Prática Trabalhista

Diferenças sobre a prescrição e a decadência no processo do trabalho

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

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  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

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23 de maio de 2024, 8h00

No universo jurídico, há um brocardo jurídico que diz “o direito não socorre aos que dormem”. Nesse sentido, qualquer pessoa poderá se socorrer do Poder Judiciário para buscar os seus direitos, desde que não estejam prescritos ou fulminados pela decadência.

Mas o que seria a prescrição e a decadência? Existe efetiva diferença entre ambas no regramento jurídico brasileiro?

Por certo, considerando as inúmeras dúvidas sobre tais institutos que, aliás, estão no dia a dia forense, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na Coluna Prática Trabalhista, nesta  ConJur [1], razão pela qual agradecemos o contato.

Conceito e diferenças entre a prescrição e decadência

De início, para uma melhor compreensão acerca do tema, oportunos são os ensinamentos de Arnaldo Sussekind, Délio Maranhão, Segadas Viana e Lima Teixeira ao abordar o assunto [2]:

“A prescrição refere-se ao direito de exigir de alguém o cumprimento de uma prestação. O art. 194 do Código Civil alemão, lembrado por Lopes da Costa, dispõe que ‘está sujeito à prescrição o direito de exigir de outrem uma ação ou abstenção’. Já a decadência diz respeito, em geral, ao exercício dos chamados direitos potestativos, ou seja, daqueles que conferem ao seu titular o poder de influir, com a sua manifestação de vontade, sobre a condição jurídica de outrem, sem o concurso da vontade deste.

(…). Ambos – prescrição e decadência -, embora figuras distintas, têm um traço comum: fundam-se no transcurso do tempo. Aos prazos legais extintos (decadência), porém, não se aplicam as regras de suspensão e interrupções das prescrições. Compreende-se: ‘quando’ – escreve Lopes da Costa – ‘o direito do credor depende, para satisfação, de um ato do devedor…pode-se imaginar-se uma série de situações em que haja motivos para que o titular adie o recurso à via judiciária’. Quando, entretanto, a satisfação do direito não depende de algum ato do devedor, á não teria sentido falar em suspensão ou interrupção do prazo para o exercício do direito. A decadência, por outro lado, ao contrário da prescrição, pode ser declarada de ofício, pelo juiz.”

Legislação brasileira

Do ponto de vista normativo, de um lado o inciso XXIX do artigo 7º da Lei Maior [3] dispõe sobre o prazo prescricional, no qual o(a) trabalhador(a) poderá pleitear os direitos decorrentes dos últimos cinco anos, desde que a reclamatória trabalhista seja proposta até dois anos após a extinção do pacto laboral. Lado outro, a CLT em seu artigo 11 [4], que sofreu alterações com a reforma trabalhista, também trata da temática. Já o instituto da decadência possui previsão legal nos artigos 207 a 211 do Código Civil [5].

À vista disso, pode-se dizer que a partir da lesão de um direito, surge para o seu titular a respectiva pretensão de exigi-lo, de sorte que tal reivindicação se extingue pela incidência da prescrição. Vale dizer, quando um(a) trabalhador(a) tem o seu contrato de trabalho extinto, o prazo para ingressar com uma demanda judicial é de até no máximo dois anos contados do desligamento. Passado esse prazo, não poderá mais buscar socorro ao Poder Judiciário trabalhista, em razão da consumação da prescrição bienal.

Exemplo prático

Aliás, é importante lembrar que o direito de cobrar os últimos cinco anos se dará a partir da distribuição da reclamatória trabalhista. A título de exemplo, se um(a) trabalhador(a) foi contratado(a) em 22/5/2022, sendo dispensado(a) em 22/5/2023, ele(a) terá até o dia 22/5/2025 para ingressar com a ação, retroagindo cinco anos a partir da propositura do processo.

Ricardo Calcini tarja

Veja que, no exemplo acima, o(a) trabalhador(a) poderá pleitear todos os direitos da extinta relação jurídica contratual. Diferentemente seria se o(a) autor(a) tivesse iniciado a prestação de serviços em 22/5/2010, com a dispensa ocorrida em 22/5/2023, mediante a propositura da ação somente em 20/5/2025. Nesse caso, ao retroagir os cinco anos, o(a) trabalhador(a) teria direito somente a três anos para reivindicar, porquanto a prescrição quinquenal seria declarada para os créditos anteriores à data de 20/5/2020.

De mais a mais, existem algumas situações em que a prescrição poderá ser interrompida ou suspensa, conforme preceituam os artigos 197 a 204 do Código Civil [6]. De forma diversa, na decadência não há o elastecimento do prazo, de sorte que expirado o lapso temporal, automaticamente haverá a perda do direito potestativo. Em outras palavras, o prazo é fatal, extinguindo, com o decurso do tempo, o próprio direito em si.

