Opinião

Consórcios em licitações: questões concorrenciais atuais e posicionamentos do Cade

Autores

  • Rodrigo Belon

    é sócio da área concorrencial do Cescon Barrieu.

  • Mário Saadi

    é sócio de Direito Público e Infraestrutura do Cescon Barrieu Flesch & Barreto Advogados. É professor do mestrado profissional da FGV Direito SP. Doutor (USP/2018) mestre (PUC-SP/2014) e Bacharel (FGV-SP/2010) em Direito.

6 de março de 2024, 11h19

O número de investigações e negociação de acordos coletivos relativos a temas concorrenciais em licitações públicas deve aumentar a partir do acordo assinado entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a Controladoria Geral da União (CGU).

O Acordo de Cooperação Técnica (ACT), firmado no final de 2023, permitirá o aperfeiçoamento dos fluxos de trabalho que envolvam condutas que possam ser investigadas e punidas pelas duas autoridades. Também possibilita o compartilhamento de informações e bases de dados.

A parceria entre Cade e CGU, cujo sistema de enforcement está materializado na Lei 12.529/2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, e na Lei 12.846/2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, não representa movimento isolado.

Os dois órgãos já celebraram acordos com agências reguladoras [1] e demais entes públicos para ampliar suas capacidades no combate à corrupção e às fraudes em licitações. A iniciativa entre as duas instituições ocorre em momento de tendência mundial de retorno de buscas e apreensões, no contexto de investigações relativas à anticorrupção e antitruste, com foco na retomada de investigações sobre cartel em licitações.

Licitações e o novo PAC

Esse movimento pode ser representativo no Brasil, tendo em vista a centralidade do tema das licitações para desenvolvimento da infraestrutura nacional. Em 2023, concessões comuns e parcerias público-privadas atingiram o maior número de editais de licitação publicados no país em quatro anos. Foram publicados 440 editais de licitação, indicando potencial aumento no fluxo de investimentos em diversas áreas [2].

Na mesma toada, o denominado “Novo PAC” deve garantir investimentos de R$ 1,7 trilhão em diversos projetos de infraestrutura, transição energética e neoindustrialização. Dentre os investimentos, 91% do total, cerca de R$ 1,5 trilhão, será direcionado à transição energética, cidades sustentáveis e infraestrutura hídrica e de transporte/mobilidade [3].

Spacca

Adicionalmente, conforme a pesquisa “Barômetro da Infraestrutura Brasileira”, conduzida pela Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) e EY, os setores com maior perspectiva de investimentos para os próximos anos são saneamento básico, energia elétrica, rodovias, mobilidade urbana, petróleo e ferrovias.

Entretanto, a pesquisa também demonstra diminuição no grau de segurança jurídica para investimentos em concessões e PPPs no segmento de infraestrutura no Brasil, o que pode engajar o Poder Executivo a adotar procedimentos de compliance e due diligence para fins de reverter tal perspectiva [4].

Consórcios e concorrência
Algo que pode ser colocado, neste contexto de lançamento de novas licitações, participação privada em projetos de infraestrutura e atendimento a normas concorrenciais, é a questão da formação de consórcios entre empresas para fins de participação em certames.

Uma questão trazida à tona é se a possibilidade de formação de consórcios para participação em licitações e o não-enquadramento de consórcios como ato de concentração passível de aprovação pelo Cade representariam imunidades à análise antitruste do acordo de participação em consórcio em licitação celebrado entre potenciais concorrentes.

Neste ponto, podem ser contrastados o artigo 15 da Lei 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações) e o artigo 90, parágrafo único, da Lei 12.529/2011. O primeiro estabelece que,

“[s]alvo vedação devidamente justificada no processo licitatório, pessoa jurídica poderá participar de licitação em consórcio”. Já o segundo diz que “[n]ão serão considerados atos de concentração […] quando destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes.”

Atuação do Cade

Em vista de tais disposições, seria possível argumentar que a competência do Cade restaria afastada em razão da regulação setorial e dos dispositivos legais mencionados, especificamente para fins de participação de empresas, de maneira consorciada, em licitações públicas?

Gostaríamos de chamar a atenção para o fato de que, para a jurisprudência do Cade, a associação em consórcio para participação em licitações não é uma infração concorrencial per se. Entretanto, caso caracterize redução ou eliminação de competição, necessita ser justificado.

O Cade somente realiza suas análises caso haja indícios de condutas anticompetitivas que extrapolem a mera formação do consórcio e que tenham o claro intuito de fraudar ou prejudicar a livre concorrência.

