (“Lei dos Crimes Hediondos”).

Com base no referido julgamento, solicitou o reclamante fosse concedida progressão de regime aos apenados relacionados acima. Tal pedido foi indeferido pelo Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco/AC, sob a alegação de vedação legal para admiti-la e o seguinte argumento:

“ (…)conquanto o Plenário do Supremo Tribunal, em maioria apertada (6 votos x 5 votos), tenha declarado ‘incidenter tantum’ a inconstitucionalidade do art. 2o, § 1o da Lei 8.072/90 (Crimes Hediondos), por via do Habeas Corpus n. 82.959, isto após dezesseis anos dizendo que a norma era constitucional, perfilho-me a melhor doutrina constitucional pátria que entende que no controle difuso de constitucionalidade a decisão produz efeitos ‘inter partes’.”(fl.23-24).

Da denegação do pedido de progressão por parte do juízo a quo, o reclamante impetrou habeas corpus perante o Tribunal de Justiça do Estado do Acre (fl.4-12).

Solicitei informações à autoridade reclamada, o Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco/AC, que assim se manifestou na Petição n. 72.377/2006 (fls. 20-25):

“Inicialmente, opino pelo não conhecimento da reclamação, posto que não preenchidos os requisitos do art. 13, da Lei n. 8.038/90.

Sendo o pedido de progressão de regime da competência da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco, vez que na Comarca cumprem pena os interessados na Reclamação, não há que se falar em preservar a competência dessa E. Corte; por outra, não é de conhecimento deste Juízo, até o momento, que o STF tenha expedido ordem em favor de um dos interessados na reclamação, e, portanto, não é hipótese de garantir a autoridade de decisão da Corte.

Por outra, a reclamação não foi regularmente instruída com os documentos necessários, talvez pelos motivos apontados no parágrafo anterior, e indicam claramente que busca suprimir instância, posto que conforme consta da inicial, contra a decisão deste Juízo que negou a progressão para aqueles apenados por crimes hediondos ou equiparados manejou o reclamante habeas corpus perante o Tribunal de Justiça do Estado do Acre.

Quanto ao pedido, tenho a informar que efetivamente tramitam neste Juízo os autos das execuções penais ns. 001.02.017345-9, 001.05.012072-8, 001.05.017431-3, 001.04.000312-5, 001.05.015656-2, 001.05.013247-5, 001.02.007288-1, 001.06.003977-0, 001.05.014278-0 e 001.05.007298-7, cujos reeducandos figuram como interessados na reclamação, e me permito reproduzir parcialmente as informações prestadas ao Tribunal de Justiça do Estado do ACRE quando oficiado a prestá-las, que são do seguinte teor:

Sobre as alegações constantes no ‘habeas corpus’, forçoso dizer que o impetrante lançou mão de argumentos que não correspondem à verdade.

No afã de conseguir seu intento, talvez tenha o impetrante esquecido que este Juízo, conforme determinado pelas Portarias ns. 07 e 09 da Corregedoria Geral da Justiça deste Estado, teve o seu expediente externo suspenso em função do cadastramento dos processos de execução no Programa SAJ de informatização de 13 a 31 de março passado.

No referido período, todos os prazos processuais foram suspensos, a fim de evitar prejuízo a qualquer das partes, e obviamente, restou prejudicada a tramitação dos feitos, isto porque os próprios servidores lotados na Vara de Execuções Penais – VEP executaram toda a árdua tarefa de cadastrar um a um os processos.

Assim, com o fim do cadastramento e o reinício dos trabalhos, em três de abril passado, deu-se continuidade à tramitação dos procedimentos de execução, sendo portanto os feitos encaminhados ao Ministério Público, a fim de se colher o necessário parecer sobre o pedido.

Particularmente quanto ao pedido de progressão de regime do 7º paciente, verifica-se que o mesmo foi objeto de julgamento no dia 25/04/2006 (decisão de indeferimento do pedido de progressão).

É latente a falta de diligência do nobre defensor ao impetrar o presente writ ao 1º paciente (Odilon Antônio da Silva Lopes) que sequer tem execução em andamento nesta VEP, e aos 3°, 5°, 6° e 10º pacientes que cumprem pena por crimes comuns, tendo este último sido condenado no regime semi-aberto.

Devo frisar ainda, que causa espécie a alegação de que este Magistrado tenha se eximido de decidir com base em comunicado que fiz veicular no presente fórum.

Tal comunicado foi veiculado única e exclusivamente com o fim de evitar o número cada vez crescente de atendimentos solicitando informações sobre o julgamento do STF perante esta VEP, e nada mais fez a não ser repassar a informação constante no site do próprio STF quando do julgamento do HC 82959 (anexo), que tem o seguinte teor:

"Como a decisão se deu no controle difuso de constitucionalidade (análise dos efeitos da lei no caso concreto), a decisão do Supremo terá que ser comunicada ao Senado para que o parlamento providencie a suspensão da eficácia do dispositivo declarado inconstitucional. (…)” (in site www.stf gov.br, notícias de 23.02.2006, cujo tema é 23/02/2006 – 19:05 – Supremo afasta a proibição de progressão de regime nos crimes hediondos – 3° parágrafo.)

Em momento algum este Magistrado deixou de decidir o feito com base no comunicado, posto que tal comunicado não foi juntado a qualquer processo, basicamente por não se constituir em ato judicial processual.

O atraso deu-se unicamente em razão da suspensão do expediente externo, conforme apontado.

Quanto à decisão do STF de declarar inconstitucional o artigo da Lei 8.072/90 que veda a progressão de regime de cumprimento de pena para condenados por crimes hediondos e equiparados, é pacífico que, tratando-se de controle difuso de constitucionalidade, somente tem efeitos entre as partes.

Para que venha a ter eficácia para todos é necessária a comunicação da Corte Suprema ao Senado Federal, que, a seu critério, pode suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (art. 52, X, da CF).

Sobre o tema, verifica-se do Regimento Interno do STF:

"Art. 178. Declarada, incidentalmente, a inconstitucionalidade, na forma prevista nos artigos 176 e 177, far-se-á a comunicação, logo após a decisão, à autoridade ou órgão interessado, bem como, depois do trânsito em julgado, ao Senado Federal, para os efeitos do art. 42, VII, da Constituição.”

Assim, não havendo qualquer notícia de que o Senado Federal tenha sido comunicado e que tenha suspendido a eficácia do artigo declarado incidenter tantum inconstitucional, o que se tem até a presente data é que ainda está em vigor o art. 2°, § 1°, da Lei 8.072/90, que veda a progressão de regime.

Se a decisão do Supremo Tribunal Federal tivesse sido tomada em sede de ação direta de inconstitucionalidade (controle concentrado), produziria eficácia contra todos e efeito vinculante, relativa aos demais órgãos do Judiciário e até à Administração Pública direta e indireta, nos exatos termos do art. 102, § 2°, da Constituição Federal. Todavia, como dito, não foi o que se verificou – a decisão se deu no controle difuso.

A remansosa e respeitada doutrina nacional tem pacificado esse entendimento sobre as formas de controle de constitucionalidade.

De outro lado, este Juízo não tem competência para modificar o título executivo judicial com base em decisão judicial, mesmo que seja do Supremo Tribunal Federal.

A lei confere este poder ao Juiz da Vara de Execuções Penais somente no caso de lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado (art. 66, I, da Lei de Execução Penal), e este não é o caso.

Para melhor elucidar, transcrevo a decisão relativa a negativa de progressão de regime aos pacientes, cujos processos já foram julgados.

"Vistos, etc.

O reeducando epigrafado ingressou com o pedido de progressão de regime.

Os autos vieram instruídos com a liquidação de pena, o relatório carcerário e a certidão de antecedentes criminais.

Instado, o Ministério Público manifestou-se pelo indeferimento do pedido de progressão de regime por falta de amparo legal, ante a vigência do art. 2º, § 1º da Lei 8.072/90, colacionando julgado do Tribunal de Justiça de Goiás.

É o breve relatório. Decido.

Compulsando os autos, ao analisar o pedido de progressão, em se tratando de execução de pena por crime hediondo, tenho que há vedação legal para admiti-la.

Conquanto o Plenário do Supremo Tribunal, em maioria apertada (6 votos x 5 votos), tenha declarado ‘incidenter tantum’ a inconstitucíonalidade do art. 2.°, § 1.° da Lei 8.0721/90 (Lei dos Crimes Hediondos), por via do Habeas Corpus n. 82.959, isto após dezesseis anos dizendo que a norma era constitucional, perfilho-me a melhor doutrina constitucional pátria, que entende que no controle difuso de constitucionalidade a decisão produz efeitos inter partes. Para que se estenda os seus efeitos erga omnes, a decisão deve ser comunicada ao Senado Federal, que discricionariamente editará resolução suspendendo o dispositivo legal declarado inconstitucional pelo Pretório Excelso (conforme, aliás, o próprio STF informou em seu site na internet, em notícia publicada no dia 23/02/2006, que é do seguinte teor: "…Como a decisão se deu no controle difuso de constitucionalidade (análise dos efeitos da lei no caso concreto), a decisão do Supremo terá que ser comunicada ao Senado para que o parlamento providencie a suspensão da eficácia do dispositivo declarado inconstitucional…").

A referida decisão operou-se para solução de determinado caso concreto, no controle difuso de constitucionalidade, sem a análise da lei em tese. Significa dizer que os seus efeitos se aplicam somente entre as partes do processo, e mesmo que suspensa a eficácia da lei pelo Senado Federal, no tempo, os efeitos se operam ‘ex nunc’. Diversamente, na declaração de inconstítucionalidade por via do controle abstrato, analisa-se a lei e a Constituição sem qualquer referência a um caso concreto e seus efeitos atingem a todos, vinculando Juízes e Tribunais. Nestes casos, o STF decide se seus efeitos podem atingir questões passadas, ou seja, se operam ex tunc. Entender de outra forma seria negar vigência ao disposto no art. 52, inc. X, da Constituição Federal, contrariando o sistema constitucional adotado, ou seja o ‘check and balances’, ou freios e contrapesos, inspirado no modelo norte americano, onde um Poder é controlado pelo outro. Dito isto, o que continua líquido e certo até o momento, ante a inércia dos Poderes em fazer valer o disposto no art. 52, inc. X, da CF/88, é a eficácia do dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos (art. 2°, § 1°, da Lei n. 8.072/90) que veda a progressão de regime aos crimes hediondos ou a eles equiparados.

Neste contexto, é sabido que compete ao Juízo da Execução Penal aplicar aos casos julgados a lei posterior de que qualquer modo favorecer o condenado (art. 66, I, da LEP, e Súmula n. 611 do STF), contudo até o momento não há lei nova que favoreça aqueles que se encontram cumprindo pena pela prática de delitos hediondos ou assim equiparados.

Ao Juiz da Vara de Execuções Penais cabe dar cumprimento à coisa julgada e não desrespeitá-la, a pretexto de decisão que não vincula juízes ou Tribunais, como já dito.

Para rescindir a coisa julgada fora da hipótese de lei nova em benefício do reeducando (autorizada ao Juízo da Execução Penal), necessário que instância superior processe e julgue revisão criminal, ou o faça por meio de ‘habeas corpus’, ou mesmo que declare ‘incidenter tantum’ a inconstitucionalidade de dispositivo legal. Isto posto, com fundamento no art. 2°, § 1°, da Lei n. 8.072/90 e nos arts. 2° e 52, inc. X, da Constituição Federal, INDEFIRO o pedido de progressão de regime ao reeducando Antonio Aluizio Alves da Silva, ante a sua impossibilidade jurídica.(…)” (fls. 20-25).

Em decisão de 21.8.2006, concedi medida liminar, para que, mantido o regime fechado de cumprimento de pena por crime hediondo, fosse afastada a vedação legal de progressão de regime, até o julgamento final desta reclamação (fl.33-44).

A Procuradoria-Geral da República, em parecer da lavra da Subprocuradora-Geral da República, Cláudia Sampaio Marques (fls. 30-31), opinou pelo não-conhecimento do pedido, em virtude de inexistir decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal cuja autoridade deva ser preservada, e, portanto, ser manifestamente descabida a presente reclamação.

É o relatório.

RECLAMAÇÃO 4.335-5 ACRE

V O T O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – (Relator):

No HC 82.959-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em sessão plenária de 23.2.2006, DJ de 1o.9.2006, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do artigo 2o, § 1o, da Lei no 8.072/90 (“Lei dos Crimes Hediondos”), que vedava a progressão de regime em casos de crimes hediondos, em acórdão assim ementado:

PENA – REGIME DE CUMPRIMENTO – PROGRESSÃO – RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social.

