Parte legítima

Espólio de vítima de Brumadinho pode ajuizar ação de reparação de danos

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15 de março de 2024, 15h49

A 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a legitimidade do espólio de um operador de equipamentos da Vale S.A. para pedir na Justiça a reparação de danos decorrentes de sua morte no rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), em janeiro de 2019.

Operador de equipamentos morreu no rompimento da barragem de Brumadinho

O que diferencia este caso de outros julgados pela Justiça do Trabalho é o fato de a indenização ter como origem os danos causados diretamente ao trabalhador, e não ao chamado “dano em ricochete” sofrido por seus familiares.

Com a decisão, o caso retornará ao Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, que havia mantido a extinção do processo por entender que o espólio não era parte legítima para apresentar a ação.

Espólio

O espólio é o conjunto de bens, direitos e obrigações deixados pela pessoa que morre, e seus destinatários são os seus herdeiros. Esse conjunto é administrado pelo inventariante, pessoa designada para gerir temporariamente o patrimônio até que o processo de inventário seja concluído e os bens sejam partilhados entre os herdeiros.

Resultado morte

O trabalhador, na época com 34 anos, era empregado da Vale desde 2010 e tinha um filho de três anos. A ação trabalhista foi ajuizada por sua esposa na condição de inventariante, ou seja, a responsável pelo espólio. O objetivo era obter a reparação dos danos diretamente causados ao operador pela perda da própria vida.

Um dos argumentos era o de que a Vale, comprovadamente culpada pelo rompimento, estava até agora impune e isenta de responsabilidade por esse “resultado morte”, pois não havia nenhuma outra ação em curso em que o trabalhador (ou seu espólio) reclamasse os danos sofridos diretamente por ele.

Nome próprio

O juízo da 6ª Vara do Trabalho de Betim entendeu que o espólio não poderia pedir a indenização, por não ser titular de nenhum direito. Os titulares, segundo a sentença, seriam os herdeiros, que deveriam ajuizar ações em nome próprio. A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG).

Precariedade

A relatora do recurso de revista do espólio, ministra Kátia Arruda, observou que a morte do trabalhador no rompimento da barragem demonstra a precariedade de sua segurança, que o expunha a situação de risco durante a execução do contrato de trabalho. “Ou seja, os danos já vinham sendo causados ao trabalhador de forma constante”, assinalou.

Nessa circunstância, o TST tem entendido que, considerando que o empregador tem controle e direção sobre a estrutura, a dinâmica, a gestão e a operação da unidade em que o acidente ocorreu, sua culpa é presumida, surgindo o dever de indenizar.

Patrimônio jurídico

De acordo com a ministra, uma vez reconhecido o acidente de trabalho, a reparação dos danos sofridos se incorpora ao patrimônio jurídico da vítima e, no caso da morte do seu titular, o espólio tem legitimidade para pedi-la em juízo.

Ela lembrou que, conforme o artigo 943 do Código Civil, o direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la se transmitem com a herança. No mesmo sentido, citou a Súmula 642 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Ou seja, o que se transmite é o direito à indenização, tendo os herdeiros, através do espólio, legitimidade para requerer a indenização ou nela prosseguir, caso já tenha sido ajuizada pela vítima”, destacou.

Distinção

A ministra observou, ainda, que o debate dos autos é diferente de situações comumente analisadas pelo TST envolvendo Brumadinho. “O que se pretende aqui é o reconhecimento de que o empregado que faleceu por ocasião de um acidente do trabalho tenha tido – ele próprio – direito violado passível de reparação”, explicou. Considerando que a eventual indenização passa a integrar a universalidade dos bens que compõem a herança, o espólio é titular do direito de reivindicá-lo em juízo.

Análise preliminar

Por fim, a relatora ressaltou que a discussão, nesse julgamento da Turma, diz respeito apenas à legitimidade do espólio. “A procedência ou não do direito à indenização pretendida é matéria que diz respeito ao mérito da causa”, concluiu.

A decisão foi unânime.

Sobrinha e tia

Em outros dois casos envolvendo Brumadinho, a Sétima e a Oitava Turmas do TST reconheceram o direito a indenização de uma sobrinha e de uma tia de vítimas pelos danos em ricochete, indiretamente causados pela morte dos trabalhadores.

O caso julgado pela Sétima Turma diz respeito à sobrinha de um empregado terceirizado da Vale. Embora com mais de 18 anos, ela tem microcefalia e órfã de pai, e o tio havia assumido esse papel. Na ação, sua mãe relata que, incapaz de entender a morte, ela teve de tomar remédios para depressão e ansiedade. Ela obteve o direito a indenização de R$ 50 mil.

Para o relator do recurso da Vale, ministro Evandro Valadão, o quadro descrito pelo TRT demonstra a consistência do vínculo afetivo entre a sobrinha e o tio, reforçada pela condição de saúde da moça e pela carência paterna. Para mudar esse entendimento, seria necessário rever os fatos e as provas, procedimento vedado pela Súmula 126 do TST.

De modo semelhante, a Oitava Turma restabeleceu sentença que havia deferido indenização de R$ 100 mil à tia de um trabalhador terceirizado morto no rompimento. Ela alegava ter sido privada do convívio do sobrinho, que morava em bairro vizinho e com quem tinha uma relação maternal.

Para a relatora, ministra Delaíde Miranda Arantes, ficou comprovada a estreita relação entre eles. Segundo ela, não há impedimento para que os parentes da vítima, sobretudo os ligados a ela por relação sanguínea, como no caso, peçam reparação. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

Ag-RR 10086-85.2021.5.03.0163
AIRR 10465-26.2021.5.03.0163
ARR 10247-95.2020.5.03.0142

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