Vale destacar que a prerrogativa de avaliar a possibilidade ou não de um consórcio participar de um certame é, em essência, do ente que realizada a licitação. Este, por hipótese, teria maior conhecimento da dinâmica dos mercados envolvidos na análise para autorizar a formação e participação do consórcio na disputa. Assim, ainda que haja arrefecimento competitivo, o ente licitante tem prerrogativa para permitir a formação de consórcios, nos exatos termos de cada edital veiculado.

O Cade avaliaria, como exemplo, os seguintes aspectos para determinar se o consórcio é anticompetitivo:

  1. elevada participação de mercado conjunta das empresas integrantes do consórcio;
  2. possibilidade de obtenção das eficiências desejadas sem a celebração de contrato para formação do consórcio;
  3. existência de outros meios menos restritivos à concorrência para a obtenção das eficiências desejadas;
  4. sobreposição entre as atividades das consorciadas, ou seja, atuação no mesmo segmento de mercado. A autarquia entende que consorciadas cuja atuação é complementar representam menos risco ao processo licitatório.

Há exemplos recentes da atuação do Cade na análise de consórcios formados para fins de participação em licitações públicas. Sumarizando os principais argumentos encontrados em processo em que o Cade entendeu pela ausência de ilícito concorrencial na formação de consórcio, teríamos o seguinte:

  1. consórcios formados entre entrantes em determinado mercado seriam menos prejudiciais, não havendo a priori condutas unilaterais que merecessem investigação no caso;
  2. na mesma toada, quando se tratar de um projeto greenfield, sem sobreposição horizontal de atividades e com o compartilhamento de riscos do empreendimento;
  3. empresas consorciadas que se relacionariam apenas verticalmente;
  4. a principal área de atuação das empresas consorciadas não seria relativa ao mercado alvo da licitação, de modo que seriam demandantes do serviço licitado;
  5. não haveria qualquer indício de que as representadas teriam agido de forma colusiva.

Já em caso de apontamento de problemas relativos à formação de consórcio, haveria o seguinte:

  1. empresas consorciadas seriam relacionadas horizontalmente, concorrendo no mercado;
  2. empresas consorciadas seriam as principais empresas com infraestrutura adequada para ofertar o serviço licitado;
  3. empresas consorciadas teriam capacidade individualmente de prestar a atividade desempenhada pelo consórcio;
  4. existência de indícios, segundo o Cade, de que as empresas teriam agido de forma colusiva;
  5. as condutas investigadas dos agentes consorciados decorreriam da própria formação do consórcio — ou seja, esta seria o meio pelo qual seus membros inibiriam a atividades de potenciais concorrentes no mercado.

Conclusão

Esses aspectos indicam que a análise de consórcios para fins de participação em licitação está na ordem de preocupações do Cade, ainda mais quando se considera a retomada do Programa de Aceleração de Crescimento do Governo Federal (PAC).

Empresas que atuam neste contexto, em qualquer esfera federativa, devem estar cientes e considerar os riscos envolvidos em seus planejamentos, caso se deparem com a opção de formação de consórcios para participação em certames públicos, em geral, mas especialmente, em setores de infraestrutura.

 


[1] Para consulta: <https://www.gov.br/cade/pt-br/acesso-a-informacao/convenios-e-transferencias/acordo-nacionais-temp/copy_of_acordos-com-agencias-reguladoras-1>. Acesso em: 26.fev.2024.

[2] Informações disponíveis em: <https://radarppp.com/wp-content/uploads/iradarppp-dezembro-2023-20240109.pdf>. Acesso em: 22.fev.2024. Para informações complementares, conferir: <https://exame.com/brasil/em-2023-editais-de-concessoes-e-ppps-registram-maior-numero-na-historia/>. Acesso em: 21.fev.2024.

[3] Informações disponíveis em: <https://www.gov.br/casacivil/pt-br/novopac/conheca-o-plano>. Acesso em: 20.fev.2024.

[4] Disponível em: <https://www.abdib.org.br/2023/12/05/barometro/>. Acesso em: 22.fev.2024.

Autores

  • Sócio de Direito Concorrencial do Cescon Barrieu Pós-graduado em Defesa da Concorrência e Direito Econômico (FGV) e mestrando em Ciências Políticas – Universidade de Lisboa (ULisboa) Foi Procurador Chefe Adjunto do CADE entre 2018 e 2022

  • é sócio de Direito Público e Infraestrutura do Cescon Barrieu, doutor (USP), mestre (PUC-SP) e bacharel (FGV-SP) em Direito e professor do mestrado profissional da Fundação Getulio Vargas.

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