Opinião

PGE-SP: Falta de estrutura ameaça o interesse público

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24 de maio de 2021, 20h13

Ciência, nunca essa palavra foi tão importante como nos últimos tempos. No dia de 17 de janeiro, durante a coletiva de imprensa convocada para anunciar o início da vacinação contra a Covid-19, o governador João Dória repassou diretamente à Procuradora Geral do Estado, doutora Lia Porto, uma pergunta feita por uma jornalista, lembrando que ali se iria ouvir a palavra da "outra ciência, a ciência jurídica".

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Naquele momento, em rede nacional de televisão, quando a Procuradora Geral do Estado tomou a palavra para atestar a robustez jurídica da decisão de iniciar a vacinação naquele dia, talvez muitos tenham se dado conta que o combate à pandemia não é realizado apenas por médicos, enfermeiros e epidemiologistas, mas também por inúmeras outras profissões, como a Advocacia Pública, responsável pelas atividades de representação judicial e extrajudicial, assessoria e consultoria jurídica do Poder Público e, por isso, corretamente reconhecida como essencial e indispensável para o enfrentamento da emergência que vivemos.

A participação na coletiva de imprensa foi apenas a face visível de um trabalho que vem sendo realizado com muito afinco e dedicação por todos os membros da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo que, assim, assumiu papel crucial para o funcionamento da Administração e para defesa da saúde pública, sendo um dos órgãos mais demandados.

Presente em todas as secretarias e meandros da estrutura do Estado, o trabalho da PGE-SP, nessa calamidade, não se resumiu ao papel exercido pela Consultoria Jurídica da Secretaria da Saúde, onde foram emitidos mais de 300 pareceres, sendo vários com força de parecer referencial, válidos para todos os casos similares no âmbito da gestão estadual do SUS e com ampla gama de temas, desde a criação dos hospitais de campanha, a compra de insumos, com luvas, álcool gel, máscaras, seringas, agulhas, incluindo a gestão de recursos humanos, até a formatação dos contratos na área de ciência, tecnologia e informação. Em toda as Secretarias de Estado, os Procuradores atuaram diretamente na formulação das políticas públicas, participando de inúmeras reuniões com gestores, realizando a modelagem jurídica e dando suporte à execução dos projetos.  

Também em sua atuação em juízo, mais de 3 mil novas ações foram propostas em razão da pandemia e a atuação da PGE-SP garantiu, com vitórias expressivas, por exemplo, o programa federativo de combate à pandemia e o fornecimento de leitos de UTI. Logo no início, em março de 2020, o trabalho da PGE-SP garantiu no STF a suspensão do pagamento da dívida estadual com a União, obtendo mais de R$ 7,2 bilhões para utilização na área da saúde. Também no STF, foram os Procuradores do Estado que atuaram para reverter a decisão do Ministério da Saúde de requisitar todo o estoque de seringas e agulhas compradas pelo governo estadual e, ainda, para garantir o custeio pela União de mais de três mil leitos de UTI destinados a pacientes com Covid-19.

A atuação da PGE-SP também evitou o colapso nas contas públicas ao vencer centenas de ações que buscavam uma moratória no pagamento de tributos durante a pandemia. Só em uma ação ajuizada pela Fiesp, a atuação da PGE evitou um prejuízo de R$ 16 bilhões na arrecadação do Estado.  

Mesmo com a precária estrutura, a Procuradoria do Estado se sobressai pela sua eficiência. Mais de R$ 18 bilhões inscritos em dívida ativa retornaram aos cofres públicos nos últimos cinco anos, permitindo investimentos em saúde, educação, segurança e transporte. Apenas em 2020, em ano impactado pela forte crise econômica decorrente da Pandemia por Covid-19, R$ 2,55 bilhões foram arrecadados da dívida ativa do estado. Bilhões foram e são economizados nas vitórias diariamente obtidas nos quase um milhão de processos em andamento contra o Poder Público e cerca de 15 mil pareceres jurídicos são emitidos anualmente e permitem que a realização de obras e serviços públicos ocorram dentro da legalidade.

Essas são apenas amostras do trabalho desenvolvido pela PGE-SP, estratégico para a Administração Pública, que muito orgulha o povo paulista, mas que vem sofrendo, anualmente, um verdadeiro desmonte, em razão da falta de estrutura e pessoal.

Nos últimos dez anos, o número de Procuradores do Estado em exercício caiu de mais mil para pouco mais de setecentos, uma redução de quase 30%. Hoje, dos 1.203 cargos disponíveis, apenas 770 estão ocupados, uma defasagem de 37%. E o número pode piorar em breve, pois mais de 50 Procuradores estão prestes a se aposentar, segundo levantamento promovido pela Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (Apesp).

Não há quadro de apoio técnico às atividades processuais ou extraprocessuais dos Procuradores, apenas estagiários e em número insuficiente. Dos cerca de 500 servidores administrativos (menos de um servidor por Procurador), ocupantes de cargos de nível médio ou fundamental, a maioria está em funções destinadas à manutenção da própria instituição, como em sessões de compras, licitação, recursos humanos ou no atendimento ao público.

A PGE-SP está na UTI e depois de muito trabalhar pelo interesse público nessa pandemia, agora é a Procuradoria que clama por ajuda, sob pena de entrar em verdadeiro colapso.

Em 2018, foi realizado um concurso público para Procuradores do Estado de São Paulo. Mais de 13 mil inscritos e dos 206 aprovados, apenas 101 foram nomeados em 2019. Há 105 aprovados ainda esperando a nomeação, profissionais de excelência, prontos para atuar em prol da população paulista.

A deficiente estrutura do órgão de advocacia pública paulista põe em risco a defesa do Estado em juízo, pois são os Procuradores do Estado os únicos responsáveis pela representação do Poder Público nas mais de um milhão de execuções fiscais em andamento, responsáveis pela cobrança de mais de R$ 300 bilhões. São também os responsáveis pela defesa do interesse público em todos os processos das mais diversas matérias, como ações trabalhistas, imobiliárias, ambientais, indenizatórias e de servidores públicos. E ainda atuam em todas as Secretarias de Estado e nas autarquias, produzindo pareceres que ajudam a mover a engrenagem da máquina estatal.

Dotar a PGE-SP de estrutura é permitir a formatação e desenvolvimento de políticas públicas mais eficientes. É permitir a identificação de fraudes estruturadas e o combate à sonegação que tanto prejuízo traz ao povo paulista. Com sua capilaridade, ou seja, sua presença em todas as Secretarias de Estado e sua visão sistêmica de toda Administração, é a PGE-SP um dos únicos órgãos internos do Poder Público capaz de colaborar na correção de rumos e na elaboração de políticas mais efetivas e eficientes, com capacidade de prevenir litígios e recomendar soluções que vão ao encontro da juridicidade.

Já o colapso da Advocacia Pública é o colapso da própria Administração Pública.

Tenho certeza de que o governador João Doria já compreendeu que uma Procuradoria do Estado forte e estruturada é essencial para fazer frente aos desafios que se impõe diariamente à Administração Pública. É preciso tirar a PGE-SP da UTI e a nomeação dos 105 aprovados no último concurso para o cargo de Procurador do Estado é a primeira medida que se impõe, com urgência. O interesse público não pode esperar!

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