PENA – CRIMES HEDIONDOS – REGIME DE CUMPRIMENTO – PROGRESSÃO – ÓBICE – ARTIGO 2o, §1o, DA LEI No 8.072/90 – INCONSTITUCIONALIDADE – EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena – artigo 5o, inciso XLVI, da Constituição Federal – a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2o, § 1o, da Lei no 8.072/90.

Alega o reclamante que, em 2.3.2006, o reclamado fez afixar comunicado em vários pontos das dependências do Fórum de Rio Branco – Acre, nos seguintes termos:

Comunico aos senhores reeducandos, familiares, advogados e comunidade em geral, que A RECENTE DECISÃO PLENÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL proferida nos autos do ‘habeas corpus’ no 82.959, A QUAL DECLAROU A INCONSTITUCIONALIDADE DO DISPOSITIVO DA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS QUE VEDAVA A PROGRESSAO DE REGIME PRISIONAL (ART. 2o, § 1o DA Lei 8.072/90), SOMENTE TERÁ EFICÁCIA A FAVOR DE TODOS OS CONDENADOS POR CRIMES HEDIONDOS OU A ELES EQUIPARADOS QUE ESTEJAM CUMPRINDO PENA, a partir da expedição, PELO SENADO FEDERAL, DE RESOLUÇÃO SUSPENDENDO A EFICÁCIA DO DISPOSITIVO DE LEI declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição Federal. Rio Branco, 02 de março de 2.006. Marcelo Coelho de Carvalho Juiz de Direito.” (fl.05-06).

Preliminarmente, anote-se que não se trata, na espécie, de reclamação incabível, sob o argumento de inexistência de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal cuja autoridade deva ser preservada, conforme aponta o parecer do Ministério Público Federal:

3. A reclamação é o instrumento processual constitucionalmente instituído para a finalidade específica de preservar a competência dos tribunais e garantir a autoridade dos seus julgados.

4. Ao Supremo Tribunal Federal compete processar e julgar as reclamações que visem a preservar a competência do próprio Supremo Tribunal Federal e a autoridade de suas decisões, proferidas em feitos de sua competência originária ou recursal.

5. De acordo com pesquisa feita no site dessa Corte, não consta o registro de ‘habeas corpus’ impetrado pelo Reclamante em favor das pessoas relacionadas no documento de fls. 4 destes autos, sendo certo que o Reclamante não instruiu o seu pedido com um único documento que comprovasse a sua afirmação de que o Juiz de Direito da Vara de Execução Penais de Rio Branco estaria se negando a cumprir decisão proferida em favor de presos condenados por crimes hediondos.

6. Esse fato foi confirmado pela ilustre autoridade impetrada, em suas informações, quando afirmou que “não é do conhecimento deste Juízo, até o momento, que o STF tenha expedido ordem em favor de um dos interessados na reclamação e, portanto, não é hipótese de garantir a autoridade de decisão da Corte” (fl.20).

7. Assim, não existindo decisão proferida por essa Corte cuja autoridade deva ser preservada, a reclamação é manifestamente descabida.” (fl.30-31)

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal deu sinais de grande evolução no que se refere à utilização do instituto da reclamação em sede de controle concentrado de normas. No julgamento da questão de ordem em agravo regimental na Rcl 1.880, em 23 de maio de 2002, o Tribunal restou assente o cabimento da reclamação para todos aqueles que comprovarem prejuízo resultante de decisões contrárias às teses do STF, em reconhecimento à eficácia vinculante erga omnes das decisões de mérito proferidas em sede de controle concentrado.

Tal decisão restou assim ementada:

“QUESTÃO DE ORDEM. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. JULGAMENTO DE MÉRITO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 28 DA LEI No 9.868/99: CONSTITUCIONALIDADE. EFICÁCIA VINCULANTE DA DECISÃO. REFLEXOS. RECLAMAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA.

[…]

4. Reclamação. Reconhecimento de legitimidade ativa ‘ad causam’ de todos que comprovem prejuízo oriundo de decisões dos órgãos do Poder Judiciário, bem como da Administração Pública de todos os níveis, contrárias ao julgado do Tribunal. Ampliação do conceito de parte interessada (Lei no 8.038/90, artigo 13). Reflexos processuais da eficácia vinculante do acórdão a ser preservado.

[…]”[1]

Entendo que, para analisar o tema, é necessário investigar se o instrumento da reclamação foi, no presente caso, utilizado em consonância com a sua destinação constitucional: a garantia da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, l, da CF/88), no caso, a do HC 82.959/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 1o.9.2006.

Superada essa questão, caberá analisar a afirmação do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco – Acre de que a referida decisão no HC 82.959/SP “somente terá eficácia a favor de todos os condenados por crimes hediondos ou a eles equiparados que estejam cumprindo pena, a partir da expedição, pelo Senado Federal, de resolução suspendendo a eficácia do dispositivo de lei declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição Federal”.

Para apreciar a dimensão constitucional do tema, gostaria de tecer alguns comentários sobre o papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade.

– Introdução

A suspensão da execução pelo Senado Federal do ato declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal foi a forma definida pelo constituinte para emprestar eficácia erga omnes às decisões definitivas sobre inconstitucionalidade.

A aparente originalidade da fórmula tem dificultado o seu enquadramento dogmático. Discute-se, assim, sobre os efeitos e a natureza da resolução do Senado Federal que declare suspensa a execução da lei ou ato normativo. Questiona-se, igualmente, sobre o caráter vinculado ou discricionário do ato praticado pelo Senado e sobre a abrangência das leis estaduais e municipais. Indaga-se, ainda, sobre a pertinência da suspensão ao pronunciamento de inconstitucionalidade incidenter tantum, ou sobre a sua aplicação às decisões proferidas em ação direta.

Embora a doutrina pátria reiterasse os ensinamentos teóricos e jurisprudenciais americanos, no sentido da inexistência jurídica ou da ampla ineficácia da lei declarada inconstitucional, não se indicava a razão ou o fundamento desse efeito amplo. Diversamente, a não-aplicação da lei, no Direito norte-americano, constitui expressão do stare decisis, que empresta efeitos vinculantes às decisões das Cortes Superiores. Daí, ter-se adotado, em 1934, a suspensão de execução pelo Senado como mecanismo destinado a outorgar generalidade à declaração de inconstitucionalidade. A engenhosa fórmula mereceu reparos na própria Assembléia Constituinte. O Deputado Godofredo Vianna pretendeu que se reconhecesse, v.g., a inexistência jurídica da lei, após o segundo pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade do diploma.[2]

Mas que efeitos haveriam de se reconhecer ao ato do Senado que suspende a execução da lei inconstitucional?

Lúcio Bittencourt afirmava que “o objetivo do art. 45, n. IV – a referência diz respeito à Constituição de 1967 – é apenas tornar pública a decisão do tribunal, levando-a ao conhecimento de todos os cidadãos[3]. Outros reconhecem que o Senado Federal pratica ato político que “confere efeito geral ao que era particular (…), generaliza os efeitos da decisão[4].

O Supremo Tribunal Federal parece ter admitido, inicialmente, que o ato do Senado emprestava eficácia genérica à decisão definitiva. Assim, a suspensão tinha o condão de dar alcance normativo ao julgado do Supremo Tribunal Federal.[5]

Mas qual era a dimensão dessa eficácia ampla? Seria a de reconhecer efeito retroativo ao ato do Senado Federal?

Também aqui não se logravam sufrágios unânimes.

Themístocles Cavalcanti responde negativamente, sustentando que a “única solução que atende aos interesses de ordem pública é que a suspensão produzirá os seus efeitos desde a sua efetivação, não atingindo as situações jurídicas criadas sob a sua vigência[6]. Da mesma forma, Bandeira de Mello ensina que “a suspensão da lei corresponde à revogação da lei”, devendo “ser respeitadas as situações anteriores definitivamente constituídas, porquanto a revogação tem efeito ex nunc[7]. Enfatiza que a suspensão “não alcança os atos jurídicos formalmente perfeitos, praticados no passado, e os fatos consumados, ante sua irretroatividade, e mesmo os efeitos futuros dos direitos regularmente adquiridos”. “O Senado Federal – assevera Bandeira de Mello – apenas cassa a lei, que deixa de obrigar, e, assim, perde a sua executoriedade porque, dessa data em diante, a revoga simplesmente[8].

Não obstante a autoridade dos seus sectários, essa doutrina parecia confrontar com as premissas basilares da declaração de inconstitucionalidade no Direito brasileiro.

Afirmava-se quase incontestadamente, entre nós, que a pronúncia da inconstitucionalidade tinha efeito ex tunc, contendo a decisão judicial caráter eminentemente declaratório.[9] Se assim fora, afigurava-se inconcebível cogitar de “situações juridicamente criadas”, de “atos jurídicos formalmente perfeitos” ou de “efeitos futuros dos direitos regularmente adquiridos”, com fundamento em lei inconstitucional. De resto, é fácil de ver que a constitucionalidade da lei parece constituir pressuposto inarredável de categorias como as do direito adquirido e do ato jurídico perfeito.

É verdade que a expressão utilizada pelo constituinte de 1934 (art. 91, IV) e reiterada nos textos de 1946 (art. 64), de 1967/1969 (art. 42, VII) e de 1988 (art. 52, X) – suspender a execução de lei ou decreto – não é isenta de dúvida.[10] Originariamente, o substitutivo da Comissão Constitucional que produziu o modelo da Constituição de 1934 chegou a referir-se à “revogação ou suspensão da lei ou ato”[11]. Mas a própria ratio do dispositivo não autorizava a equiparação do ato do Senado a uma declaração de ineficácia de caráter prospectivo. A proposta de Godofredo Vianna reconhecia a inexistência jurídica da lei, desde que fosse declarada a sua inconstitucionalidade “em mais de um aresto” do Supremo Tribunal Federal. Nos debates realizados preponderou, porém, a idéia de se outorgar ao Senado, erigido, então, ao papel de coordenador dos poderes, a suspensão da lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Na discussão travada no Plenário da Constituinte, destacaram-se as objeções de Levi Carneiro, contrário à incorporação do instituto ao Texto Magno. Prevaleceu a tese perfilhada, dentre outras, por Prado Kelly, tal como resumida na seguinte passagem:

Na sistemática preferida pelo nobre Deputado, Sr. Levi Carneiro, o Supremo Tribunal decretaria a inconstitucionalidade de uma lei, e os efeitos dessa decisão se limitariam às partes em litígio. Todos os demais cidadãos, que estivessem na mesma situação da que foi tutelada num processo próprio, estariam ao desamparo da lei. Ocorreria, assim, que a Constituição teria sido defendida na hipótese que permitiu o exame do Judiciário, e esquecida, anulada, postergada em todos os outros casos (…)”.

Certas constituições modernas têm criado cortes jurisdicionais para defesa da Constituição. Nós continuamos a atribuir à Suprema Corte a palavra definitiva da defesa e guarda da Constituição da República. Entretanto permitimos a um órgão de supremacia política estender os efeitos dessa decisão, e estendê-los para o fim de suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando o Poder Judiciário os declara inconstitucionais.”[12]

Na Assembléia Constituinte de 1946, reencetou-se o debate, tendo-se destacado, uma vez mais, na defesa do instituto, a voz de Prado Kelly:

O Poder Judiciário só decide em espécie.É necessário, porém, estender os efeitos do julgado, e esta é atribuição do Senado.

Quanto ao primeiro ponto, quero lembrar que na Constituição de 34 existe idêntico dispositivo.

Participei da elaboração da Constituição de 34. De fato, tentou-se a criação de um quarto poder; entretanto já há muito o Senado exercia a função controladora, fiscalizadora do Poder Executivo.

O regime democrático é um regime de legalidade. No momento em que o Poder Executivo pratica uma ilegalidade, a pretexto de regulamentar uma lei votada pelo Congresso, exorbita nas suas funções. Há a esfera do Judiciário, e este não está impedido, desde que é violado o direito patrimonial do indivíduo, de apreciar o direito ferido.

