Precedente do STF

TSE discute se retroação do trânsito em julgado altera elegibilidade do ficha suja

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24 de fevereiro de 2021, 12h06

O Tribunal Superior Eleitoral começou a discutir, na noite de terça-feira (23/2), se a retroação do trânsito em julgado aceita pela jurisprudência brasileira quando recursos às cortes superiores são considerados inadmissíveis é capaz de operar efeitos para o caso do candidato ficha suja condenado por improbidade administrativa.

Abdias Pinheiro/TSE
TSE vai enfrentar tema inagurado pela jurisprudência penal do STF
Abdias Pinheiro/TSE

O caso trata de Romualdo Milanese, eleito prefeito de Boa Esperança (ES) nas eleições de 2020. Ele teve os direitos políticos suspensos por três anos por ato de improbidade administrativa. A defesa interpôs recurso extraordinário, que foi inadmitido na origem em agosto de 2015. Foi só em maio de 2017 que o Supremo Tribunal Federal confirmou que não caberia sua tramitação.

Para o Ministério Público Eleitoral e para a coligação adversária de Milanese, o trânsito em julgado é a data da certidão expedida pelo Supremo Tribunal Federal: maio de 2017. A partir daí, começaram a correr os três anos de inelegibilidade. Isso torna a filiação do candidato ao Solidariedade, em abril de 2020, ineficaz, o que derrubaria também sua eleição.

Para a defesa de Milanese, o trânsito em julgado retroagiu para a data em que o recurso foi inadmitido pela origem: agosto de 2015. Alega que, em 2017, o STF apenas confirmou que não há condições de tramitação, sem, no entanto, prejudicar a formação da coisa julgada. Assim, em abril de 2020 o candidato já estava livre para se filiar a partido político.

No TSE, o julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Sergio Banhos. Para o relator do recurso, ministro Tarcísio de Vieira Carvalho, vale a data fixada pela certidão expedida pelo Supremo Tribunal Federal, pois esta não foi desconstituída por ação rescisória, anulatória ou afins.

Para a divergência, aberta pelo ministro Luís Roberto Barroso, o STF não se manifestou sobre a data de trânsito em julgado. Apenas expediu um documento administrativo informando que o recurso extraordinário é inadmissível. Assim, ocorre a retroação.

TSE
Para ministro Tarcísio, se não houve rescisória, vale a data fixada pelo STF
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Juízo da execução aplicou tese
No caso de Milanese, a filiação ao Solidariedade e a candidatura foram viabilizadas por uma decisão do juízo da execução, que considerou como data de trânsito em julgado a decisão de 2015 que inadmitiu o recurso extraordinário ainda na origem. Para isso, invocou precedentes das duas turmas do Supremo Tribunal Federal sobre a retroação.

Para o ministro Barroso, aplica-se a Súmula 41 do TSE, segundo a qual "não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros órgãos do Judiciário ou dos tribunais de contas que configurem causa de inelegibilidade".

O ministro Tarcísio, então, lembrou que a suspensão dos direitos políticos só vale a partir do trânsito em julgado da ação que o impõe. Se o sujeito é condenado a três anos de suspensão, mas o STF demora mais do que isso para não conhecer do recurso sobre a condenação, abre-se a hipótese de a retroação retirar qualquer efeito da punição.

Barroso disse a discussão é digna de nota, mas não muda o fato de que, no momento do registro da candidatura, o que a Justiça Eleitoral considerou foi a decisão do juízo da execução, segundo o qual o trânsito em julgado ocorreu em 2015. Assim, a Súmula 41 incidiria em favor do candidato.

Carlos Moura/SCO/STF
Para Barroso, decisão do juízo da execução que aplicou jurisprudência do STF permitiu à Justiça Eleitoral validar candidatura
Carlos Moura/SCO/STF

Retroação é penal?
Advogado da coligação Avante com Ordem e Progresso, Heitor Afonso Linhares Marcondes destacou da tribuna a jurisprudência do STF que admite a retroação do trânsito em julgado é puramente penal. "Em momento nenhum faz sentido aplicar a ações de improbidade administrativa", defendeu.

Em 2016, os juristas Lenio Streck e Bruno Torrano explicaram, em artigo publicado pela ConJur, como a tese foi inaugurada no Supremo pela ministra Rosa Weber em 2005 e ganhou força pelos dez anos seguintes, tendo como principal consequência prejuízo ao réu.

Na hipótese, o acusado que tem seu recurso extraordinário ao STF ou especial ao STJ inadmitido na origem pode interpor todo e qualquer recurso cabível e, após anos, se eles forem considerados inadmissíveis pelos tribunais, se verá sem a possibilidade de pleitear a prescrição da pena, pois não caberá mais recurso, devido à retroação do trânsito em julgado.

O TSE precisará definir, também, se é possível transpor o entendimento da seara penal para a administrativa, com efeitos na eleitoral.

REspe 0600204-46.2020.6.08.0039

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