Opinião

TSE retoma atividades com casos de abuso econômico e captação ilícita

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7 de fevereiro de 2020, 8h46

Na sessão desta terça-feira (4/2), o Plenário levou a julgamento o Recurso Especial nº 74789, proveniente de Geminiano (PI), que, na origem, tratou de ação de investigação judicial eleitoral interposta para investigar fraude na quota de candidatura do gênero feminino.

No recurso especial, sustenta-se ser incontestável que os recorridos concorreram de maneira fraudulenta ao indicarem ficticiamente candidata ao cargo, intencionalmente, para cumprir a reserva de gênero, violando o disposto no parágrafo 3º do artigo 10 da Lei 9504/97, em razão da candidata não ter obtido nenhum voto nas eleições.

O ministro relator, Edson Fachin, reafirmou o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral que, em recente julgado (REspe nº 19392) consignou que é possível a apuração de fraude em ação de investigação judicial eleitoral, por constituir abuso de poder, estabelecendo-se que as consequências são as cassação dos diplomas e declaração de inelegibilidade dos envolvidos.

No caso, a prova documental colacionada aos autos, nos termos da moldura fática do acórdão regional, consistiu apenas no extrato do resultado das eleições de 2016 demonstrando que a recorrida, filha do candidato que se consagrou vencedor na eleição para prefeito, não obteve votos, apesar de ter participado de comícios e realizado campanha.

O tribunal regional assentou que tais indícios não são suficientes para caracterizar a fraude. De acordo com a defesa, a recorrida se candidatou com a legítima intenção de concorrer ao pleito, mas admitiu que desistiu tacitamente da campanha em virtude de desavenças com demais candidatos da legenda.

O ministro entendeu, acompanhado por unanimidade pelos demais, que a votação zerada pode ser um ponto de partida para que se investigue o possível lançamento de candidatura fictícia, sendo, entretanto, necessário outros elementos de prova para que se conclua pela pratica da fraude, tais como a prestação de contas com ausência de gastos, bem como a comprovação de que não houve a prática de atos de campanha.

O Tribunal Superior Eleitoral, no precedente firmado pelo REspe nº 183, de Minas Gerais, decidiu, em caso similar, que a votação ínfima, desacompanhada de outras provas, é insuficiente para demonstrar o cometimento de ilícito

O Recurso Especial teve o provimento negado com o entendimento de que o resultado zero nas eleições é indicativo de fraude, mas que necessita de outras provas de corroboração. No caso, não foi possível depreender intenção fraudulenta dos recorridos no momento do registro de candidatura, visto que houve práticas de atos de campanha.

Outro relevante caso levado ao Plenário do Tribunal na sessão de terça-feira foi o Agravo no Recurso Ordinário nº 537610.

O caso questionou os precedentes firmados pela Corte no sentido de que o término do mandato leva ao perecimento do objeto da ação de investigação judicial eleitoral, o que não propiciaria, mesmo depois desse lapso temporal, eventual declaração de inelegibilidade.

O Ministro Relator, Edson Fachin, propôs um overruling acerca da compreensão do tribunal da matéria, qual seja, da perda superveniente do interesse de agir em função do encerramento do mandato no caso de AIJE julgada sem imposição de sanção.

Asseverou que, em sede de AIJE, a legislação prevê que o reconhecimento de abuso enseja a declaração de inelegibilidade para além de eventual cassação de registro ou de mandato obtido por impulso de expedientes ilícitos.

Nesse panorama, afirmou que não se depreende do marco regulatório a necessidade da aplicação conjunta das medidas de cassação e de inabilitação por três motivos: primeiro, porque o esquema de proteção da legitimidade eleitoral, tal como desenhado na constituição, anda a compasso de comandos relacionados à probidade administrativa e à moralidade para o exercício do mandato; segundo, porque a hermenêutica conjuntiva estimula, sobre a perspectiva dos incentivos, um estado de impunidade incompatível com o espirito de depuração das competições políticas contra a participação de candidatos que sejam objetivamente indignos; terceiro, porque a autonomia das consequências jurídicas é assinalada pelo próprio texto legal.

Atentou-se ao fato de que o Tribunal já reconheceu o interesse de agir em AIJEs movidas em momento anterior ao registro de candidatura, contra candidatos não eleitos e contra terceiros responsáveis por atos abusivos que sequer participaram das eleições. Em todas essas hipóteses, consignou-se que a AIJE permite a imposição de sanções à candidatura independentemente da existência de um mandato em cheque, algo que, em exame comparado, denuncia uma quebra de paralelismo grave e ilógico, na medida em que a ideia de que o interesse recursal cessa com o fim da incumbência dos agentes eleitos atrai impunidade.

