Opinião

Novo marketing médico e revisão das decisões do Conselho Federal de Medicina

Autores

  • Tiago Lisboa Telles Ferreira

    é diretor jurídico da Fundação Benedito Pereira Nunes professor de ética e direito médico da Faculdade de Medicina de Campos e membro da Comissão de Direito Médico da OAB-RJ.

  • Henderson Fürst

    é doutor em Direito pela PUC-SP. Doutor e mestre em Bioética pelo Cusc (Centro Universitário São Camilo). Professor de bioética do Hospital Israelita Albert Einstein. Diretor da Sociedade Brasileira de Bioética e presidente da Comissão Especial de Biotética da OAB-SP.

15 de março de 2024, 18h18

Há uma grande transformação nas comunicações sociais ocorrendo cotidianamente por conta das diversas plataformas de redes sociais. Se, nos anos 1970, um adulto estava exposto a cerca de 2.000 l marcas por dia, e o uso de mídias correspondiam a cinco horas diárias, hoje, estima-se que ultrapassamos 10 mil marcas ao longo das mais de dez horas de consumo diário de mídias. É um verdadeiro ruído e estresse de comunicação disputando a atenção — este artigo, inclusive, precisará ser breve para que talvez seja lido.

Este é o cenário que levou o Conselho Federal de Medicina a modificar as suas diretrizes éticas para propaganda e publicidade médica. As regras estabelecidas na Res. CFM 1.974/2011 eram substancialmente restritivas, graças à preocupação — mais de que justa — de coibir a mercantilização da medicina, sensacionalismo, autopromoção ou concorrência desleal.

A recomendação dos Conselhos Regionais de Medicina e dos advogados das áreas de ética e direito médico eram no sentido de que o médico se abstivesse de apresentar, numa mesma rede social, a vida pessoal e a atuação profissional.

O problema é que isto impediu que os profissionais médicos se comunicassem com os meios mais atuais e adequados para realmente transmitir suas mensagens de saúde, cuidado, prevenção e atenção.

A vedação da divulgação de determinados conteúdos, selfies e fotografias com pacientes ou seus eventuais agradecimentos, acabou por se contrapor ao lado mais humano da medicina, comprometendo a percepção de autenticidade e de confiabilidade dos médicos.

Reprodução

Esta pode ser considerada como uma das causas-raiz associadas ao distanciamento percebido na relação médico-paciente. Muitos médicos, por discordarem das regras vigentes até então, se colocaram em situações difíceis perante os Conselhos Regionais de Medicina diante de convocações, sindicâncias e processos ético-disciplinares relacionados à propaganda e/ou publicidade incompatíveis com a Resolução CFM nº 1.974/2011.

Este cenário levou o Conselho Federal de Medicina (CFM) a estudar o tema de maneira profunda ao longo de três anos e, após inúmeras reuniões e o recebimento de 2.656 sugestões em consulta pública[1], vieram as novas diretrizes e limites éticos da propaganda e publicidade médica.

A resolução da autopromoção

A Resolução CFM nº 2.336/2023 foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) do dia 13/9/2023 e entrou em vigor em 11/03/2024, trazendo uma grande mudança de paradigma para médicos, instituições de saúde e — não menos — pacientes.

É claro que a mercantilização, sensacionalismo, autopromoção e concorrência desleal continuam vedados, como se espera que permaneçam nas normativas que se proponham a revisar o tema no futuro.

O aprofundamento sobre as novas regras não será objeto deste texto; o objetivo aqui é suscitar uma reflexão sobre as sindicâncias e processos ético-profissionais, pendentes de julgamento ou com condenações transitadas em julgado, decorrentes da veiculação de propaganda e/ou publicidade incompatíveis com a Resolução CFM nº 1.974/2011.

É preciso lembrar que direito administrativo sancionador, aplicável a estes casos, busca suas fontes subsidiárias no direito penal. Dentre os princípios e regras emprestados do direito penal, cumpre destacar a abolitio criminis e a novatio legis in mellius.

A primeira se encontra insculpida na Constituição de 1988, em seu artigo 5º, inciso XL, que preconiza que “lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”; a segunda se encontra insculpida no Código Penal, em seu artigo 2º, que preconiza que “ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória” e, em seu parágrafo único, destaca que “a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”.

Sua aplicabilidade ao direito administrativo sancionador, inclusive, é referida por Igor Coelho Wenzel [2] (4): “o direito penal empresta várias garantias ao direito administrativo sancionador. Portanto a irretroatividade da lei penal gravosa e retroatividade da lei penal benéfica serão aplicadas ao processo ético-disciplinar que apura as condutas do médico”.

No âmbito do direito administrativo sancionador que se dá na deontologia médica, também se aplica o mesmo sentido, como reconhece a clássica lição de Genival Veloso de França [3]:

“Ninguém também poderá ser condenado por fatos que o Código atual deixou de considerar como infração, mesmo que essa infração tivesse ocorrido na época de vigência do diploma anterior.”

No mesmo diapasão, veja-se a lição de Eduardo Dantas [4]:

“Um processo ético é também um processo penal — busca suas fontes subsidiárias neste último —, visto que penalidades são estabelecidas na hipótese de descumprimento do Código de Ética Médica e demais Resoluções do CFM, e é justamente em razão desse caráter subsidiário do direito processual penal que se deve harmonizar o entendimento, em obediência aos princípios e garantias gerais do Direito.”

Diante disto, a conclusão é a de que médicos que se encontram diante de sindicâncias e processos ético-profissionais pendentes de julgamento decorrentes da veiculação de propaganda e/ou publicidade incompatíveis com a Resolução CFM nº 1.974/2011 deverão ser absolvidos e, se for o caso de condenações transitadas em julgado, poderão se socorrer do instituto da revisão preconizado na Resolução CFM nº 2.306/2022 para que se vejam livres do registro e aplicação das sanções correlatas.

 


[2] WENZEL, Igor Coelho. Manual do Médico Processado. Vol. I – Parte Geral. 2. ed. Petrolina: Ed. Petrolina, 2021, p. 60.

[3] FRANÇA, Genival Veloso. Comentários ao Código de Ética Médica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan: 2021, p. 07.

[4] DANTAS, Eduardo. Processos Ético-Profissionais no âmbito dos Conselhos Regionais de Medicina: da necessidade de adequação ao ordenamento jurídico em questões relativas à prescrição. IN: ARRUDA ALVIM, José Manual et al (org.). Direito Médico: Aspectos Materiais, Éticos e Processuais. São Paulo: Ed. RT, 2021, p. 193

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  • é diretor jurídico da Fundação Benedito Pereira Nunes, professor de ética e direito médico da Faculdade de Medicina de Campos e membro da Comissão de Direito Médico da OAB-RJ.

  • é doutor em Direito pela PUC-SP. Doutor e mestre em Bioética pelo Cusc (Centro Universitário São Camilo). Professor de bioética do Hospital Israelita Albert Einstein. Diretor da Sociedade Brasileira de Bioética e presidente da Comissão Especial de Biotética da OAB-SP.

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