Caso Moro

Contexto local torna impossível fixar 'número mágico' para julgar pré-campanha

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23 de maio de 2024, 14h33

A existência de diferentes contextos eleitorais regionais e a completa falta de previsão em lei sobre a pré-campanha torna inviável que a Justiça Eleitoral fixe critérios objetivos para definir quando ocorre o abuso de poder econômico pelo excesso de gastos nesse período.

sede prédio TSE

TSE abordou o tema sem ter balizas legais ou jurisprudenciais para julgamento

A dificuldade foi enfrentada no julgamento em que o Tribunal Superior Eleitoral rejeitou a cassação do senador Sérgio Moro (União Brasil-PR), que teria obtido vantagens ilícitas por iniciar pré-campanha à presidência para, depois, concorrer ao Senado.

Moro quis ser presidente entre novembro de 2021 e março de 2022, enquanto esteve filiado ao Podemos. Depois, passou ao União Brasil e tentou se viabilizar como candidato ao Senado por São Paulo até, a partir de junho, ter de se contentar com a disputa no Paraná.

O Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) rejeitou a ocorrência de abuso. No TSE, os ministros se depararam com duas dificuldades: definir quais gastos poderiam ser considerados como de pré-campanha e qual montante seria suficiente para configurar o abuso.

Um dos critérios sugeridos pelos autores das duas ações — o PL e a Coligação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV) — foi a comparação com o teto de gastos do cargo para o período oficial de campanha, que se inicia em 16 de agosto e vai até a data da eleição.

Moro gastou, nas contas do relator, R$ 777 mil na pré-campanha — sem saber o que é gasto de pré-campanha e qual período pode ser computado, as estimativas variaram drasticamente de acordo com os autores da ação, o Ministério Público Eleitoral e a defesa do senador.

Esse valor representa 17,4% do teto de gastos para a campanha o Senado no Paraná. Por unanimidade, o TSE rejeitou a ocorrência de abuso, mas sem fixar um percentual para indicar a partir do qual o ilícito existiria.

Mais do que isso, fez-se questão de ressaltar que não há um critério de “número mágico” apto a balizar essa análise.

Para advogados eleitoralistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, o tribunal acertou. Eles destacam que a definição dessas regras precisa ser feita pelo Legislativo. Enquanto isso, a ocorrência de abuso vai depender da análise de cada contexto.

Floriano de Azevedo Marques 2024

Floriano de Azevedo Marques rejeitou critério dos “números mágicos”

Caso a caso

Relator dos recursos contra Moro no TSE, o ministro Floriano de Azevedo Marques destacou em seu voto que a fixação de parâmetros abstratos para definir o abuso de poder econômico iria de encontro ao tratamento jurisprudencial dado ao tema.

Isso porque trata-se de um ilícito de conceito aberto. “Depende do exame da conduta e do pleito cuja legitimidade se busca tutelar. A análise dos gastos não deve se ater ao corte matemático de 10%, devendo-se considerar outros elementos úteis”.

O percentual de 10% foi sugerido porque foi o adotado pelo TSE para rejeitar as contas prestadas por Selma Arruda, eleita senadora pelo Mato Grosso em 2018 e cassada justamente por ilícitos praticados na pré-campanha.

Uma das irregularidades foi de omissão de despesas com serviços de publicidade, em valor que excedeu 10% do total de despesas. Foi com esse crivo que o relator, ministro Edson Fachin, manteve a rejeição de contas. O critério não vale para apurar o abuso de poder econômico.

Ao votar no caso Moro, o ministro Alexandre de Moraes deixou claro que o TSE afastou o critério do “número mágico”, assim como já havia afastado o das “palavras mágicas” para julgar propaganda ilícita na pré-campanha.

“O percentual pode ser um indicador. Mas um valor que para a campanha ao Senado pelo Paraná pode ser gigantesco e que, para deputado federal, seria maior ainda, para senador por São Paulo é menor e, para presidente, insignificante”, explicou.