Sustentou que a Constituição Federal, ao situar, em um único contexto, abuso de poder, a moralidade para o exercício dos mandatos e as hipóteses de inelegibilidade, termina por conceber um esquema de tutela repressiva de caráter dúplice, imediato e diferido, preocupando-se não apenas com a aplicação de uma resposta negativa imediata, mas, em igual medida, com as projeções dos abusos para o futuro.

O tribunal, por unanimidade, nos termos do voto do Relator, propõe o provimento do Agravo Interno para o fim de reconsideração da decisão anterior, trazendo ao plenário a apreciação da matéria veiculada no agravo antecedente, delineando que o histórico do indivíduo assume, no quadro de acesso às instâncias representativas, um assento constitucional expresso, o que impede considerar que o encerramento do mandato retira do recurso em andamento a sua utilidade prática, notadamente quanto à declaração de inelegibilidade.

Na sessão de quinta-feira, o Tribunal Superior Eleitoral iniciou o julgamento do Recurso Especial nº 179550, proveniente de São Paulo. 

A controvérsia dos autos consistiu na captação irregular de recursos de campanha fundado no artigo 30-A da lei das eleições, mediante o recebimento de doação da quantia de 6 mil reais de pessoa física sem capacidade econômica para realizá-la.

O artigo 30-A prevê hipótese de ajuizamento de representação para apurar a arrecadação e gastos ilícitos de recursos, com a reprimenda de cassação de diploma. Essa disposição legal visa coibir práticas ilícitas relativas ao uso de recursos financeiros em campanhas eleitorais que possam acarretar o comprometimento da lisura do pleito e o desequilíbrio dos candidatos.

A gravidade dos fatos é a baliza da incidência de severa penalidade, que é a cassação de diploma de candidato eleito, razão pela qual o ilícito descrito no artigo 30-A não se confunde com irregularidades contábeis apuradas em processo próprio de prestação de contas.

O entendimento do TSE se firmou no sentido de que os fatos que malferem a disposição do artigo 30-A são aqueles relativos à arrecadação e gastos de campanha que possuam relevância ou configurem ilegalidade qualificada pautada na má-fé do candidato, de acordo com o precedente firmado no REspe nº 47278 de relatoria do ministro Admar Gonzaga.

No caso dos autos, o TRE-SP assentou que o candidato recebeu doação de R$ 6 mil de pessoa física sem capacidade econômica para efetuá-la, revelando-se irregularidade grave o suficiente para macular a lisura das eleições e ensejar a cassação do mandato do recorrente, em razão da prática do ilícito do artigo 30-A.

A irregularidade apurada correspondeu a 13,89% do total acumulado de receita, circunstância em que residiria a gravidade da conduta, dado que considerável parte da receita foi oriunda de recursos não comprovados, o que violaria a lisura e transparência das eleições.

O ministro relator, Edson Fachin, assentou que a ilegalidade na forma de captação de recursos de campanha, por si só, não acarreta a procedência da ação prevista no artigo 30-A.

Considerou que a irregularidade nas doações é inapta a atrair as penalidades contidas no artigo 30-A da Lei 9504/97, visto que a doação ilegal constitui valor baixo e fato único para a propositura da ação, não se revelando densa o suficiente para prejudicar a igualdade entre os candidatos do pleito.

Foi acompanhado integralmente pelos votos do ministro Og Fernandes e Luis Felipe Salomão.

Em sentido divergente, o ministro Tarcísio Vieira sustentou que cinco aspectos do acórdão regional lhe chamaram atenção quanto à condição pessoal da doadora, pessoa incontroversamente desprovida de condições econômicas mínimas, quais sejam: ser uma senhora de idade muita avançada, com severas dificuldades de audição e compreensão; sua condição de desempregada; de ser beneficiaria de programa governamental de concessão de moradia popular; não ter apresentado declaração de IR de pessoa física em 2015 e 2016 e o registro de outras doações em seu CPF, também registradas no pleito de 2016, no expressivo valor de mais de 300 mil reais.

Esse quadro, a seu sentir, constituiu acervo suficiente, na linha da jurisprudência, para demonstrar o elevado desvalor da conduta apurada, remetendo precedente do TSE firmado no Agravo no Recurso Especial nº 145 do Rio Grande do Norte, de doações realizadas por pessoas beneficiadas pelo bolsa família.

Além disso, com relação a ocorrência de caixa dois, afirmou que sua caracterização não se limita ao recebimento de recursos e à omissão desses na prestação de contas de campanha, mas que tal ilícito também ocorre quando os recursos são declarados como proveniente de uma fonte enquanto, na realidade, possuíam outra origem, ou seja, em ambos os casos, o caixa dois revela a existência de uma contabilidade paralela à apresentada à justiça eleitoral.

Afirmou que tal cenário é visível no caso concreto, na medida em que não ficou  comprovado que a doadora tinha recursos financeiros para arcar com as doações.

Após o voto divergente do ministro Tarcísio, o ministro Sérgio Banhos pediu vista dos autos.

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