Se, entretanto, se reserva ao órgão do Poder Legislativo, no caso o Senado, a atribuição fiscalizadora da lei, não estamos diante de uma função judicante, mas de fiscal do arbítrio do Poder Executivo. O dispositivo já constava da Constituição de 34 e não foi impugnado por nenhum autor ou comentador que seja do meu conhecimento. Ao contrário, foi um dos dispositivos mas festejados pela crítica, porque atendia, de fato, às solicitações do meio político brasileiro.”[13]

Ante as críticas tecidas por Gustavo Capanema, ressaltou Nereu Ramos que:

A lei ou regulamentos declarados inconstitucionais são juridicamente inexistentes entre os litigantes. Uma vez declarados, pelo Poder Judiciário, inconstitucionais ou ilegais, a decisão apenas produz efeito entre as partes. Para evitar que os outros interessados, amanhã, tenham de recorrer também ao Judiciário, para obter a mesma coisa, atribui-se ao Senado a faculdade de suspender o ato no todo ou em parte, quando o Judiciário haja declarado inconstitucional, porque desde que o Judiciário declara inconstitucional, o Presidente da República não pode declarar constitucional.”[14]

Parecia evidente aos constituintes que a suspensão da execução da lei, tal como adotada em 1934, importava na extensão dos efeitos do aresto declaratório da inconstitucionalidade, configurando, inclusive, instrumento de economia processual. Atribuía-se, pois, ao ato do Senado, caráter ampliativo e não apenas paralisante ou derrogatório do diploma viciado. E, não fosse assim, inócuo seria o instituto com referência à maioria das situações formadas na vigência da lei declarada inconstitucional.

Percebeu essa realidade o Senador Accioly Filho, que defendeu a seguinte orientação:

Posto em face de uma decisão do STF, que declara a inconstitucionalidade de lei ou decreto, ao Senado não cabe tão-só a tarefa de promulgador desse decisório.

A declaração é do Supremo, mas a suspensão é do Senado. Sem a declaração, o Senado não se movimenta, pois não lhe é dado suspender a execução de lei ou decreto não declarado inconstitucional. Essa suspensão é mais do que a revogação da lei ou decreto, tanto pelas suas conseqüências quanto por desnecessitar da concordância da outra Casa do Congresso e da sanção do Poder Executivo. Em suas conseqüências, a suspensão vai muito além da revogação. Esta opera ‘ex nunc’, alcança a lei ou ato revogado só a partir da vigência do ato revogador, não tem olhos para trás e, assim, não desconstitui as situações constituídas enquanto vigorou o ato derrogado. Já quando de suspensão se trate, o efeito é ‘ex tunc’, pois aquilo que é inconstitucional é natimorto, não teve vida (cf. Alfredo Buzaid e Francisco Campos), e, por isso, não produz efeitos, e aqueles que porventura ocorreram ficam desconstituídos desde as suas raízes, como se não tivessem existido.

Integra-se, assim, o Senado numa tarefa comum com o STF, equivalente àquela da alta Corte Constitucional da Áustria, do Tribunal Constitucional alemão e da Corte Constitucional italiana. Ambos, Supremo e Senado, realizam, na Federação brasileira, a atribuição que é dada a essas Cortes européias.

Ao Supremo cabe julgar da inconstitucionalidade das leis ou atos, emitindo a decisão declaratória quando consegue atingir o ‘quorum’ qualificado.

Todavia, aí não se exaure o episódio se aquilo que se deseja é dar efeitos ‘erga omnes’ à decisão.

A declaração de inconstitucionalidade, só por ela, não tem a virtude de produzir o desaparecimento da lei ou ato, não o apaga, eis que fica a produzir efeitos fora da relação processual em que se proferiu a decisão.

Do mesmo modo, a revogação da lei ou decreto não tem o alcance e a profundidade da suspensão. Consoante já se mostrou, e é tendência no direito brasileiro, só a suspensão por declaração de inconstitucionalidade opera efeito ‘ex tunc’, ao passo que a revogação tem eficácia só a partir da data de sua vigência.

Assim, é diferente a revogação de uma lei da suspensão de sua vigência por inconstitucionalidade.”[15]

Adiante, o insigne parlamentar concluía:

Revogada uma lei, ela continua sendo aplicada, no entanto, às situações constituídas antes da revogação (art. 153, § 3o, da Constituição). Os juízes e a administração aplicam-na aos atos que se realizaram sob o império de sua vigência, porque então ela era a norma jurídica eficaz. Ainda continua a viver a lei revogada para essa aplicação, continua a ter existência para ser utilizada nas relações jurídicas pretéritas (…)

A suspensão por declaração de inconstitucionalidade, ao contrário, vale por fulminar, desde o instante do nascimento, a lei ou decreto inconstitucional, importa manifestar que essa lei ou decreto não existiu, não produziu efeitos válidos.

A revogação, ao contrário disso, importa proclamar que, a partir dela, o revogado não tem mais eficácia.

A suspensão por declaração de inconstitucionalidade diz que a lei ou decreto suspenso nunca existiu, nem antes nem depois da suspensão.

Há, pois, distância a separar o conceito de revogação daquele da suspensão de execução de lei ou decreto declarado inconstitucional. O ato de revogação, pois, não supre o de suspensão, não o impede, porque não produz os mesmos efeitos.[16]

Essa colocação parecia explicitar a natureza singular da atribuição deferida ao Senado Federal sob as Constituições de 1946 e de 1967/69. A suspensão constituía ato político que retira a lei do ordenamento jurídico, de forma definitiva e com efeitos retroativos. É o que ressaltava, igualmente, o Supremo Tribunal Federal ao enfatizar que “a suspensão da vigência da lei por inconstitucionalidade torna sem efeito todos os atos praticados sob o império da lei inconstitucional.”[17]

Vale recordar, a propósito, que no MS 16.512[18], o Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de discutir largamente a natureza do instituto, infirmando a possibilidade de o Senado Federal revogar o ato de suspensão anteriormente editado, ou de restringir o alcance da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Cuidava-se de Mandado de Segurança impetrado por “Engenharia Souza e Barker Ltda. e outros” contra a Resolução n. 93, de 14 de outubro de 1965, que revogou a Resolução anterior (n. 32, de 25.3.1965), pela qual o Senado suspendera a execução de preceito do Código Paulista de Impostos e Taxas.

O Supremo Tribunal Federal pronunciou a inconstitucionalidade da resolução revogadora, contra os votos dos Ministros Aliomar Baleeiro e Hermes Lima, conhecendo do mandado de segurança como representação de inconstitucionalidade, tal como proposto pelo Procurador-Geral da República, Dr. Alcino Salazar.[19]

Ademais, reconheceu que o Senado não estava obrigado a proceder à suspensão do ato declarado inconstitucional. Nessa linha de entendimento, ensinava o Ministro Victor Nunes:

“(…) o Senado terá seu próprio critério de conveniência e oportunidade para praticar o ato de suspensão. Se uma questão foi aqui decidida por maioria escassa e novos Ministros são nomeados, como há pouco aconteceu, é de todo razoável que o Senado aguarde novo pronunciamento antes de suspender a lei. Mesmo porque não há sanção específica nem prazo certo para o Senado se manifestar.”[20]

Todavia, ao suspender o ato que teve a inconstitucionalidade pronunciada pelo Supremo Tribunal Federal, não poderia aquela Alta Casa do Congresso revogar o ato anterior[21]. Da mesma forma, o ato do Senado haveria de se ater à “extensão do julgado do Supremo Tribunal[22], não tendo “competência para examinar o mérito da decisão (…), para interpretá-la, para ampliá-la ou restringi-la.[23]

Vê-se, pois, que, tal como assentado no preclaro acórdão do Supremo Tribunal Federal, o ato do Senado tem o condão de outorgar eficácia ampla à decisão judicial, vinculativa, inicialmente, apenas para os litigantes.

Ressalte-se que a inércia do Senado não afeta a relação entre os Poderes, não se podendo vislumbrar qualquer violação constitucional na eventual recusa à pretendida extensão de efeitos. Evidentemente, se pretendesse outorgar efeito genérico à decisão do Supremo Tribunal, não precisaria o constituinte valer-se dessa fórmula complexa.

As conclusões assentadas acima parecem consentâneas com a natureza do instituto. O Senado Federal não revoga o ato declarado inconstitucional, até porque lhe falece competência para tanto[24]. Cuida-se de ato político que empresta eficácia erga omnes à decisão do Supremo Tribunal proferida em caso concreto. Não se obriga o Senado Federal a expedir o ato de suspensão, não configurando eventual omissão ou qualquer infringência a princípio de ordem constitucional. Não pode a Alta Casa do Congresso, todavia, restringir ou ampliar a extensão do julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal.

Apenas por amor à completude, observe-se que o Projeto que resultou na Emenda n. 16/65 o de 1946, dade . aapretendeu conferir nova disciplina ao instituto da suspensão pelo Senado. Dizia-se na Exposição de Motivos:

Ao direito italiano pedimos, todavia, uma formulação mais singela e mais eficiente do que a do art. 64 da nossa Constituição, para tornar explícito, a partir da declaração de ilegitimidade, o efeito ‘erga omnes’ de decisões definitivas do Supremo Tribunal, poupando ao Senado o dever correlato de suspensão da lei ou do decreto — expediente consentâneo com as teorias de direito público em 1934, quando ingressou em nossa legislação, mas presentemente suplantada pela formulação contida no art. 136 do estatuto de 1948: ‘Quando la Corte dichiara l’illegittimità costituzionale di una norma di legge o di atto avente forza di legge, la norma cessa di avere efficacia dal giorno sucessivo alla publicazione della decisione’[25].

O art. 64 da Constituição passava a ter a seguinte redação:

Art. 64. Incumbe ao Presidente do Senado Federal, perdida a eficácia de lei ou ato de natureza normativa (art. 101, § 3o), fazer publicar no Diário Oficial e na Coleção das leis a conclusão do julgado que lhe for comunicado".

A proposta de alteração do disposto no art. 64 da Constituição, com a atribuição de eficácia erga omnes à declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal, foi, porém, rejeitada.[26]

A ausência de disciplina sobre a matéria contribuiu para que o Supremo Tribunal se ocupasse do tema, especialmente no que dizia respeito aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade em sede de controle abstrato (representação de inconstitucionalidade). Nessa hipótese, o Tribunal deveria ou não comunicar a declaração de inconstitucionalidade ao Senado, para os fins do art. 64 da Constituição de 1946 (modificado pela Emenda n. 16/65)?

Em 1970, o Tribunal começou a debater o tema[27], tendo firmado posição, em 1977, quanto à dispensabilidade de intervenção do Senado Federal nos casos de declaração de inconstitucionalidade de lei proferida na representação de inconstitucionalidade (controle abstrato)[28]. Passou-se, assim, a atribuir eficácia geral à decisão de inconstitucionalidade proferida em sede de controle abstrato, procedendo-se à redução teleológica do disposto no art. 42, VII, da Constituição de 1967/69.[29]

– A suspensão pelo Senado Federal da execução de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal sob a Constituição de 1988

A amplitude conferida ao controle abstrato de normas e a possibilidade de que se suspenda, liminarmente, a eficácia de leis ou atos normativos, com eficácia geral, contribuíram, certamente, para que se quebrantasse a crença na própria justificativa desse instituto, que se inspirava diretamente numa concepção de separação de Poderes hoje inevitavelmente ultrapassada. Se o Supremo Tribunal pode, em ação direta de inconstitucionalidade, suspender, liminarmente, a eficácia de uma lei, até mesmo de uma Emenda Constitucional, por que haveria a declaração de inconstitucionalidade, proferida no controle incidental, valer tão-somente para as partes?

A única resposta plausível nos leva a crer que o instituto da suspensão pelo Senado assenta-se hoje em razão de índole exclusivamente histórica.

Deve-se observar, outrossim, que o instituto da suspensão da execução da lei pelo Senado mostra-se inadequado para assegurar eficácia geral ou efeito vinculante às decisões do Supremo Tribunal que não declaram a inconstitucionalidade de uma lei, limitando-se a fixar a orientação constitucionalmente adequada ou correta.

Isto se verifica quando o Supremo Tribunal afirma que dada disposição há de ser interpretada desta ou daquela forma, superando, assim, entendimento adotado pelos tribunais ordinários ou pela própria Administração. A decisão do Supremo Tribunal não tem efeito vinculante, valendo nos estritos limites da relação processual subjetiva. Como não se cuida de declaração de inconstitucionalidade de lei, não há que se cogitar aqui de qualquer intervenção do Senado, restando o tema aberto para inúmeras controvérsias.

Situação semelhante ocorre quando o Supremo Tribunal Federal adota uma interpretação conforme à Constituição, restringindo o significado de certa expressão literal ou colmatando uma lacuna contida no regramento ordinário. Aqui o Supremo Tribunal não afirma propriamente a ilegitimidade da lei, limitando-se a ressaltar que uma dada interpretação é compatível com a Constituição, ou, ainda, que, para ser considerada constitucional, determinada norma necessita de um complemento (lacuna aberta) ou restrição (lacuna oculta redução teleológica). Todos esses casos de decisão com base em uma interpretação conforme à Constituição não podem ter a sua eficácia ampliada com o recurso ao instituto da suspensão de execução da lei pelo Senado Federal.