Para Alexandre de Moraes, “pré-campanha é campanha”

Sem mágica

O problema de fixar um percentual específico para o gasto em campanhas é que existem muitos contextos regionais e locais que devem ser considerados e que podem influenciar significativamente, como explica o advogado Roosevelt Arraes.

“Por exemplo, em uma campanha para vereador em um município pequeno, fixar um teto máximo de 10% para os gastos de pré-campanha seria quase nada. Isso poderia levar a muitas situações de cassação por abuso de poder econômico na pré-campanha.”

A advogada Carla Karpstein tem a mesma opinião. Ela afirma que a conduta abusiva grave está intrinsicamente ligada à eleição onde ela se apresenta, ao número de eleitores possivelmente atingidos e ao alcance geral de tal conduta.

“A conduta abusiva praticada em um município de 5 mil eleitores e em um estado com 11 milhões influenciará de maneira muito diversa o voto daqueles por ela atingidos. Vale lembrar que o abuso é aquilo que ‘salta aos olhos’, ou seja, uma conduta que até aquele que não conhece o direito consegue perceber.”

Já o advogado Leandro Rosa aponta que a posição do TSE reflete a complexidade e a diversidade dos contextos eleitorais, reconhecendo que um critério uniforme poderia não capturar adequadamente todas as variáveis envolvidas em cada campanha.

“A abordagem adotada pelo TSE permite uma análise mais justa e precisa, ajustando-se às realidades específicas de cada campanha eleitoral. E, mais do que isso, impõe uma obrigação-convite que o Legislativo ocupe-se logo de tratar desse tema, de forma adequada.”

Pré-campanha é campanha

Os três advogados são unânimes ao apontar que a Justiça Eleitoral não tem brecha para avançar sobre a definição desse critério. Não há nenhuma legislação sobre a pré-campanha. O artigo 36-A da Lei das Eleições se limita a tratar de questões da propaganda no período.

Leandro Rosa destaca que todos os aspectos da pré-campanha precisam ser tratados com maior transparência e objetividade. Entre eles, limite e tipos de gastos, prestação de contas, propaganda eleitoral, sanções e penalidades.

“É preciso objetivamente deixar claro se esta fase da disputa eleitoral será regulada para avaliação da Justiça Eleitoral ou não; e, se for, em que medida isso vai acontecer. Senão, haverá espaço para interpretações subjetivas e dúvidas fundadas que podem levar à condenações injustas.”

Carla Karpstein relembra que o tema foi profundamente impactado pela minirreforma eleitoral feita pela Lei 13.165/2015, que encurtou a campanha. Até 16 de agosto — e desde muito antes disso—, os pré-candidatos vão se ocupar de viagens, eventos, entrevistas.

É esse cenário que levou o ministro Alexandre de Moraes a declarar no julgamento do caso Moro que “pré-campanha é campanha”. “Nós acabamos, no Brasil, fazendo essa divisão, mas sem uma objetividade maior. Se verificarmos outros países, candidato é candidato.”

“A regulamentação da pré-campanha através de legislação própria está quase cinco eleições atrasada e não há, no horizonte legislativo, movimentos para tal adequação. A razão é clara: deputados e senadores não têm interesse em estabelecer regras nessa seara para eles mesmos”, diz Carla.

Roosevelt Arraes acrescenta que a prestação de contas, no modelo atual, só vale para o período após 16 de agosto. Os gastos anteriores entram na conta das atividades do partido, o que gera discussões e acusações de caixa dois, como no caso Moro.

“Se vamos reconhecer a pré-campanha como um ato relevante a ser fiscalizado, precisamos pensar em uma forma de regulamentar os gastos e a prestação de contas da pré-campanha no período eleitoral”, avalia.

RO 0604176-51.2022.6.16.0000
RO 0604298-64.2022.6.16.0000

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