Senso Incomum

Inteligência artificial: o problema é apenas 'saber lidar'? Assim, simples?

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1 de maio de 2025, 8h00

Abstract: Talvez o problema da inteligência artificial seja o seguinte: trata-se de uma ferramenta, como era a máquina de escrever e depois passou a ser o computador. Talvez o ser humano espere demais da IA. E esse é o busílis da coisa. Porque, como ferramenta, não pode substituir o ser humano. Se o ser humano espera isso da IA, duas coisas acontecem: um, o ser humano espera demais; dois, trata-se de um paradoxo: criar algo que possa ser melhor que ele. E isso é patético.

Há décadas critico o uso de resumos, resuminhos, sinopses, direito plastificado e quejandices. Dizia eu que isso produziria gente medíocre (e produziu!), antecipando, de algum modo, o que as redes sociais e o uso desmesurado da inteligência artificial produzem hoje: brain rot (cérebros apodrecidos). Há dezenas de textos meus sobre isso (por todos aqui, aqui, aqui e aqui).

Vejo agora, e disse isso na coluna intitulada A sociedade dos juristas mortos, o Black Mirror e a petição feita por inteligência artificial, que o TJ-PR detectou uma petição em que o advogado, usando a IA, inventou 43 precedentes (sic). Em Mato Grosso inventou um artigo do Código Civil. Brasil afora há notícias desses fiascos e dessas alucinações (sic).

Já fiz vários testes. Alunos meus idem. A IA só diz “não sei” quando se trata de uma coisa sobre a qual não há qualquer conhecimento público. Agora, quando se pode havê-lo, ela jamais admite a própria ignorância. E dá bagunça. “O que o filósofo tal diz sobre tal e tal coisa?”

A IA diz um monte de bobagem. Você corrige e diz: “É mesmo? Onde está isso? Porque, na verdade, o autor tal diz outra coisa…”.

E a IA vem: “Desculpe-me! É verdade, houve uma imprecisão. Você está certo. O autor, na verdade, diz mesmo isso que você disse.

Pois é. Duvidam? Clique aqui e veja o estelionato, a fraude da IA quanto à Recherche. Você vai se surpreender.

Perguntado sobre Lenio Streck e Fast Food e Direito, a IA respondeu:

Lenio Streck é um jurista brasileiro conhecido por suas críticas ao que ele chama de “Direito Fast Food“. Essa expressão se refere à aplicação superficial e acrítica do direito, sem considerar a complexidade dos casos e a necessidade de uma fundamentação mais profunda e consistente.

Streck argumenta que o “Direito Fast Food” é caracterizado por:

1. Aplicação mecânica de regras: Sem considerar o contexto específico do caso.

2. Falta de reflexão crítica: Não se questiona a validade ou a justiça das regras aplicadas.

3. Priorização da eficiência: Em detrimento da justiça e da equidade.

Eu não disse isso. Nunca defini direito fast food desse modo. Jamais coloquei três características. Nunca falei em equidade (palavra que não existe no meu vocabulário acerca dos conceitos jurídicos). O que fast food tem a ver com aplicação mecânica? Ou seja, a IA é burrinha. Primeiro ela alucina ou na verdade, ela é assim mesmo?

Spacca

Alucinações? Pois sim. Qualquer coisa que você pergunte a IA a resposta é “perigosa”. Fico impressionado com a paixão pelo uso da IA, um robô plagiador (como bem acusa Noam Chomsky) que contribui para acabar com a pesquisa e com a doutrina. Vejam o que está ocorrendo nos cursos jurídicos. E nos fóruns.

É aqui que se encontram os caminhos dos resuminhos, brain rot e o novo Zeigeist proporcionado pelo avanço imparável da IA — que, insisto, está acabando com o que resta da doutrina jurídica que não se rende à jurisprudencialização do direito.

Mas parece que não adianta apontar os riscos. Não há limites.  Para os adeptos do uso da IA não importa o preço a ser pago. Se o custo for a extinção da doutrina jurídica, qual é o problema?

Viveremos em um mundo de teses e “precedentes”. Teremos fazendas de armazenamento de “teses” dos tribunais superiores. Teremos também o depósito dos precedentes. Ali é o criatório. Inclusive o robô tem a capacidade de adaptá-los aos pedidos dos avatares. Chamaremos a essa “adaptação” de alucinação. Algo como “coloquemos a culpa no estagiário”.

Nem os casos como o de Santa Catarina (Habeas Corpus) e o do Paraná (43 precedentes falsos) têm o condão de assustar. A solução, dizem, é o advogado aprender melhor a usar a IA. Isto é: o problema não está na substituição da pesquisa por algo feito por robô e, sim, na inaptidão do usuário.

Aceitar o uso da IA como está ocorrendo Brasil a fora (por que isso só ocorre, desse modo, por aqui?) é como liberar o uso de armas para conter a violência. As mortes e os tiroteios serão debitados à péssima pontaria dos usuários. Claro. Se soubessem usar bem os revolveres e as escopetas, a violência não existiria nessa dimensão. Enfim, faça você a sua alegoria ou metáfora sobre a invasão dos robôs.

Por essas e outras, escrevi textos sobre os perigos de o robô decidir a vida em sociedade (alguns nem tão recentes, outros bastante atuais e tratando dos já numerosos absurdos da IA no Judiciário). A questão é que a tecnologia adianta e empilha respostas sem demandar reflexão, promovendo o reencantamento do mundo. Assim, inviabiliza a possibilidade de questionar os preconceitos que orientam qualquer raciocínio humano, a partir da responsável recepção paradigmática da filosofia, como faço na minha Crítica Hermenêutica do Direito.

A inteligência artificial atenderá ao comando que lhe é dado (por enquanto — não esqueçamos que é generativo, como no caso do cachorro que atirava crianças no Sena para ganhar suculentos filés), pouco importando a veracidade dos seus pressupostos ou a veracidade das suas afirmações. Ali se afasta da humanidade e da condição especial de existência do ser humano.

Talvez o problema da IA seja o seguinte: trata-se de uma ferramenta, como era a máquina de escrever e depois passou a ser o computador. Talvez o ser humano espere demais da IA. E esse é o busílis da coisa. Porque, como ferramenta, não pode substituir o ser humano. Se o ser humano espera isso da IA, duas coisas acontecem: um, o ser humano espera demais; dois, trata-se de um paradoxo: criar algo que possa ser melhor que ele. E isso é patético.

Post scriptum: para confirmar o que acima falei — vejam a gravidade. Coloquei na busca do Google uma frase, porque buscava textos antigos meus sobre direito resumidinho e plastificações. Antes do Google responder, vejo o atravessamento da IA (do Google), que disse:

A frase ‘Streck e ConJur e plastificados’ parece referir-se a uma discussão ou artigo sobre a obra de Lenio Streck, especificamente a Crítica Hermenêutica do Direito, publicada no periódico jurídico ConJur, e potencialmente discutindo a sua aplicação e ‘plastificação’ (tornar algo rígido, sem flexibilidade) em contextos jurídicos.

Que “jenial” a IA, não? Plastificações a que me refiro seria isso? Estamos perdidos. Não sou lido mais nem pelo robô. Run to the hills!

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