Mencionem-se, ainda, os casos de declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, nos quais se explicita que um significado normativo é inconstitucional sem que a expressão literal sofra qualquer alteração.

Também nessas hipóteses, a suspensão de execução da lei ou do ato normativo pelo Senado revela-se problemática, porque não se cuida de afastar a incidência de disposições do ato impugnado, mas tão-somente de um de seus significados normativos.

Não é preciso dizer que a suspensão de execução pelo Senado não tem qualquer aplicação naqueles casos nos quais o Tribunal limita-se a rejeitar a argüição de inconstitucionalidade. Nessas hipóteses, a decisão vale per se. Da mesma forma, o vetusto instituto não tem qualquer serventia para reforçar ou ampliar os efeitos da decisão do Tribunal naquelas matérias nas quais a Corte, ao prover ou não um dado recurso, fixa uma interpretação da Constituição.

Da mesma forma, a suspensão da execução da lei inconstitucional não se aplica à declaração de não-recepção da lei pré-constitucional levada a efeito pelo Supremo Tribunal. Portanto, das decisões possíveis em sede de controle, a suspensão de execução pelo Senado está restrita aos casos de declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo.

É certo, outrossim, que a admissão da pronúncia de inconstitucionalidade com efeito limitado no controle incidental ou difuso (declaração de inconstitucionalidade com efeito ex nunc), cuja necessidade já vem sendo reconhecida no âmbito do STF, parece debilitar, fortemente, a intervenção do Senado Federal – pelo menos aquela de conotação substantiva[30]. É que a “decisão de calibragem” tomada pelo Tribunal parece avançar também sobre a atividade inicial da Alta Casa do Congresso. Pelo menos, não resta dúvida de que o Tribunal assume aqui uma posição que parte da doutrina atribuía, anteriormente, ao Senado Federal.

Todas essas razões demonstram o novo significado do instituto de suspensão de execução pelo Senado no contexto normativo da Constituição de 1988.

– A repercussão da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal sobre as decisões de outros tribunais

Questão interessante agitada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal diz respeito à necessidade de se utilizar o procedimento previsto no art. 97 da Constituição na hipótese de existir pronunciamento da Suprema Corte que afirme a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo.

Em acórdão proferido no RE 190.728, teve a 1a Turma do Supremo Tribunal Federal a oportunidade de, por maioria de votos, vencido o Ministro Celso de Mello, afirmar a dispensabilidade de se encaminhar o tema constitucional ao Plenário do Tribunal, desde que o Supremo Tribunal já se tenha pronunciado sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei questionada.[31]

É o que se pode depreender do voto proferido pelo Ministro Ilmar Galvão, designado Relator para o acórdão, verbis:

Esta nova e salutar rotina que aos poucos vai tomando corpo – de par com aquela anteriormente assinalada, fundamentada na esteira da orientação consagrada no art. 101 do RI/STF, onde está prescrito que ‘a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, pronunciada por maioria qualificada, aplica-se aos novos feitos submetidos às Turmas ou ao Plenário’, além de, por igual, não merecer a censura de ser afrontosa ao princípio insculpido no art. 97 da CF, está em perfeita consonância não apenas com o princípio da economia processual, mas também com o da segurança jurídica, merecendo, por isso, todo encômio, como procedimento que vem ao encontro da tão desejada racionalização orgânica da instituição judiciária brasileira.

Tudo, portanto, está a indicar que se está diante de norma que não deve ser aplicada com rigor literal, mas, ao revés, tendo-se em mira a finalidade objetivada, o que permite a elasticidade do seu ajustamento às variações da realidade circunstancial”[32].

Na ocasião, acentuou-se que referido entendimento fora igualmente adotado pela 2ª Turma, como consta da ementa do acórdão proferido no AI-AgR 168.149, da relatoria do eminente Ministro Marco Aurélio:

“Versando a controvérsia sobre o ato normativo já declarado inconstitucional pelo guardião maior da Carta Política da República – o Supremo Tribunal Federal -, descabe o deslocamento previsto no artigo 97 do referido Diploma maior. O julgamento de plano pelo órgão fracionado homenageia não só a racionalidade, como também implica interpretação teleológica do artigo 97 em comento, evitando a burocratização dos atos judiciais no que nefasta ao princípio da economia e da celeridade. A razão de ser do preceito está na necessidade de evitar-se que órgãos fracionados apreciem, pela vez primeira, a pecha de inconstitucionalidade argüida em relação a um certo ato normativo.”[33].

Orientação semelhante foi reiterada, em decisão de 15.9.1995, na qual se explicitou que “o acórdão recorrido deu aplicação ao decidido pelo STF nos RREE 150.755/PE e 150.764/PE”, não havendo necessidade, por isso, de a questão ser submetida ao Plenário do Tribunal.[34]

Em acórdão de 22 agosto de 1997, houve por bem o Tribunal ressaltar, uma vez mais, que a reserva de plenário da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo funda-se na presunção de constitucionalidade que os protege, somada a razões de segurança jurídica. Assim sendo, “a decisão plenária do Supremo Tribunal declaratória de inconstitucionalidade de norma, posto que incidente, sendo pressuposto necessário e suficiente a que o Senado lhe confira efeitos ‘erga omnes’, elide a presunção de sua constitucionalidade; a partir daí, podem os órgãos parciais dos outros tribunais acolhê-la para fundar a decisão de casos concretos ulteriores, prescindindo de submeter a questão de constitucionalidade ao seu próprio plenário.[35]

Esse entendimento marca uma evolução no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, que passa a equiparar, praticamente, os efeitos das decisões proferidas nos processos de controle abstrato e concreto. A decisão do Supremo Tribunal Federal, tal como colocada, antecipa o efeito vinculante de seus julgados em matéria de controle de constitucionalidade incidental, permitindo que o órgão fracionário se desvincule do dever de observância da decisão do Pleno ou do Órgão Especial do Tribunal a que se encontra vinculado. Decide-se autonomamente com fundamento na declaração de inconstitucionalidade (ou de constitucionalidade) do Supremo Tribunal Federal proferida incidenter tantum.

– A suspensão de execução da lei pelo Senado e mutação constitucional

Todas essas reflexões e práticas parecem recomendar uma releitura do papel do Senado no processo de controle de constitucionalidade.

Quando o instituto foi concebido no Brasil, em 1934, dominava uma determinada concepção da divisão de poderes, há muito superada. Em verdade, quando da promulgação do texto de 1934, outros países já atribuíam eficácia geral às decisões proferidas em sede de controle abstrato de normas, tais como o previsto na Constituição de Weimar de 1919 e no modelo austríaco de 1920.

A exigência de que a eficácia geral da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal fique a depender de uma decisão do Senado Federal, introduzida entre nós com a Constituição de 1934 e preservada na Constituição de 1988, perdeu grande parte do seu significado com a introdução do controle abstrato de normas.

Se a intensa discussão sobre o monopólio da ação por parte do Procurador-Geral da República não levou a uma mudança na jurisprudência consolidada sobre o assunto, é fácil constatar que ela foi decisiva para a alteração introduzida pelo constituinte de 1988, com a significativa ampliação do direito de propositura da ação direta.

O constituinte assegurou o direito do Procurador-Geral da República de propor a ação de inconstitucionalidade. Esse é, todavia, apenas um dentre os diversos órgãos ou entes legitimados a propor a ação direta de inconstitucionalidade.

Nos termos do art. 103 da Constituição de 1988, dispõem de legitimidade para propor a ação de inconstitucionalidade: o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de uma Assembléia Legislativa, o Governador do Estado, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, os partidos políticos com representação no Congresso Nacional e as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.

Com isso satisfez o constituinte apenas parcialmente a exigência daqueles que solicitavam fosse assegurado o direito de propositura da ação a um grupo de, v.g., dez mil cidadãos ou que defendiam até mesmo a introdução de uma ação popular de inconstitucionalidade.

Tal fato fortalece a impressão de que, com a introdução desse sistema de controle abstrato de normas, com ampla legitimação e, particularmente, a outorga do direito de propositura a diferentes órgãos da sociedade, pretendeu o constituinte reforçar o controle abstrato de normas no ordenamento jurídico brasileiro como peculiar instrumento de correção do sistema geral incidente.

Não é menos certo, por outro lado, que a ampla legitimação conferida ao controle abstrato, com a inevitável possibilidade de se submeter qualquer questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal, operou uma mudança substancial — ainda que não desejada — no modelo de controle de constitucionalidade até então vigente no Brasil.

O monopólio de ação outorgado ao Procurador-Geral da República no sistema de 1967/69 não provocou uma alteração profunda no modelo incidente ou difuso. Esse continuou predominante, integrando-se a representação de inconstitucionalidade a ele como um elemento ancilar, que contribuía muito pouco para diferençá-lo dos demais sistemas “difusos” ou “incidentes” de controle de consti­tu­cionalidade.

A Constituição de 1988 reduziu o significado do controle de constitucionalidade incidental ou difuso ao ampliar, de forma mar­can­te, a legitimação para propositura da ação direta de inconsti­tu­cio­na­lidade (CF, art. 103), permitindo que, praticamente, todas as contro­vér­sias constitucionais relevantes sejam submetidas ao Supremo Tribunal Federal mediante processo de controle abstrato de normas.

Convém assinalar que, tal como já observado por Anschütz[36] ainda no regime de Weimar, toda vez que se outorga a um Tribunal especial atribuição para decidir questões constitucionais, limita-se, explícita ou implicitamente, a competência da jurisdição ordinária para apreciar tais controvérsias.

Portanto, parece quase intuitivo que, ao ampliar, de forma significativa, o círculo de entes e órgãos legitimados a provocar o Supremo Tribunal Federal, no processo de controle abstrato de normas, acabou o constituinte por restringir, de maneira radical, a amplitude do controle difuso de constitucionalidade.

Assim, se se cogitava, no período anterior a 1988, de um modelo misto de controle de constitucionalidade, é certo que o forte acento residia, ainda, no amplo e dominante sistema difuso de controle. O controle direto continuava a ser algo acidental e episódico dentro do sistema difuso.

A Constituição de 1988 alterou, de maneira radical, essa situação, conferindo ênfase não mais ao sistema difuso ou incidental, mas ao modelo concentrado, uma vez que as questões constitucionais passaram a ser veiculadas, fundamentalmente, mediante ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.

Ressalte-se que essa alteração não se operou de forma ainda profunda porque o Supremo Tribunal manteve a orientação anterior, que considerava inadmissível o ajuizamento de ação direta contra direito pré-constitucional em face da nova Constituição.

A ampla legitimação, a presteza e a celeridade desse modelo processual, dotado inclusive da possibilidade de se suspender imediatamente a eficácia do ato normativo questionado, mediante pedido de cautelar, fazem com que as grandes questões constitucionais sejam solvidas, na sua maioria, mediante a utilização da ação direta, típico instrumento do controle concentrado. Assim, se continuamos a ter um modelo misto de controle de constitucionalidade, a ênfase passou a residir não mais no sistema difuso, mas no de perfil concentrado.

Essa peculiaridade foi destacada por Sepúlveda Pertence no voto que proferiu na ADC 1, verbis:

“(…) Esta ação é um momento inevitável na prática da consolidação desse audacioso ensaio do constitucionalismo brasileiro — não, apenas como nota Cappelletti, de aproximar o controle difuso e o controle concentrado, como se observa em todo o mundo — mas, sim, de convivência dos dois sistemas na integralidade das suas características.

Esta convivência não se faz sem uma permanente tensão dialética na qual, a meu ver, a experiência tem demonstrado que será inevitável o reforço do sistema concentrado, sobretudo nos processos de massa; na multiplicidade de processos que inevitavelmente, a cada ano, na dinâmica da legislação, sobretudo da legislação tributária e matérias próximas, levará, se não se criam mecanismos eficazes de decisão relativamente rápida e uniforme, ao estrangulamento da máquina judiciária, acima de qualquer possibilidade de sua ampliação e, progressivamente, ao maior descrédito da Justiça, pela sua total incapacidade de responder à demanda de centenas de milhares de processos rigorosamente idênticos, porque reduzidos a uma só questão de direito.

Por outro lado, (…), o ensaio difícil de convivência integral dos dois métodos de controle de constitucionalidade do Brasil só se torna possível na medida em que se acumularam, no Supremo Tribunal Federal, os dois papéis, o de órgão exclusivo do sistema concentrado e o de órgão de cúpula do sistema difuso.

