Opinião

Nova temporada da 'tese do século' ganha fôlego no Judiciário

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17 de março de 2024, 17h20

Parece uma série premiada de streaming, do tipo que, ao final, o público, mesmo cansado,  acaba ansioso por uma nova temporada. É assim a chamada “tese do século”, a discussão fixada pelo Supremo Tribunal Federal em 15 de março de 2017 para estabelecer que o ICMS, principal imposto estadual, não poderia compor a base de cálculo do PIS e da Cofins (RE 574.706), contribuições federais.

A questão é que os efeitos dessa decisão só foram modulados em 2021, no julgamento dos embargos de declaração opostos pela União. Ou seja, passados quatro anos do assentamento da tese, o STF deixou definido que a devolução dos valores só poderia ser concedida às empresas que tivessem recorrido ao Judiciário antes de iniciado o julgamento de mérito: somente seria possível às empresas reaverem os pagamentos indevidos nas ações ajuizadas em data anterior ao 15/3/2017.

Foi assim que, a partir daquele julgamento ocorrido em 2017, muitas empresas ajuizaram ações em busca de ressarcimento. Como a tese havia sido decidida de forma favorável com efeito vinculante pelo STF, os tribunais rapidamente julgaram os processos e os acórdãos transitaram em julgado antes de apreciados os embargos de declaração opostos no leading case (RE 574.706).

Assim, quem gerou esse pandemônio foi o próprio STF, que demorou quase uma eternidade para julgar os embargos. Ou seja, a nova temporada da tese estava em produção dentro da própria Corte Suprema.

Impacto da decisão e ações rescisórias da PGFN

Assim, com o encerramento favorável em mãos, as empresas passaram a utilizar os créditos oriundos das decisões judiciais para compensar com os débitos que possuíam perante a Receita Federal. A grande problemática que surgiu para o governo federal foi o reflexo que os pedidos de devolução dos pagamentos indevidos começaram a gerar nos cofres públicos.

Para se ter uma ideia, a Lei 14.791/2023 [1] indicou como estimativa de impacto o valor de R$ 236,8 bilhões [2], decorrente das decisões favoráveis às empresas.

Com esse alerta que já vinha sendo desenhado nas Leis de Diretrizes Orçamentárias dos anos anteriores, a União precisou buscar alguma medida para tentar estancar a enxurrada de compensações que vinham sendo efetuadas.

Spacca

Como solução, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional ingressou com ações rescisórias, para anular as decisões favoráveis daquelas empresas que recorreram ao Judiciário no período compreendido entre o julgamento de mérito da tese do século (março de 2017) e a apreciação dos embargos de declaração opostos no mesmo leading case (abril de 2021).

Nova temporada da “série”

O cenário jurisprudencial ainda se encontra bastante incerto. No entanto, novas emoções estão em cena. Duas decisões (uma do Superior Tribunal de Justiça e a outra do STF) parecem estar abrindo novo caminho favorável às empresas.

No Recurso Especial nº 2.060.442/RS, o ministro relator Herman Benjamin, em juízo de retratação, deu provimento ao recurso especial interposto pela Crispal Distribuidora de Alimentos Ltda., para rejeitar a ação rescisória ajuizada pela União.

O ministro reafirmou a jurisprudência do STJ, segundo a qual “não cabe Ação Rescisória por violação de literal de lei se, ao tempo em que foi prolatada a decisão rescindenda, a interpretação era controvertida nos Tribunais, embora posteriormente se tenha fixado favoravelmente à pretensão da parte autora”.

Na decisão, foi invocada a Súmula 343 do STF (oriunda do RE 590.809/RS e da AR 2.370/CE), pois o enunciado somente permitiria o ajuizamento de ação rescisória por violação de literal dispositivo de lei quando a matéria era controvertida nos tribunais à época do julgamento, se estivéssemos diante de controle concentrado de constitucionalidade.

Como o leading case (RE 574.706) se deu em sede de controle difuso (sistemática da repercussão geral), a União não poderia ajuizar esse tipo de ação.

Vale dizer que a inaplicabilidade da referida Súmula vem servindo de fundamento em diversos acórdãos do STJ  (um exemplo: AgInt no REsp 2.011.255/PR, AgInt no REsp 1.910.511/PR, AgInt no REsp 1.854.382/SP, AgInt no AREsp 2.013.469/SP).

Depois, no âmbito do STF, em recente decisão (28/2/2024), o ministro Luiz Fux também rejeitou a pretensão da União formulada em ação rescisória que buscava extirpar os efeitos patrimoniais da Tese do Século.

Segundo o ministro, o acórdão que a Fazenda pretendia anular tinha transitado em julgado em 25/2/2021. Antes, portanto, do julgamento dos Embargos de Declaração do leading case, de modo que, à época em que foi proferido, estava em harmonia com o entendimento do Plenário da Suprema Corte pela exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, não havendo, naquele momento, limitação temporal/ modulação de efeitos.

Além disso, na decisão também foi sustentado o julgamento do RE 590.809/RS, que deu origem à Súmula 343 do STF e serviu de fundamento para a decisão do ministro Herman Benjamin. Por fim, como reforço da inviabilidade da ação rescisória da União, o ministro invocou os precedentes das ARs 2.297 e 2.957, que foram julgadas nesse mesmo sentido.

O cenário que vem sendo desenhado é favorável e deve servir de combustível às empresas para que litiguem em defesa das compensações efetuadas com créditos oriundos da “tese do século”. No entanto, como dito no início desse texto, trata-se de uma nova temporada da “série” e, como agora é comum, para gerar mais expectativa e ansiedade, os capítulos vêm sendo veiculados mais espaçadamente. Qual será o final?

 


[1] Dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e a execução da Lei Orçamentária de 2024

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