Prazo decadencial e a “actio nata

A propósito, sabe-se que, nos termos do artigo 975 do CPC [7], o prazo para a propositura da ação rescisória é de dois anos, contados da data da última decisão transitada em julgada no processo judicial, lembrando que na seara trabalhista o trânsito em julgado se dará por capítulos da decisão (item II da Súmula nº 100 do TST) [8]. Esse prazo é decadencial, de sorte que, se a parte pretender rever uma decisão de mérito, transitada em julgado, só poderá assim reivindicar o corte rescisório no prazo máximo de dois anos, sob pena de “caducar” o direito, ou seja, não poderá mais exigi-lo.

Entrementes, há uma discussão acerca do termo inicial para o início da contagem do prazo decadencial em situações em que acobertada a questão pelo manto da coisa julgada. Isto porque o contrato de trabalho é de natureza de trato sucessivo, e, sendo assim, nos termos do artigo 505, I, do CPC, o julgador não decidirá novamente as questões já decididas, salvo “se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença”.

Se é verdade que o prazo decadencial é fatal e improrrogável, não se pode olvidar, outrossim, que uma das características do pacto laborativo é que este é justamente de trato sucessivo e, em tese, ao se deparar o julgador com uma situação que modificou o estado de fato ou de direito, poderia haver uma postergação do termo inicial da contagem do prazo decadencial a fim de adequar os seus efeitos diferidos à dinâmica dos fatos.

Reflexão jurisprudencial

Sob tal perspectiva, visando a uma maior reflexão sobre o assunto, via de regra, um acordo judicial formado com cláusula de quitação geral, celebrado após o extinto contrato de trabalho, impede, por certo, a discussão de quaisquer outros direitos oriundos da relação empregatícia.

Entretanto, nesse cenário, a coisa julgada irá abranger somente as questões controvertidas relativas ao extinto contrato de emprego passíveis de reivindicação por ocasião da avença? Ou não? Como ficariam os direitos supervenientes nascidos após a celebração da transação judicial?

Neste cenário, num determinado caso em concreto, a Corte Superior Trabalhista foi provocada a emitir um juízo de valor sobre uma discussão envolvendo pedido de demissão justamente no período em que o(a) trabalhador(a) estava aposentado(a) por invalidez [9].

Em seu voto, o ministro relator ponderou:

“Assim, ante a precariedade da concessão da aposentadoria por invalidez e a possibilidade do seu cancelamento a qualquer tempo, mormente porque o benefício é pago enquanto o segurado permanecer na condição de incapacidade, não há como reconhecer validade a rescisão contratual, ainda que o empregado tenha formulado pedido de demissão, por se tratar de direito irrenunciável.”

Bem por isso, no caso acima citado, ainda que diante de um pedido de demissão, e ultrapassado o prazo para alegar qualquer nulidade ou vício de consentimento, considerando a suspensão do contrato de trabalho em virtude da aposentadoria por invalidez, não haveria que se falar em fluência do prazo decadencial. Isto porque se trata de um direito irrenunciável do(a) autor(a), de sorte que se não há como reconhecer o pedido de iniciativa de desligamento nessa conjuntura, tampouco o prazo decadencial poderia fluir.

Conclusão

Em arremate, é cediço que os institutos da prescrição e da decadência têm por finalidade trazer a tão esperada segurança jurídica e pacificação dos conflitos sociais. Contudo, em se tratando o contrato de trabalho de um pacto de trato continuado e sucessivo, com a projeção para o futuro dos seus efeitos jurídicos, em que há possibilidade de modificações de ordem fática e jurídica no tempo, deve-se analisar a casuística com cuidado a fim de evitar retrocessos e injustiças sociais.

 


[1] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[2] Instituições de direito do trabalho, volume II – São Paulo: LTr, 2005. Página 1528 e 1529.

[3] CF, art. 7º, XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho

[4] CLT, Art. 11.  A pretensão quanto a créditos resultantes das relações de trabalho prescreve em cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.

[5] CC, Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.

CC, Art. 208. Aplica-se à decadência o disposto nos arts. 195 e 198, inciso I.

CC, Art. 209. É nula a renúncia à decadência fixada em lei.

CC, Art. 210. Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei.

CC, Art. 211. Se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação.

[6] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 20.5.2024.

[7]  CPC, Art. 975. O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.

[8] SUM-100 AÇÃO RESCISÓRIA. DECADÊNCIA (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 13, 16, 79, 102, 104, 122 e 145 da SBDI-II) – Res. 137/2005, DJ 22, 23 e 24.08.2005. […] II – Havendo recurso parcial no processo principal, o trânsito em julgado dá-se em momentos e em tribunais diferentes, contando-se o prazo decadencial para a ação rescisória do trânsito em julgado de cada decisão, salvo se o recurso tratar de preliminar ou prejudicial que possa tornar insubsistente a decisão recorrida, hipótese em que flui a decadência a partir do trânsito em julgado da decisão que julgar o recurso parcial.

[9] Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=1219&digitoTst=28&anoTst=2010&orgaoTst=5&tribunalTst=08&varaTst=0106&submit=Consultar. Acesso em 20.5.2024.

Autores

  • é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (Ius Gentium Coninbrigae), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

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