De tal modo, o peso do Supremo Tribunal, em relação aos outros órgãos de jurisdição, que a ação declaratória de constitucionalidade traz, é relativo porque, já no sistema de convivência dos dois métodos, a palavra final é sempre reservada ao Supremo Tribunal Federal, se bem que, declarada a inconstitucionalidade no sistema difuso, ainda convivamos com o anacronismo em que se transformou, especialmente após a criação da ação direta, a necessidade da deliberação do Senado para dar eficácia ‘erga omnes’ à declaração incidente” .[37]

Assinale-se, outrossim, que a interpretação que se deu à suspensão de execução da lei pela doutrina majoritária e pela própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal contribuiu decisivamente para que a afirmação sobre a teoria da nulidade da lei inconstitucional restasse sem concretização entre nós.

Nesse sentido, constatou Lúcio Bittencourt que os constitucionalistas brasileiros não lograram fundamentar nem a eficácia erga omnes, nem a chamada re­troatividade ex tunc da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

É o que se lê na seguinte passagem de seu magno trabalho:

“(…) as dificuldades e problemas surgem, precisamente, no que tange à eficácia indireta ou colateral da sentença declaratória da inconstitucionalidade, pois, embora procurem os autores estendê-la a situações jurídicas idênticas, considerando indiretamente anulada a lei, porque a ‘sua aplicação não obteria nunca mais o concurso da justiça’, não têm, todavia, conseguido apresentar fundamento técnico, razoavelmente aceitável, para justificar essa extensão.

Não o apontam os tratadistas americanos — infensos à sistematização, que caracteriza os países onde se adota a codificação do direito positivo — limitando-se a enunciar o princípio, em termos categóricos: a lei declarada inconstitucional deve ser considerada, para todos os efeitos, como se jamais, em qualquer tempo, houvesse possuído eficácia jurídica — ‘is to be regarded as having never, at any time, been possessed of any legal force.’

Os nossos tratadistas também não indicam a razão jurídica determinante desse efeito amplo. Repetem a doutrina dos escritores americanos e as afirmações dos tribunais, sem buscar-lhes o motivo, a causa ou o fundamento. Nem o grande Rui, com o seu gênio estelar, nem os que subseqüentemente, na sua trilha luminosa, versaram o assunto com a proficiência de um Castro Nunes.

É que em face dos princípios que orientam a doutrina de coisa julgada e que são comumente aceitos entre nós, é difícil, senão impossível, justificar aqueles efeitos, que aliás, se verificam em outras sentenças como, por exemplo, as que decidem matéria de estado civil, as quais, segundo entendimento geral prevalecem ‘erga omnes’.” [38].

Em verdade, ainda que não pertencente ao universo específico da judicial review, o instituto do stare decisis desonerava os constitucionalistas americanos, pelo menos em parte, de um dever mais aprofundado de fundamentação na espécie. Como esse mecanismo assegura efeito vinculante às decisões das Cortes Superiores, em caso de declaração de inconstitucionalidade pela Suprema Corte, tinha-se a segurança de que, em princípio, nenhum tribunal haveria de conferir eficácia à norma objeto de censura. Assim, a ausência de mecanismo processual assemelhado à “força de lei” (Gesetzeskraft) do direito alemão não impediu que os autores americanos sustentassem a nulidade da lei inconstitucional.[39]

Sem dispor de um mecanismo que emprestasse força de lei ou que, pelo menos, conferisse caráter vinculante às decisões do Supremo Tribunal Federal para os demais Tribunais tal como o stare decisis americano[40], contentava-se a doutrina brasileira em ressaltar a evidência da nulidade da lei inconstitucional[41] e a obrigação dos órgãos estatais de se absterem de aplicar disposição que teve a sua inconstitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal Federal[42]. A suspensão da execução pelo Senado não se mostrou apta a superar essa incongruência, especialmente porque se emprestou a ela um sentido substantivo que talvez não devesse ter. Segundo entendimento amplamente aceito[43], esse ato do Senado Federal conferia eficácia erga omnes à declaração de inconstitucionalidade proferida no caso concreto.[44]

Ainda que se aceite, em princípio, que a suspensão da execução da lei pelo Senado retira a lei do ordenamento jurídico com eficácia ex tunc, esse instituto, tal como foi interpretado e praticado, entre nós, configura antes a negação do que a afirmação da teoria da nulidade da lei inconstitucional. A não-aplicação geral da lei depende exclusivamente da vontade de um órgão eminentemente político e não dos órgãos judiciais incumbidos da aplicação cotidiana do direito. Tal fato reforça a idéia de que, embora tecêssemos loas à teoria da nulidade da lei inconstitucional, consolidávamos institutos que iam de encontro à sua implementação.

Assinale-se que se a doutrina e a jurisprudência entendiam que lei inconstitucional era ipso jure nula, deveriam ter defendido, de forma coerente, que o ato de suspensão a ser praticado pelo Senado destinava-se exclusivamente a conferir publicidade à decisão do STF.

Essa foi a posição sustentada, isoladamente, por Lúcio Bittencourt:

“Se o Senado não agir, nem por isso ficará afetada a eficácia da decisão, a qual continuará a produzir todos os seus efeitos regulares que, de fato, independem de qualquer dos poderes. O objetivo do art. 45, IV da Constituição – a referência é ao texto de 1967 – é apenas tornar pública a decisão do tribunal, levando-a ao conhecimento de todos os cidadãos. Dizer que o Senado ‘suspende a execução’ da lei inconstitucional é, positivamente, impropriedade técnica, uma vez que o ato, sendo ‘inexistente’ ou ‘ineficaz’, não pode ter suspensa a sua execução”.[45]

Tal concepção afigurava-se absolutamente coerente com o fundamento da nulidade da lei inconstitucional. Uma orientação dogmática minimamente consistente haveria de encaminhar-se nesse sentido, até porque a atribuição de funções substantivas ao Senado Federal era a própria negação da idéia de nulidade da lei devidamente declarada pelo órgão máximo do Poder Judiciário.

Não foi o que se viu inicialmente. Como apontado, a jurisprudência e a doutrina acabaram por conferir significado substancial à decisão do Senado, entendendo que somente o ato de suspensão do Senado mostrava-se apto a conferir efeitos gerais à declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal, cuja eficácia estaria limitada às partes envolvidas no processo.

De qualquer sorte, a ampliação do controle abstrato de normas, inicialmente realizada nos termos do art. 103 e, posteriormente, com o advento da ADC, alterou significativamente a relação entre o modelo difuso e o modelo concentrado. Assim, passou a dominar a eficácia geral das decisões proferidas em sede de controle abstrato (ADI e ADC).

A disciplina processual conferida à Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, que constitui instrumento subsidiário para solver questões não contempladas pelo modelo concentrado – ADI e ADC –, revela, igualmente, a inconsistência do atual modelo. A decisão do caso concreto proferida em ADPF, por se tratar de processo objetivo, será dotada de eficácia erga omnes; a mesma questão resolvida no processo de controle incidental terá eficácia inter partes.

No que se refere aos recursos especial e extraordinário, a Lei n. 8.038, de 1990, havia concedido ao relator a faculdade de negar seguimento a recurso manifestamente intempestivo, incabível, improcedente ou prejudicado, ou ainda, que contrariasse Súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça. O Código de Processo Civil, por sua vez, em caráter ampliativo, incorporou disposição que autoriza o relator a dar provimento ao recurso se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com a jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior (art. 557, § 1o-A, acrescentado pela Lei n. 9.756, de 1998).

Com o advento dessa nova fórmula, passou-se a admitir não só a negativa de seguimento de recurso extraordinário, nas hipóteses referidas, mas também o provimento do aludido recurso nos casos de manifesto confronto com a jurisprudência do Supremo Tribunal, mediante decisão unipessoal do relator.

Também aqui parece evidente que o legislador entendeu possível estender de forma geral os efeitos da decisão adotada pelo Tribunal, tanto nas hipóteses de declaração de inconstitucionalidade incidental de determinada lei federal, estadual ou municipal – hipótese que estaria submetida à intervenção do Senado -, quanto nos casos de fixação de uma dada interpretação constitucional pelo Tribunal.

Ainda que a questão pudesse comportar outras leituras, é certo que o legislador ordinário, com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, considerou legítima a atribuição de efeitos ampliados à decisão proferida pelo Tribunal, até mesmo em sede de controle de constitucionalidade incidental.

Observe-se, ainda, que, nas hipóteses de declaração de inconstitucionalidade de leis municipais, o Supremo Tribunal Federal tem adotado uma postura significativamente ousada, conferindo efeito vinculante não só à parte dispositiva da decisão de inconstitucionalidade, mas também aos próprios fundamentos determinantes. É que são numericamente expressivos os casos em que o Supremo Tribunal tem estendido, com base no art. 557, caput e § 1o-A, do Código de Processo Civil, a decisão do plenário que declara a inconstitucionalidade de norma municipal a outras situações idênticas, oriundas de municípios diversos. Em suma, tem-se considerado dispensável, no caso de modelos legais idênticos, a submissão da questão ao Plenário.

Nesse sentido, Maurício Corrêa, ao julgar o RE 228.844/SP[46], no qual se discutia a ilegitimidade do IPTU progressivo cobrado pelo Município de São José do Rio Preto, no Estado de São Paulo, valeu-se de fundamento fixado pelo Plenário deste Tribunal, em precedente oriundo do Estado de Minas Gerais, no sentido da inconstitucionalidade de lei do Município de Belo Horizonte, que instituiu alíquota progressiva do IPTU.

Também Nelson Jobim, no exame da mesma matéria (progressividade do IPTU), em recurso extraordinário interposto contra lei do Município de São Bernardo do Campo, aplicou tese fixada em julgamentos que apreciaram a inconstitucionalidade de lei do Município de São Paulo.[47]

Ellen Gracie utilizou-se de precedente oriundo do Município de Niterói, Estado do Rio de Janeiro, para dar provimento a recurso extraordinário no qual se discutia a ilegitimidade de taxa de iluminação pública instituída pelo Município de Cabo Verde, no Estado de Minas Gerais.[48]

Carlos Velloso aplicou jurisprudência de recurso proveniente do Estado de São Paulo para fundamentar sua decisão no AI 423.252[49], onde se discutia a inconstitucionalidade de taxa de coleta e limpeza pública do Município do Rio de Janeiro, convertendo-o em recurso extraordinário (art. 544, §§ 3o e 4o, do CPC) e dando-lhe provimento.

Sepúlveda Pertence lançou mão de precedentes originários do Estado de São Paulo para dar provimento ao RE 345.048[50], no qual se argüia a inconstitucionalidade de taxa de limpeza pública do Município de Belo Horizonte.

Celso de Mello, ao apreciar matéria relativa à progressividade do IPTU do Município de Belo Horizonte, conheceu e deu provimento a recurso extraordinário tendo em conta diversos precedentes oriundos do Estado de São Paulo.[51]

Tal procedimento evidencia, ainda que de forma tímida, o efeito vinculante dos fundamentos determinantes da decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal no controle de constitucionalidade do direito municipal. Evidentemente, semelhante orientação somente pode vicejar caso se admita que a decisão tomada pelo Plenário seja dotada de eficácia transcendente, sendo, por isso, dispensável a manifestação do Senado Federal.

Um outro argumento, igualmente relevante, diz respeito ao controle de constitucionalidade nas ações coletivas. Aqui, somente por força de uma compreensão ampliada ou do uso de uma figura de linguagem, pode-se falar em decisão com eficácia inter partes.

Como sustentar que uma decisão proferida numa ação coletiva, numa ação civil pública ou em um mandado de segurança coletivo, que declare a inconstitucionalidade de uma lei determinada, terá eficácia apenas entre as partes?

Nesses casos, a suspensão de execução da lei pelo Senado, tal como vinha sendo entendida até aqui, revela-se, para dizer o mínimo, completamente inútil, caso se entenda que ela tem uma outra função que não a de atribuir publicidade à decisão declaratória de ilegitimidade.

Recorde-se, a propósito, que o Supremo Tribunal Federal, em decisão unânime de 7 de abril de 2003, julgou prejudicada a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.919 (Relatora Min. Ellen Gracie), proposta contra o Provimento n. 556/97, editado pelo Conselho Superior da Magistratura Paulista. A referida resolução previa a destruição física dos autos transitados em julgado e arquivados há mais de cinco anos em primeira instância. A decisão pela prejudicialidade decorreu do fato de o Superior Tribunal de Justiça, em mandado de segurança coletivo[52], impetrado pela Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), ter declarado a nulidade daquele ato.

