Sem responsabilização

Bolsonaro quer 21 ministros no STF e excludente de ilicitude para policial

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25 de setembro de 2018, 9h00

*Este texto integra uma série de reportagens sobre as propostas dos candidatos à Presidência da República para o Judiciário, o Ministério Público, as polícias, a advocacia pública, a legislação penal e o sistema penitenciário.

Para diminuir uma suposta parcialidade do Supremo Tribunal Federal e teoricamente assegurar maioria em votações de interesse do governo, o candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL) propõe elevar o número de ministros de 11 para 21 e nomear 10 do "perfil" de Sergio Moro, juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba. Além disso, o capitão da reserva do Exército quer acabar com a progressão de regime, instituir a prisão perpétua e isentar policiais e integrantes das Forças Armadas de responderem por homicídios que cometerem em serviço.

Fernando Frazão/Agência Brasil
Candidato Jair Bolsonaro quer aumentar número de ministros do STF para mudar o perfil da corte.
Fernando Frazão/Agência Brasil

Em entrevista concedida à TV Cidade, de Fortaleza, em junho, Bolsonaro foi perguntado se indicaria Moro, responsável pelos processos em primeira instância da operação “lava jato” no Paraná, para o STF.

“Da minha parte, tudo bem. Eu não sei se ele [Moro] aceitaria integrar essa corte. Mas com pessoas do perfil dele, que o próximo presidente poderá indicar apenas dois, a gente muda, com toda a certeza, as decisões do Supremo Tribunal Federal, que, lamentavelmente, tem envergonhado a todos nós nos últimos anos”, respondeu o militar.

Ele também disse ser favorável à ampliação do número de ministros da corte. “A questão do Supremo, o que nós temos discutido, é, sim, aumentar para 21 [ministros]. Você pode falar ‘é um absurdo!’. Mas é uma maneira de você botar 10 isentos lá dentro. Porque da forma como eles têm decidido as questões nacionais, nós realmente não podemos sequer sonhar em mudar o destino do Brasil. Eles têm poderes para muita coisa”, declarou Bolsonaro, citando como exemplo a possibilidade de o STF mudar de entendimento sobre a possibilidade de execução da pena após condenação em segunda instância.

A proposta de Bolsonaro evoca alteração feita na corte durante a ditadura militar (1964-1985). Por meio do Ato Institucional 2, de 1965, o presidente Castello Branco aumentou de 11 para 16 o número de ministros do STF. A ideia era diluir o poder dos magistrados indicados pelos presidentes João Goulart e Juscelino Kubitschek.

Em janeiro de 1969, três integrantes do Supremo foram sumariamente aposentados com base no Ato Institucional 5: Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes Leal. Os três eram considerados de esquerda pelos militares por terem ocupado cargos nos governos de Jango e JK. Ao tomarem notícia das cassações pelo programa Voz do Brasil, os ministros Antônio Gonçalves de Oliveira (então presidente do tribunal) e Antônio Carlos Lafayette de Andrada renunciaram aos seus postos.

Com a possibilidade de nomear cinco novos integrantes do STF, o presidente Costa e Silva restabeleceu, por meio do Ato Institucional 6, a composição da corte com 11 ministros.

Para voltar a modificar o número de integrantes do Supremo, seria preciso alterar o artigo 101 da Constituição Federal. Procurado pela ConJur, Jair Bolsonaro não esclareceu quais seriam suas outras propostas para o Judiciário, o Ministério Público, as polícias, a advocacia pública, a legislação penal e o sistema penitenciário.

Prisão perpétua
No campo da legislação penal, o militar sugere, em seu programa de governo, “prender e deixar preso”. Ou seja: acabar com a progressão de penas e as saídas temporárias.

Atualmente, o condenado pode progredir para o regime semiaberto ou aberto se cumprir um sexto da pena e tiver bom comportamento. Caso o crime que tenha motivado a condenação seja hediondo e o autor, réu primário, será necessário passar dois quintos dela no regime inicial. Se ele for reincidente, terá que cumprir três quintos da penalidade antes de mudar para um modo de execução da pena mais benéfico.

Já a saída temporária, segundo a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984), pode ser concedida àqueles que cumprem pena no regime semiaberto para que visitem suas famílias, assistam a aulas ou participem de atividades visando ao retorno ao convívio social. O juiz só pode autorizar a saída temporária se o condenado tiver comportamento adequado, cumprido um sexto da pena, se primário, ou um quarto, se reincidente, e se o benefício for compatível com os objetivos da pena.

Bolsonaro também é favorável à redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos. Em 2015, a Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição 171/1993, que reduz a maioridade penal para 16 anos em casos de crimes hediondos — como estupro e latrocínio — e também nos de homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. No entanto, a medida ainda não foi analisada pelo Senado.

No passado, o capitão do Exército defendeu a pena de morte. Ao ser questionado se era a favor da medida no programa Mulheres, da TV Gazeta, em 2013, o deputado federal responde que sim. “E o governo não precisa contratar ninguém para fechar a chave e fuzilar: eu sou voluntário de graça”. A seu ver, quem comete crime premeditado seguido de morte merece ser executado.

Perguntado pelo jornal O Estado de S. Paulo, em março de 2018, se seguia apoiando a pena de morte, Bolsonaro apontou que a prática é proibida pela Constituição Federal e que só poderia ser permitida no Brasil por meio de uma assembléia constituinte.

