contas não prestadas

Eleitoralistas defendem definição de regras para gastos de pré-candidatos

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15 de fevereiro de 2024, 8h45

No início deste mês de fevereiro, o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) desmarcou o julgamento de duas ações eleitorais contra o senador Sergio Moro (União-PR). O ex-juiz foi pré-candidato a presidente da República nas eleições de 2022, mas desistiu e concorreu ao Senado. O principal argumento dos processos é que a exposição do ex-juiz na pré-campanha à Presidência e a verba utilizada influenciaram na disputa pela vaga de senador no Paraná.

Pré-candidatos não têm obrigação de prestar contas à Justiça Eleitoral

Hoje, não existem muitas regras para as pré-campanhas eleitorais. Especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico defendem uma regulamentação, para definir o que e quanto pode ser gasto.

Contexto
A campanha eleitoral só começa oficialmente após o registro das candidaturas. Com isso, são abertas as contas bancárias próprias da campanha, para que a Justiça Eleitoral possa fiscalizar o uso dos valores arrecadados e exigir a prestação de contas dos candidatos.

Antes disso, não há obrigação de prestação de contas. Os próprios pré-candidatos ou partidos devem arcar com eventuais despesas.

A Lei 13.165/2015 (conhecida como minirreforma eleitoral) alterou diversas regras eleitorais: reduziu o tempo das campanhas, criou um teto de gastos para elas — regulamentado pelo Tribunal Superior Eleitoral a cada eleição — e passou a permitir a pré-campanha.

Na prática, a norma autorizou pré-candidatos a divulgarem seu nome, dizerem que concorrerão a determinado cargo, exporem suas pretensões e promoverem reuniões abertas para discutir planos de governo. Por outro lado, não podem pedir voto.

O TSE, então, passou a entender que pré-candidatos podem se expor nas redes sociais, fazer eventos custeados pelos seus respectivos partidos para discutir estratégias de campanha e, ainda, gastar recursos — por exemplo, para impulsionar postagens —, desde que moderados.

A jurisprudência da Corte considera que atos de pré-campanha eleitoral não podem extrapolar os limites impostos aos atos de campanha. Ou seja, tudo o que é proibido durante o período oficial de campanha também é proibido na pré-campanha. Isso vale para outdoors e distribuição de brindes, por exemplo.

Da mesma forma, tudo o que é permitido na campanha oficial, como gravação de vídeos e distribuição de materiais impressos, também é permitido na pré-campanha — desde que não haja pedido explícito de votos.

Mas, na divulgação da pré-campanha, os gastos precisam ser compatíveis com as possibilidades de um pré-candidato médio. A ideia é que outros virtuais concorrentes também possam arcar com o valor. Isso barra gastos extraordinários ou muito significativos, embora não haja um parâmetro específico definido.

Lacuna
“Entendo que seja necessária e urgente a criação de regras mais claras sobre a pré-campanha, até porque as candidaturas, atualmente, têm se iniciado um dia após a eleição”, aponta Lígia Vieira de Sá e Lopes, analista judiciária do TRE do Ceará.

Para ela, “disciplinar os gastos e despesas é oferecer ao processo democrático igualdade de condições e maiores garantias de proteção ao abuso de poder econômico e ao uso de caixa dois”.

Ex-juiz e senador Sergio Moro é alvo de ações eleitorais por gastos na pré-campanha

De acordo com a analista, a regulamentação da pré-campanha seria benéfica aos próprios pré-candidatos, que poderiam “atuar dentro da legalidade, sem ter seu direito de promoção pessoal cerceado”.

O advogado Arthur Rollo, especialista em Direito Eleitoral, concorda que o sistema eleitoral brasileiro precisa de regras mais claras para esse período: “Não faz sentido ter limites na campanha e não ter limites na pré-campanha”.

Segundo ele, a falta de regras mais precisas faz com que certos pré-candidatos exagerem nos gastos. “Na prática, tem gente gastando mais que o dobro do limite da campanha na pré-campanha”, diz.

“De fato, falta uma regulamentação mais clara”, confirma o advogado eleitoralista Fernando Neisser. Para ele, a responsabilidade inicial sobre o tema é do Congresso. Mas, enquanto isso não ocorre, o TSE tem a tarefa de definir as regras — tanto ao analisar os casos concretos quanto na sua tarefa de órgão regulador das eleições.