Em outros termos, o Supremo Tribunal Federal acabou por reconhecer eficácia erga omnes à declaração de ilegitimidade do ato normativo proferida em mandado de segurança pelo STJ. Quid juris, então, se a declaração de inconstitucionalidade for proferida pelo próprio Supremo Tribunal Federal em sede de ação civil pública?

Se a decisão proferida nesses processos tem eficácia erga omnes (Lei n. 7.347, de 24.7.1985 – art. 16), afigura-se difícil justificar a necessidade de comunicação ao Senado Federal. A propósito, convém recordar que, em alguns casos, há uma quase confusão entre o objeto da ação civil pública e o pedido de declaração de inconstitucionalidade. Nessa hipótese, não há como cogitar de uma típica decisão com eficácia inter partes.[53]

Ressalte-se, ainda, que as decisões do STF, com efeitos limitados, no julgamento do RE 197.971 (caso vereadores[54]) e no próprio caso da progressão de regime (HC 82.959[55]), são casos notórios a demonstrar que a Corte, ao prolatar referidas decisões, já lhes estava atribuindo efeito erga omnes.

No caso do RE 197.917, trata-se de caso típico de decisão que, se dotada de efeito retroativo, provocaria enorme instabilidade jurídica, colocando em xeque as decisões tomadas pela Câmara de Vereadores nos períodos anteriores, com conseqüências não de todo divisáveis no que concerne às leis aprovadas, às decisões de aprovação de contas e outras deliberações da Casa Legislativa.

Eis o teor da ementa do referido julgado:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL. LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV. APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL.

1. O artigo 29, inciso IV, da Constituição Federal, exige que o número de Vereadores seja proporcional à população dos Municípios, observados os limites mínimos e máximos fixados pelas alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’.

2. Deixar a critério do legislador municipal o estabelecimento da composição das Câmaras Municipais, com observância apenas dos limites máximos e mínimos do preceito (CF, artigo 29), é tornar sem sentido a previsão constitucional expressa da proporcionalidade.

3. Situação real e contemporânea em que Municípios menos populosos têm mais Vereadores do que outros com um número de habitantes várias vezes maior. Casos em que a falta de um parâmetro matemático rígido que delimite a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao postulado da isonomia.

4. Princípio da razoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma municipal que estabelece a composição da Câmara de Vereadores sem observância da relação cogente de proporção com a respectiva população configura excesso do poder de legislar, não encontrando eco no sistema constitucional vigente.

5. Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso na Constituição Federal, sem que a proporcionalidade reclamada traduza qualquer afronta aos demais princípios constitucionais e nem resulte formas estranhas e distantes da realidade dos Municípios brasileiros. Atendimento aos postulados da moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos administrativos (CF, artigo 37).

6. Fronteiras da autonomia municipal impostas pela própria Carta da República, que admite a proporcionalidade da representação política em face do número de habitantes. Orientação que se confirma e se reitera segundo o modelo de composição da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas (CF, artigos 27 e 45, § 1o).

7. Inconstitucionalidade, ‘incidenter tantum’, da lei local que fixou em 11 (onze) o número de Vereadores, dado que sua população de pouco mais de 2600 habitantes somente comporta 9 representantes.

8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade.

Recurso extraordinário conhecido e em parte.

Eis a transcrição do acórdão de julgamento do HC 82.959, já mencionado acima, que confere efeitos limitativos à decisão:

“Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, em deferir o pedido de ‘habeas corpus’ e declarar, ‘incidenter tantum’, a inconstitucionalidade do § 1o do artigo 2o da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim, Presidente. O Tribunal, por votação unânime, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, pois esta decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão.”

Essas colocações têm a virtude de demonstrar que a declaração de inconstitucionalidade in concreto também se mostra passível de limitação de efeitos. A base constitucional dessa limitação – necessidade de um outro princípio que justifique a não-aplicação do princípio da nulidade – parece sugerir que, se aplicável, a declaração de inconstitucionalidade restrita revela-se abrangente do modelo de controle de constitucionalidade como um todo.

É que, nesses casos, o afastamento do princípio da nulidade da lei assenta-se em fundamentos constitucionais e não em razões de conveniência. Se o sistema constitucional legitima a declaração de inconstitucionalidade restrita no controle abstrato, essa decisão poderá afetar, igualmente, os processos do modelo concreto ou incidental de normas. Do contrário, poder-se-ia ter inclusive um esvaziamento ou uma perda de significado da própria declaração de inconstitucionalidade restrita ou limitada.

Conclusão

Conforme destacado, a ampliação do sistema concentrado, com a multiplicação de decisões dotadas de eficácia geral, acabou por modificar radicalmente a concepção que dominava entre nós sobre a divisão de poderes, tornando comum no sistema a decisão com eficácia geral, que era excepcional sob a Emenda Constitucional n 16/65 e sob a Carta de 1967/69.

No sistema constitucional de 1967/69, a ação direta era apenas uma idiossincrasia no contexto de um amplo e dominante modelo difuso. A adoção da ADI, posteriormente, conferiu perfil diverso ao nosso sistema de controle de constitucionalidade, que continuou a ser um modelo misto. A ênfase passou a residir, porém, não mais no modelo difuso, mas nas ações diretas. O advento da Lei 9.882/99 conferiu conformação à ADPF, admitindo a impugnação ou a discussão direta de decisões judiciais das instâncias ordinárias perante o Supremo Tribunal Federal. Tal como estabelecido na referida lei (art. 10, § 3°), a decisão proferida nesse processo há de ser dotada de eficácia erga omnes e de efeito vinculante. Ora, resta evidente que a ADPF estabeleceu uma ponte entre os dois modelos de controle, atribuindo eficácia geral a decisões de perfil incidental.

Vê-se, assim, que a Constituição de 1988 modificou de forma ampla o sistema de controle de constitucionalidade, sendo inevitáveis as reinterpretações ou releituras dos institutos vinculados ao controle incidental de inconstitucionalidade, especialmente da exigência da maioria absoluta para declaração de inconstitucionalidade e da suspensão de execução da lei pelo Senado Federal.

O Supremo Tribunal Federal percebeu que não poderia deixar de atribuir significado jurídico à declaração de inconstitucionalidade proferida em sede de controle incidental, ficando o órgão fracionário de outras Cortes exonerado do dever de submeter a declaração de inconstitucionalidade ao plenário ou ao órgão especial, na forma do art. 97 da Constituição. Não há dúvida de que o Tribunal, nessa hipótese, acabou por reconhecer efeito jurídico transcendente à sua decisão. Embora na fundamentação desse entendimento fale-se em quebra da presunção de constitucionalidade, é certo que, em verdade, a orientação do Supremo acabou por conferir à sua decisão algo assemelhado a um efeito vinculante, independentemente da intervenção do Senado. Esse entendimento está hoje consagrado na própria legislação processual civil (CPC, art. 481, parágrafo único, parte final, na redação da Lei n. 9756, de 17.12.1998).

Essa é a orientação que parece presidir o entendimento que julga dispensável a aplicação do art. 97 da Constituição por parte dos Tribunais ordinários, se o Supremo já tiver declarado a inconstitucionalidade da lei, ainda que no modelo incidental. Na oportunidade, ressaltou o Relator para o acórdão, Ilmar Galvão, no já mencionado RE 190.728, que o novo entendimento estava “em perfeita consonância não apenas com o princípio da economia processual, mas também com o da segurança jurídica, merecendo, por isso, todo encômio, como procedimento que vem ao encontro da tão desejada racionalização orgânica da instituição judiciária brasileira, ressaltando que se cuidava “de norma que não deve ser aplicada com rigor literal, mas, ao revés, tendo-se em mira a finalidade objetivada, o que permite a elasticidade do seu ajustamento às variações da realidade circunstancial”.[56]

E ela também demonstra que, por razões de ordem pragmática, a jurisprudência e a legislação têm consolidado fórmulas que retiram do instituto da “suspensão da execução da lei pelo Senado Federal” significado substancial ou de especial atribuição de efeitos gerais à decisão proferida no caso concreto.

Como se vê, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, acabam por ter eficácia que transcende o âmbito da decisão, o que indica que a própria Corte vem fazendo uma releitura do texto constante do art. 52, X, da Constituição de 1988, que, como já observado, reproduz disposição estabelecida, inicialmente, na Constituição de 1934 (art 91, IV) e repetida nos textos de 1946 (art. 64) e de 1967/69 (art. 42, VIII).

Portanto, é outro o contexto normativo que se coloca para a suspensão da execução pelo Senado Federal no âmbito da Constituição de 1988.

Ao se entender que a eficácia ampliada da decisão está ligada ao papel especial da jurisdição constitucional, e, especialmente, se considerarmos que o texto constitucional de 1988 alterou substancialmente o papel desta Corte, que passou a ter uma função preeminente na guarda da Constituição a partir do controle direto exercido na ADI, na ADC e na ADPF, não há como deixar de reconhecer a necessidade de uma nova compreensão do tema.

A aceitação das ações coletivas como instrumento de controle de constitucionalidade relativiza enormemente a diferença entre os processos de índole objetiva e os processos de caráter estritamente subjetivo. É que a decisão proferida na ação civil pública, no mandado de segurança coletivo e em outras ações de caráter coletivo não mais poderá ser considerada uma decisão inter partes.

De qualquer sorte, a natureza idêntica do controle de constitucionalidade, quanto às suas finalidades e aos procedimentos comuns dominantes para os modelos difuso e concentrado, não mais parece legitimar a distinção quanto aos efeitos das decisões proferidas no controle direto e no controle incidental.

Somente essa nova compreensão parece apta a explicar o fato de o Tribunal ter passado a reconhecer efeitos gerais à decisão proferida em sede de controle incidental, independentemente da intervenção do Senado. O mesmo há de se dizer das várias decisões legislativas que reconhecem efeito transcendente às decisões do STF tomadas em sede de controle difuso.

Esse conjunto de decisões judiciais e legislativas revela, em verdade, uma nova compreensão do texto constitucional no âmbito da Constituição de 1988.

É possível, sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, da nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988. Valendo-nos dos subsídios da doutrina constitucional a propósito da mutação constitucional, poder-se-ia cogitar aqui de uma autêntica reforma da Constituição sem expressa modificação do texto.[57]

Em verdade, a aplicação que o Supremo Tribunal Federal vem conferindo ao disposto no art. 52, X, da CF indica que o referido instituto mereceu uma significativa reinterpretação a partir da Constituição de 1988.

É possível que a configuração emprestada ao controle abstrato pela nova Constituição, com ênfase no modelo abstrato, tenha sido decisiva para a mudança verificada, uma vez que as decisões com eficácia erga omnes passaram a se generalizar.

A multiplicação de processos idênticos no sistema difuso – notória após 1988 – deve ter contribuído, igualmente, para que a Corte percebesse a necessidade de atualização do aludido instituto. Nesse contexto, assume relevo a decisão que afirmou a dispensabilidade de se submeter a questão constitucional ao Plenário de qualquer Tribunal se o Supremo Tribunal já se tiver manifestado pela inconstitucionalidade do diploma. Tal como observado, essa decisão acaba por conferir uma eficácia mais ampla – talvez até mesmo um certo efeito vinculante – à decisão do Plenário do Supremo Tribunal no controle incidental. Essa orientação está devidamente incorporada ao direito positivo (CPC, art. 481, parágrafo único, parte final, na redação da Lei n. 9756, de 1998). No mesmo contexto situa-se a decisão que outorgou ao relator a possibilidade de decidir, monocraticamente, os recursos extraordinários vinculados às questões já resolvidas pelo Plenário do Tribunal (CPC, art. 557, § 1o A).

De fato, é difícil admitir que a decisão proferida em ADI ou ADC e na ADPF possa ser dotada de eficácia geral e a decisão proferida no âmbito do controle incidental – esta muito mais morosa porque em geral tomada após tramitação da questão por todas as instâncias – continue a ter eficácia restrita entre as partes.

Explica-se, assim, o desenvolvimento da nova orientação a propósito da decisão do Senado Federal no processo de controle de constitucionalidade, no contexto normativo da Constituição de 1988.

A prática dos últimos anos, especialmente após o advento da Constituição de 1988, parece dar razão, pelo menos agora, a Lúcio Bittencourt, para quem a finalidade da decisão do Senado era, desde sempre, “apenas tornar pública a decisão do tribunal, levando-a ao conhecimento de todos os cidadãos”.[58]

Sem adentrar o debate sobre a correção desse entendimento no passado, não parece haver dúvida de que todas as construções que se vêm fazendo em torno do efeito transcendente das decisões pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Congresso Nacional, com o apoio, em muitos casos, da jurisprudência da Corte[59], estão a indicar a necessidade de revisão da orientação dominante antes do advento da Constituição de 1988.