“Só não buscarei isso [a instituição da pena de morte] por um motivo simples: não vai ser aprovado. Então, eu não vou lutar por algo que não vai ser aprovado. Agora, pretendo lutar por prisão perpétua”, declarou o candidato do PSL ao Estadão.

“Prender e deixar na cadeia salva vidas”, diz Bolsonaro em seu programa de governo, ao defender o aumento de prisões. De acordo com ele, “Mato Grosso do Sul, São Paulo e Brasília são os [estados] que mais prendem e os que mostram avanços”. Contudo, o militar não especifica quais seriam esses avanços. Apenas cita como referência o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de junho de 2014. O documento não faz nenhuma ligação entre a taxa de encarceramento dos estados e seus índices de criminalidade.

O Infopen também indica que, em junho de 2016, tráfico de drogas era o crime responsável pela prisão de 30% dos encarcerados no Brasil. Mas o militar não pretende descriminalizar o uso e o comércio de entorpecentes.

Após o ministro do STF Luís Roberto Barroso sugerir a legalização da maconha e, se isso funcionar, da cocaína, para quebrar o tráfico, Bolsonaro ironizou a opinião nas redes sociais: “Que tal legalizar corrupção, já que as celas estão também cheias em Curitiba?”. O militar ainda questionou a legalização da maconha no Uruguai e avaliou que 99% dos pais de família seriam contra a medida, pois ela levaria a droga às escolas.

O integrante do PSL ainda quer o fim das audiências de custódia, como disse ao jornal Correio Braziliense em julho. Outra proposta do capitão relacionada à legislação penal é tornar crime de terrorismo a invasão de propriedades rurais e urbanas. Ele também deseja retirar da Constituição “qualquer relativização da propriedade privada”, como a expropriação do local onde haja exploração de trabalho escravo.

Carta branca
Com relação à polícia, Jair Bolsonaro promete investir “fortemente” em equipamentos, tecnologia, inteligência e capacidade investigativa. E o candidato quer maior proteção jurídica para policiais e militares que matem pessoas em operações.

Miguel Ângelo/CNI
De acordo com Bolsonaro, policiais não dever responder por mortes em operações.
Miguel Ângelo/CNI

“Policiais precisam ter certeza que, no exercício de sua atividade profissional, serão protegidos por uma retaguarda jurídica. Garantida pelo Estado, através do excludente de ilicitude. Nós brasileiros precisamos garantir e reconhecer que a vida de um policial vale muito e seu trabalho será lembrado por todos nós! Pela Nação Brasileira!”, afirma o capitão em seu programa de governo.

No Jornal Nacional, da TV Globo, em agosto, Bolsonaro disse que o agente de segurança que assassinar alguém deve ser homenageado, e não punido. “Nós do Exército Brasileiro acabamos de perder três garotos, três jovens garotos, para o crime agora [em operação no Rio de Janeiro]. Nós temos que fazer o quê? Em local que você possa deixar livre da linha de tiro as pessoas de bem da comunidade, ir com tudo para cima deles e dar para o policial, e dar para os agentes da segurança pública o excludente de ilicitude. Ele entra, resolve o problema, se matar 10, 15 ou 20 com dez ou trinta tiros cada um, ele tem que ser condecorado e não processado”.

A ideia de Bolsonaro não é nova. O Exército e o governo Michel Temer (MDB) vêm pedindo mais proteção jurídica para os militares que atuarem na intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. O objetivo é que eles não sejam punidos por atos e mortes em operações. Porém, as normas atuais já são suficientes para resguardar policiais e integrantes das Forças Armadas em situações de conflito ou de risco. Assim, disseram especialistas ouvidos pela ConJur, uma mudança na área colocaria policiais e militares acima da lei e lhes daria uma espécie de “carta branca”.

O artigo 23 do Código Penal estabelece que não há crime quando o agente pratica o ato em legítima defesa ou em estrito cumprimento de dever legal. Logo, o integrante das Forças Armadas ou policial que atirar em uma situação de conflito, ou quando ele ou outra pessoa estiverem correndo risco, não será responsabilizado por homicídio. O que ele não pode fazer é disparar gratuitamente, quando isso não é necessário. Nesse caso, o agente responde por seu excesso doloso ou culposo.

No campo da segurança, Bolsonaro ainda propõe reformar o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) para flexibilizar o porte de armas.

10 medidas
A única menção de Jair Bolsonaro ao Ministério Público em seu programa de governo é o apoio às 10 medidas contra a corrupção. O projeto original do Ministério Público Federal prevê o uso de provas ilícitas em ações penais, restrição ao uso de Habeas Corpus e mudanças nos prazos prescricionais de certos crimes.

A proposta foi aprovada em 2016 pela Câmara dos Deputados. Porém, o ministro do STF Luiz Fux determinou o retorno do projeto à Câmara por entender que o texto original foi alterado demais durante sua tramitação, com a inclusão de normas que fogem do tema da iniciativa.

Embora não aponte abusos do MP em processos de corrupção, o presidenciável criticou a atuação da instituição em casos de improbidade administrativa.

“Temos de ter coragem de falar sobre o Ministério Público. Faz um bom trabalho? Em parte, sim. Mas tem seus problemas. Que prefeito não fica com medo ou preocupado respondendo por improbidade administrativa? Temos de mudar isso”, declarou Bolsonaro em maio, em evento com prefeitos e vereadores.

Na ocasião, ele igualmente atacou a interpretação do Ministério Público do Trabalho de que trabalho análogo ao escravo também é trabalho escravo. “Tem que botar um ponto final nisso. Análogo é uma coisa e escravo é outra”.

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