Gastos possíveis
Na visão de Neisser, um dos pontos importantes a ser definido em uma eventual regulamentação diz respeito aos tipos de gastos possíveis na pré-campanha.

Ele considera que os gastos permitidos nas pré-campanhas deveriam ser aqueles relacionados às ações previstas no artigo 36-A da Lei das Eleições. O dispositivo compila as situações que não configuram propaganda eleitoral antecipada — desde que não envolvam pedido explícito de voto.

Dentre as condutas autorizadas pelo artigo estão a menção à pretensa candidatura; a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos; a participação em programas, debates ou entrevistas nos meios de comunicação; e a organização de reuniões para discutir planos de governo e alianças ou para divulgar ideias, objetivos e propostas.

De acordo com Neisser, não deveriam ser autorizados “gastos que teriam de ser feitos na campanha ou que, feitos antes, se prestam a antecipar um gasto de campanha”. O objetivo é que essas despesas não sejam retiradas da prestação de contas da campanha.

Lopes também defende que os gastos permitidos sejam aqueles que não configuram campanha eleitoral antecipada. Ela lembra que outdoors, comícios, carreatas, distribuição de brindes e veiculação de publicidade com pedido explícito de voto nos meios de comunicação já são proibidos antes do período destinado à propaganda eleitoral.

Limites
Outro objetivo da regulamentação seria definir o que é ou não um gasto moderado para a pré-campanha. Neisser defende a adoção do parâmetro usado pelo TSE na análise de prestações de contas das candidaturas. A Corte considera irrelevantes as irregularidades que atinjam até 10% do total das despesas da campanha.

“Se o TSE entende que 10% do valor da campanha é algo tão irrelevante que não leva nem mesmo à desaprovação das contas, este me parece o melhor valor a se considerar para a pré-campanha”, assinala.

Em 2019, TSE cassou mandato da senadora Selma Arruda por gastos na pré-campanha

Como exemplo, ele cita o caso da ex-senadora Selma Arruda (Podemos-MT) — conhecida nas urnas como Juíza Selma, por ser magistrada aposentada. O TSE cassou seu mandato em 2019, devido aos gastos exorbitantes na pré-campanha. Nesse período, ela recebeu um empréstimo de R$ 1,5 milhão, que foi usado para contratar empresas de pesquisas e de marketing.

“O valor gasto era muito alto e muito maior do que 10% do teto da campanha para senadores por Mato Grosso”, explica. Além disso, a despesa era típica de campanhas — sua finalidade não se enquadra nas hipóteses do artigo 36-A da Lei das Eleições.

Rollo também considera razoável, no período de pré-campanha, o limite de 10% dos gastos permitidos para as campanhas do cargo em disputa. Mas ressalta que é preciso delimitar a data de início das despesas de pré-campanha. Ele sugere o início de março, “quando todo mundo começa a pensar nas eleições, para valer”.

Na visão do advogado, outro limite importante a ser definido em uma regulamentação é o limite de valores usados para impulsionar conteúdo nas redes sociais durante a pré-campanha.

Já Lopes considera como limite adequado de gasto na pré-campanha “uma média entre 20 e 30% do teto a ser gasto em campanha”.

Em texto publicado na coluna de Direito Eleitoral da ConJur, Allan Titonelli Nunes, desembargador substituto do TRE-RJ e procurador da Fazenda Nacional, já defendeu que o limite de gastos para um pré-candidato médio deve ser estabelecido entre 10% e 20% do valor total permitido para o cargo em disputa.

Alternativa à regulamentação
A advogada Gabriela Shizue Soares de Araujo, que também atua com Direito Eleitoral, entende que a Lei das Eleições, a minirreforma eleitoral e a jurisprudência do TSE “já trazem elementos suficientes para regulamentar de alguma forma os gastos despendidos na pré-campanha”.

Ela destaca que, “como a campanha não tem início oficialmente antes do registro das candidaturas, não há como a Justiça Eleitoral pedir prestação de contas ou fiscalizar os gastos despendidos, exceto se houver alguma denúncia ou evidência de abuso por parte de determinada pré-candidatura”.

Há, ainda, uma grande lista de “condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais”, prevista no artigo 73 da Lei das Eleições. Para Araujo, essas situações “podem também se estender à fase da pré-campanha”.

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