Assim, parece legítimo entender que, hodiernamente, a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado Federal há de ter simples efeito de publicidade. Desta forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar à conclusão, de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal para que este publique a decisão no Diário do Congresso. Tal como assente, não é (mais) a decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa força normativa. Parece evidente ser essa a orientação implícita nas diversas decisões judiciais e legislativas acima referidas. Assim, o Senado não terá a faculdade de publicar ou não a decisão, uma vez que não se cuida de uma decisão substantiva, mas de simples dever de publicação, tal como reconhecido a outros órgãos políticos em alguns sistemas constitucionais (Constituição austríaca, art. 140,5 – publicação a cargo do Chanceler Federal, e Lei Orgânica da Corte Constitucional Alemã, art.31, (2), publicação a cargo do Ministro da Justiça). Tais decisões proferidas em processo de controle de normas são publicadas no Diário Oficial e têm força de lei (Gesetzeskraft) [Lei do Bundesverfassungsgericht, § 31, (2)]. Segundo Klaus Vogel, o § 31, II, da Lei Orgânica da Corte Constitucional alemã faz com que a força de lei alcance também as decisões confirmatórias de constitucionalidade. Essa ampliação somente se aplicaria, porém, ao dever de publicação, porque a lei não pode conferir efeito que a Constituição não prevê[60].

Portanto, a não-publicação, pelo Senado Federal, de Resolução que, nos termos do art. 52, X da Constituição, suspenderia a execução da lei declarada inscontitucional pelo STF, não terá o condão de impedir que a decisão do Supremo assuma a sua real eficácia jurídica.

Esta solução resolve de forma superior uma das tormentosas questões da nossa jurisdição constitucional. Superam-se, assim, também, as incongruências cada vez mais marcantes entre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a orientação dominante na legislação processual, de um lado, e, de outro, a visão doutrinária ortodoxa e – permita-nos dizer – ultrapassada do disposto no art. 52, X, da Constituição de 1988.

Ressalte-se ainda o fato de a adoção da súmula vinculante ter reforçado a idéia de superação do referido art. 52, X, da CF na medida em que permite aferir a inconstitucionalidade de determinada orientação pelo próprio Tribunal, sem qualquer interferência do Senado Federal.

Por último, observe-se que a adoção da técnica da declaração de inconstitucionalidade com limitação de efeitos[61] parece sinalizar que o Tribunal entende estar desvinculado de qualquer ato do Senado Federal, cabendo tão-somente a ele – Tribunal – definir os efeitos da decisão.

No caso em apreço, concedi medida liminar em habeas corpus de ofício, em decisão de 21.8.2006, para que, mantido o regime fechado de cumprimento de pena por crime hediondo, fosse afastada a vedação legal de progressão de regime, nos seguintes termos, na parte em que interessa:

A possibilidade de progressão de regime em crimes hediondos foi decidida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento HC 82.959-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, (acórdão pendente de publicação). Nessa assentada, ocorrida na sessão de 23.2.2006, esta Corte, por seis votos a cinco, reconheceu a inconstitucionalidade do § 1o do artigo 2o da Lei n. 8.072/1990 (“Lei dos Crimes Hediondos”), que proibia a progressão de regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos.

(…)

Segundo salientei na decisão que deferiu a medida liminar, o modelo adotado na Lei n. 8.072/1990 faz tábula rasa do direito à individualização no que concerne aos chamados crimes hediondos. Em outras palavras, o dispositivo declarado inconstitucional pelo Plenário no julgamento definitivo do HC 82.959/SP não permite que se levem em conta as particularidades de cada indivíduo, a capacidade de reintegração social do condenado e os esforços envidados com vistas à ressocialização.

Em síntese, o § 1o do art. 2o da Lei n. 8.072/1990 retira qualquer possibilidade de garantia do caráter substancial da individualização da pena. Parece inequívoco, ademais, que essa vedação à progressão não passa pelo juízo de proporcionalidade.

Entretanto, apenas para que se tenha a dimensão das reais repercussões que o julgamento do HC 82.959-SP conferiu ao tema da progressão, é válido transcrever as seguintes considerações do Min. Celso de Mello, proferidas em sede de medida liminar, no HC 88.231/SP, DJ de 20.3.2006, ‘verbis’:

"Como se sabe, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 82.959/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, declarou, ‘incidenter tantum’, a inconstitucionalidade do § 1o do art. 2o da Lei 8.072, de 25.7.1990, afastando, em conseqüência, para efeito de progressão de regime, o obstáculo representado pela norma legal em referência.

Impende assinalar, no entanto, que esta Suprema Corte, nesse mesmo julgamento plenário, explicitou que a declaração incidental em questão não se reveste de efeitos jurídicos, inclusive de natureza civil, quando se tratar de penas já extintas, advertindo, ainda, que a proclamação de inconstitucionalidade em causa – embora afastando a restrição fundada no § 1° do art. 2° da Lei n. 8.072/90 não afeta nem impede o exercício, pelo magistrado de primeira instância, da competência que lhe é inerente em sede de execução penal (LEP, art. 66, III, ‘b’), a significar, portanto, que caberá ao próprio Juízo da Execução avaliar, criteriosamente, caso a caso, o preenchimento dos demais requisitos necessários ao ingresso, ou não, do sentenciado em regime penal menos gravoso.

Na realidade, o Supremo Tribunal Federal, ao assim proceder, e tendo presente o que dispõe o art. 66, III, ‘b’, da LEP, nada mais fez senão respeitar a competência do magistrado de primeiro grau para examinar os requisitos autorizadores da progressão, eis que não assiste a esta Suprema Corte, mediante atuação ‘per saltum’ – o que representaria inadmissível substituição do Juízo da Execução -, o poder de antecipar provimento jurisdicional que consubstancie, desde logo, a outorga, ao sentenciado, do benefício legal em referência.

Tal observação põe em relevo orientação jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou em torno da inadequação do processo de ‘habeas corpus’, quando utilizado com o objetivo de provocar, na via sumaríssima do remédio constitucional, o exame dos critérios de índole subjetiva subjacentes à determinação do regime prisional inicial ou condicionadores da progressão para regime penal mais favorável (RTJ 119/668 RTJ 125/578 RTJ 158/866 RT 721/550, v.g.).

Não constitui demasia assinalar, neste ponto, não obstante o advento da Lei n. 10.792/2003 – que alterou o art. 112 da LEP, para dele excluir a referência ao exame criminológico -, que nada impede que os magistrados determinem a realização de mencionado exame, quando o entenderem necessário, consideradas as eventuais peculiaridades do caso, desde que o façam, contudo, mediante decisão adequadamente motivada, tal como tem sido expressamente reconhecido pelo E. Superior Tribunal de Justiça (HC 38.719/SP, Rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA – HC 39.364/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ HC 40.278/PR, Rel. Min. FELIX FISCHER HC 42.513/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ) e, também, dentre outros, pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (RT 832/676 RT 837/568):

‘(…). II – A nova redação do art. 112 da LEP, conferida pela Lei 10.792/03, deixou de exigir a realização dos exames periciais, anteriormente imprescindíveis, não importando, no entanto, em qualquer vedação à sua utilização, sempre que o juiz julgar necessária.

III Não qualquer ilegalidade nas decisões que requisitaria a produção dos laudos técnicos para a comprovação dos requisitos subjetivos necessários à concessão da progressão de regime prisional ao apenado.

(…).’

(HC 37.440/RS, Rel. Min. GILSON DIPP grifei)

A lei 10.792/2003 (que deu nova redação ao art. 112 da Lei de Execução Penal) não revogou o Código Penal; destarte, nos casos de pedido de benefício em que seja mister aferir mérito, poderá o juiz determinar a realização de exame criminológico no sentenciado, se autor de crime doloso cometido mediante violência ou grave ameaça, pela presunção de perículosidade (art. 83, parágrafo úníco, do CP).’

(RT 836/535, Rel. Des. CARLOS BIASOTTI grifei)

A razão desse entendimento apóia-se na circunstância de que, embora não mais indispensável, o exame criminológico cuja realização está sujeita à avaliação discricionária do magistrado competente reveste-se de utilidade inquestionável, pois propicia ‘ao juiz, com base em parecer técnico, uma decisão mais consciente a respeito do benefício a ser concedido ao condenado’ (RT 613/278).

As considerações ora referidas, tornadas indispensáveis em conseqüência do julgamento plenário do HC 82.959/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, evidenciam a impossibilidade de se garantir, notadamente em sede cautelar, o ingresso imediato do ora sentenciado em regime penal mais favorável.

Cabe registrar, neste ponto, que o entendimento que venho de expor encontra apoio em recentíssimo julgamento da colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, que, ao apreciar o RHC 86.951/RJ, Rel. Min. ELLEN GRACIE, deixou assentado que, em tema de progressão de regime nos crimes hediondos (ou nos delitos a estes equiparados), cabe ao magistrado de primeira instância proceder ao exame dos demais requisitos, inclusive aqueles de ordem subjetiva, para decidir, então, sobre a possibilidade, ou não, de o condenado vir a ser beneficiado com a progressão do regime de cumprimento de pena." (HC 88.231/SP, Rel. Min. Celso de Mello, decisão liminar, DJ de 20.3.2006)

Em conclusão, a decisão do Plenário buscou tão-somente conferir máxima efetividade ao princípio da individualização das penas (CF, art. 5o, LXVI) e ao dever constitucional-jurisdicional de fundamentação das decisões judiciais (CF, art. 93, IX).

Em sessão do dia 7.3.2006, a 1ª Turma, ao apreciar a Questão de Ordem no HC 86.224/DF, Rel. Min. Carlos Britto, admitiu a possibilidade de julgamento monocrático de todos os ‘habeas corpus’ que versem exclusivamente sobre o tema da progressão de regime em crimes hediondos.

Em idêntico sentido, a 2a Turma, ao apreciar a Questão de Ordem no HC 85.677/SP, de minha relatoria, em sessão do dia 21.3.2006, reconheceu também a possibilidade de julgamento monocrático de todos os ‘habeas corpus’ que se encontrem na mesma situação específica.

Tendo em vista que a situação em análise envolve direito de ir e vir, vislumbro, na espécie, o atendimento dos requisitos do art. 647 do CPP, que autorizam a concessão de ‘habeas corpus’ de ofício, “sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir (…).”

Nesses termos, concedo medida liminar, de ofício, para que, mantido o regime fechado de cumprimento de pena por crime hediondo, seja afastada a vedação legal de progressão de regime, até o julgamento final desta reclamação.

(…).”(fl.33-44).

Com efeito, verifica-se que a recusa do Juiz de Direito da Vara de Execuções da Comarca de Rio Branco, no Estado do Acre, em conceder o benefício da progressão de regime, nos casos de crimes hediondos, desrespeita a eficácia erga omnes que deve ser atribuída à decisão deste Supremo Tribunal Federal, no HC 82.959, que declarou a inconstitucionalidade do artigo 2o, § 1o, da Lei n. 8.072/1990.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a presente reclamação, para cassar decisões proferidas pelo Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco, no Estado do Acre, que negaram a possibilidade de progressão de regime relativamente a cada um dos interessados acima mencionados.

Nesta extensão da procedência da reclamação, caberá ao juízo reclamado proferir nova decisão para avaliar se, no caso concreto, os interessados (pacientes) atendem ou não os requisitos para gozar do referido benefício, podendo determinar, para esse fim, e desde que de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.


[1] Rcl-AgR 1.880, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 19.3.2004.

[2] ARAÚJO, Castro. A nova Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1935, p. 247; Cf. ainda ALENCAR, Ana Valderez Ayres Neves de. A competência do Senado Federal para suspender a execução dos atos declarados inconstitucionais. Revista de Informação Legislativa, 15(57): 234-7 jan.mar. 1978.

[3] BITTENCOURT, C. A. Lúcio. O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis. Série “Arquivos do Ministério da Justiça”. Brasília: Ministério da Justiça,1997, p. 145.

[4] BROSSARD, Paulo. O Senado e as leis inconstitucionais. Revista de Informação Legislativa, 13(50): 61; cf. MARINHO, Josaphat. O art. 64 da Constituição e o papel do Senado. Revista de Informação Legislativa, 1(2); BUZAID, Alfredo. Da ação direta de constitucionalidade no Direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1958, p. 89-90; CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Do controle de constitucionalidade. Rio de Janeiro: Forense, 1966, p. 162-6; MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. A Teoria das Constituições Rígidas. 2. ed. São Paulo: J. Bushasky Editor, 1980, p. 210; BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 2002, p. 84.

[5] MS 16.512, Rel. Min. Oswaldo Trigueiro, RTJ 38, n. 1, p. 20, 21, 23 e 28.

[6] CAVALCANTI. Do controle da constitucionalidade, cit. p. 164.

[7] MELLO. A Teoria das Constituições Rígidas, cit. p. 211.

[8] MELLO. A Teoria das Constituições Rígidas, cit. p. 211.

[9] BARBOSA, Ruy. Os atos inconstitucionais do Congresso e do Executivo perante a Justiça Federal. In: Trabalhos jurídicos. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1958, v. 20, t. 5, p. 49, e O direito do Amazonas ao Acre Septentrional. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 1910, v. 2, p. 51-2; NUNES, José de Castro. Teoria e prática do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1943, p. 588; BUZAID, Alfredo. Da ação direta no Direito brasileiro, cit. p. 128; CAMPOS, Francisco Luiz da Silva. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, v. 1, p. 460-1.

[10] A Constituição de 1937 não contemplou o instituto da suspensão da execução pelo Senado Federal.

[11] ALENCAR. A competência do Senado Federal para suspender a execução dos atos declarados inconstitucionais, cit. p. 247.

[12] ALENCAR. A competência do Senado Federal para suspender a execução dos atos declarados inconstitucionais, cit. p. 260.

[13] ALENCAR. A competência do Senado Federal para suspender a execução dos atos declarados inconstitucionais, cit. p. 267-8.

[14] ALENCAR. A competência do Senado Federal para suspender a execução dos atos declarados inconstitucionais, cit. p. 268.

[15] BRASIL. Congresso, Senado Federal. Parecer n. 154, de 1971, Rel. Senador Accioly Filho, Revista de Informação Legislativa, 12(48):266-8.

[16] BRASIL. Congresso, Senado Federal. Parecer n. 154, de 1971, cit. p. 268.

[17] RMS 17.976, Rel. Min. Amaral Santos, RDA, 105:111(113). Evidentemente, esta eficácia ampla há de ser entendida com temperamentos. A pronúncia de inconstitucionalidade não retira do mundo jurídico, automaticamente, os atos praticados com base na lei inconstitucional, criando apenas as condições para eventual desfazimento ou regulação dessas situações. Tanto a coisa julgada quanto outras fórmulas de preclusão podem tornar irreversíveis as decisões ou atos fundados na lei censurada. Assim, operada a decadência ou a prescrição, ou decorrido in albis o prazo para a propositura da ação rescisória, não há mais que se cogitar da revisão do ato viciado. Alguns sistemas jurídicos, como o alemão, reconhecem a subsistência dos atos e decisões praticados com base na lei declarada inconstitucional, desde que tais atos já não se afigurem suscetíveis de impugnação. A execução desses atos é, todavia, inadmissível. Exclui-se, igualmente, qualquer pretensão de enriquecimento sem causa. Admite-se, porém, a revisão, a qualquer tempo, de sentença penal condenatória baseada em lei declarada inconstitucional (Lei do Bundesverfassungsgericht, § 79). A limitação da retroatividade expressa, nesses casos, a tentativa de compatibilizar princípios de segurança jurídica e critérios de justiça. Acentue-se que tais limitações ressaltam, outrossim, a necessária autonomia jurídica desses atos.

[18] MS 16.512, Rel. Min. Oswaldo Trigueiro, DJ de 25.5.1966.

[19] RTJ 38, N. 1, P.8-9.

[20] Voto do Ministro Victor Nunes Leal, MS 16.512, RTJ 38, n.1, p. 23.

[21] Nesse sentido, v. votos proferidos pelos Ministros Gonçalves de Oliveira e Cândido Motta Filho, RTJ 38, n. 1, p. 26.

[22] Voto do Ministro Victor Nunes Leal, MS 16.512, RTJ, 38, n. 1, p. 23.

[23] Voto do Ministro Pedro Chaves, MS 16.512, RTJ, 38, n. 1, p. 12.

[24] Voto do Ministro Prado Kelly, MS 16.512, RTJ 38, n. 1, p. 16.

[25] BRASIL. Constituição (1946): Emendas. Emendas à Constituição de 1946, n. 16: reforma do Poder Judiciário. Brasília: Câmara dos Deputados, 1968, p. 24.

[26] BRASIL. Constituição (1946), cit. p. 88-90.

[27] Cf. Parecer do Min. Rodrigues Alckmin, de 19.6.1975, DJ de 16.5.1977, p. 3124; Cf. também, ALENCAR. A competência do Senado Federal para suspender a execução dos atos inconstitucionais, cit. p. 260 (292-293).

[28] Cf. Parecer do Min. Moreira Alves no Processo Administrativo 4.477-72, DJ de 16.5.1977, p.3123.

[29] Cf. Parecer do Min. Moreira Alves no Processo Administrativo 4.477-72, cit. p.3123-3124.

[30] Cf. RE 197.917 (ação civil pública contra lei municipal que fixa o número de vereadores), Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 31.3.2004.

[31] RE 190.728, Relator para o Acórdão Min. Ilmar Galvão, DJ de 30.5.1997.

[32] RE 190.728, cit. DJ de 30.5.1997.

[33] AI-AgR 168.149, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 4.8.1995, p. 22520.

[34] Ag.RegAI no 167.444, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 15.9.1995, p. 29537.

[35] RE 191.898, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 22.8.1997, p. 38781.

[36] ANSCHÜTZ, Gerhard. Die Verfassung des deutschen Reichs. 2.ed. Berlim, 1930.

[37] RTJ 159, p. 389-90.

[38] BITTENCOURT. O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis, cit. p. 140-1 .

[39] A doutrina constitucional alemã há muito vinha desenvolvendo esforços para ampliar os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada no âmbito da jurisdição estatal (Staatsgerichtsbarkeit). Importantes autores sustentaram, sob o império da Constituição de Weimar, que a força de lei não se limitava à questão julgada, contendo, igualmente, uma proibição de reiteração (Wiederholungsverbot) e uma imposição para que normas de teor idêntico, que não foram objeto da decisão judicial, também deixassem de ser aplicadas por força da eficácia geral. Essa concepção refletia, certamente, a idéia dominante à época de que a decisão proferida pela Corte teria não as qualidades de lei (Gesetzeseigenschaften), mas, efetivamente, a força de lei (Gesetzeskraft). Afirmava-se inclusive que o Tribunal assumia, nesse caso, as atribuições do Parlamento ou, ainda, que se cuidava de uma interpretação autêntica, tarefa típica do legislador. Em se tratando de interpretação autêntica da Constituição, não se cuidaria de simples legislação ordinária, mas, propriamente, de legislação ou reforma constitucional (Verfassungsgesetzgebung; Verfassungsänderung) ou de decisão com hierarquia constitucional (Entscheidung mit Verfassungsrang). A força de lei está prevista no art. 9o da Lei Fundamental e no § 31(2) da Lei orgânica da Corte Constitucional, aplicando-se às decisões proferidas nos processos de controle de constitucionalidade. A convicção de que a força de lei significava apenas que a decisão produziria efeitos semelhantes aos de uma lei (gesetzähnlich) (mas não poderia ser considerada ela própria como uma lei em sentido formal e material), parece ter levado a doutrina a desenvolver instituto processual destinado a dotar as decisões da Corte Constitucional de qualidades outras não contidas nos conceitos de coisa julgada e de força de lei. Observe-se que o instituto do efeito vinculante, contemplado no § 31, I, da Lei do Bundesverfassungsgericht não configura novidade absoluta no direito alemão do pós-guerra. Antes mesmo da promulgação da Lei Orgânica da Corte Constitucional e, portanto, da instituição do Bundesverfassungsgericht, algumas leis que disciplinavam o funcionamento de Cortes Constitucionais estaduais já consagravam expressamente o efeito vinculante das decisões proferidas por esses órgãos. Embora o conceito de Bindungswirkung (efeito vinculante) corresponda a uma tradição do direito alemão, tendo sido também adotado por diversas leis de organização de tribunais constitucionais estaduais aprovadas após a promulgação da Lei Fundamental, não se pode afirmar que se trate de um instituto de compreensão unívoca pela doutrina. Não são poucas as questões que se suscitam a propósito desse instituto, seja no que concerne aos seus limites objetivos, seja no que respeita aos seus limites subjetivos e temporais (MENDES, Gilmar Ferreira. O efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal nos processos de controle abstrato de normas. Revista Jurídica Virtual, vol. 1, n. 4, agosto de 1999, http://geocities.yahoo.com.br/profpito/oefeitovinculantegilmar.html).

[40] Cf., sobre o assunto, a observação de Rui Barbosa a propósito do direito americano: “(…) se o julgamento foi pronunciado pelos mais altos tribunais de recurso, a todos os cidadãos se estende, imperativo e sem apelo,, no tocante aos princípios constitucionais sobre o que versa”. Nem a legislação “tentará contrariá-lo, porquanto a regra ‘stare decisis’ exige que todos os tribunais daí em diante o respeitem como ‘res judicata’ (…)” (Cf. Comentários à Constituição Federal Brasileira, coligidos por Homero Pires, vol IV, p. 268). A propósito, anotou Lúcio Bittencourt que a regra stare decisis não tinha o poder que lhe atribuíra Rui, muito menos o de eliminar a lei do ordenamento jurídico (BITTENCOURT. O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis, cit. p.143, nota 17).

[41] Cf., a propósito, BITTENCOURT. O controle jurisdicional constitucionalidade das leis, cit. p. 140-1.

[42] BITTENCOURT. O controle jurisdicional constitucionalidade das leis, cit. p. 144; NUNES. Teoria e prática do Poder Judiciário, cit. p. 592.

[43] Cf. item Considerações Preliminares, supra.

[44] FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 30. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 35; SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 52.

[45] BITTENCOURT. O controle jurisdicional constitucionalidade das leis, cit. p. 145-6.

[46] RE 228.844.SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 16.6.1999.

[47] RE 221.795, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 16.11.2000.

[48] RE 364.160, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 7.2.2003.

[49] AI 423.252, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 15.4.2003.

[50] RE 345.048, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 8.4.2003.

[51] RE 384.521, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 30.5.2003.

[52] RMS 11.824, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 27.5.2002.

[53] Cf. RE 197.917, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 31.3.2004 (inconstitucionalidade de lei municipal que fixa número de vereadores) e Rcl-MC 2.537, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 29.12.2003, a propósito da legitimidade de lei estadual sobre loterias, atacada, simultaneamente, mediante ação civil pública, nas instâncias ordinárias, e ADI, perante o STF.

[54] Cf. RE 197.917, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 7.5.2004.

[55] HC 82.959, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 1.9.2006.

[56] RE 190.728, Relator para o acórdão Min. Ilmar Galvão, DJ de 30.5.1997.

[57] JELLINEK, Georg. Reforma y Mutación de la Constitución. Tradução espanhola de Christian Förster, Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1991, p.15-35; DAU-LIN, Hsü. Mutación de La Constitución. Tradução espanhola de Christian Förster e Pablo Lucas Verdú. Bilbao: IVAP, 1998, p.68 e s; FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos Informais de Mudança da Constituição. São Paulo: Max Limonad, 1986, p.64 e s. e p.102 e s.

[58] BITTENCOURT. O controle jurisdictional de constitucionalidade das leis, cit. p.145.

[59] MS 16.512 (Rel. Min. Oswaldo Trigueiro), RTJ 38 n.1,p 23; RMS 17.976 (Rel. Min. Amaral Santos) RDA, 105:111(113); AI-AgR 168.149 (Rel. Ministro Marco Aurélio), DJ de 4.8.1995; AI-AgR 167.444, (Rel. Min. Carlos Velloso), DJ de 15.9.1995; RE 190.728 (Rel. Min. Celso de Mello), DJ 30.5.1997; RE 191.898 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence), DJ de 22.8.1997; RE 228.844/SP (Rel. Min. Maurício Corrêa), DJ 16.6.1999; RE 221.795 (Rel. Min. Nelson Jobim), DJ 16.11.2000; RE 364.160 (Rel. Min. Ellen Gracie), DJ 7.2.2003; AI 423.252 (Rel. Min. Carlos Velloso), DJ 15.4.2003; RE 345.048 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence), DJ 8.4.2003; RE 384.521 (Celso de Mello), DJ 30.5.2003); ADI 1.919 (Rel. Min. Ellen Gracie), DJ 1o.8.2003.

[60] VOGEL, Klaus. Rechtskraft und Gesetzeskraft der Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts. In: STARCK, Christian (Org.) Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz. 1. ed. Tübingen: Mohr, 1976, v. 1, p. 568-613.

[61] Cf. MENDES, Gilmar. Jurisdição Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.387-413.

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