Opinião

Ação civil pública trabalhista e desafios dos acordos empresariais com MPT

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3 de maio de 2024, 13h22

O Ministério Público do Trabalho detém legitimidade ativa para promover ações coletivas visando à proteção dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos trabalhadores.

Esse entendimento ganhou especial destaque em recente decisão, proferida à unanimidade, da 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (Processo 542-86.2020.5.10.0010).

No caso em questão, o MPT ajuizou uma ação civil pública consubstanciada na demonstração de descumprimento de direitos trabalhistas, após a morte de um trabalhador, devido ao rompimento de um andaime, e o ferimento de outro.

As alegações do MPT indicaram que o acidente resultou do não atendimento, por parte da empresa empregadora, de normas regulamentares de segurança em um canteiro de obras.

Embora em segunda instância tenha sido declarada a ilegitimidade do MPT, sob o argumento de que o acidente era um evento isolado envolvendo apenas dois trabalhadores, o TST divergiu dessa conclusão e enfatizou que a questão envolve, de fato, aspectos inerentes ao ambiente laboral, destacando especificamente a segurança no trabalho.

Legitimidade

O relator do caso, ministro Douglas Alencar Rodrigues, afirmou em seu voto que, mesmo diante da interpretação regional de que os direitos em discussão eram de natureza heterogênea, por dizerem respeito tão somente a dois trabalhadores, a controvérsia submetida a julgamento remete-se ao meio ambiente laboral, em particular à segurança no trabalho.

Portanto, o magistrado argumentou que se há indícios de que a empresa falhou em proporcionar um ambiente laboral seguro aos colaboradores, devido ao descumprimento de várias normas, então o MPT detém legitimidade e interesse de agir para intervir.

Divulgação

Nesse contexto, torna-se vital compreender não apenas quem pode propor uma ação civil pública trabalhista, mas também quando é cabível, seus requisitos e efeitos, assim como a dinâmica dos acordos entre empresas e o MPT.

Em um cenário marcado por desafios constantes em relação à segurança e saúde no ambiente laboral, a ação civil pública trabalhista emerge como uma ferramenta imprescindível para a fiscalização da lei, promoção da justiça social e, especialmente, para buscar a responsabilização das empresas que negligenciam suas obrigações legais.

No caso recentemente julgado pelo TST, o trágico acidente decorrente do descumprimento de normas de segurança ilustra vividamente a necessidade de uma atuação proativa e firme do MPT na defesa dos direitos dos trabalhadores, que possuem uma vulnerabilidade frente ao empregador.

Competência

Mas quem, afinal, pode ingressar com uma ação civil pública trabalhista e quais são os critérios para sua propositura?

A competência para tal é do próprio MPT, sendo também legitimados para a ação os sindicatos/associações. A ação pode ser proposta quando há violação ou ameaça de lesão a direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos dos trabalhadores. Os requisitos e procedimentos seguem um rito específico, garantindo transparência e efetividade ao processo.

É importante compreender que a ação civil pública não apenas visa a reparar danos individuais, mas, principalmente, a promover ações de caráter preventivo e coletivo, com o objetivo de implementação de políticas e práticas que assegurem melhores condições de trabalho para todos. Afinal, seu objeto não se restringe à punição de empregadores por irregularidades, mas a construção de um ambiente laboral justo, saudável e seguro para todas as partes envolvidas.

Acordos e desafios

Nesse sentido, no âmbito dessas ações, merecem destaque os acordos que são celebrados entre empresas e o MPT, originados dessa atuação ativa do ente ministerial. Essas composições representam, além de uma oportunidade de resolução ágil e eficiente dos litígios, um compromisso público das empresas em adotar medidas preventivas, corretivas e eficazes em suas operações, frente à própria função social da atividade empresarial.

Contudo, os resultados decorrentes dessa solução dependem da cooperação e do comprometimento de todas as partes envolvidas, bem como do rigor na execução dos acordos.

Os desafios desses acordos são diversos, desde a definição de suas cláusulas, que estipulam deveres e obrigações, até a fiscalização de seu cumprimento ao longo do tempo. É essencial que as empresas compreendam a importância de uma postura íntegra e participativa, priorizando sempre a segurança, saúde e o bem-estar de seus colaboradores.

Especificamente quanto às empresas, um dos principais desafios enfrentados está relacionado ao ônus financeiro que decorre das obrigações que assumem. As mudanças operacionais exigidas pelos acordos implicam a necessidade de reformular práticas de recursos humanos, de garantir melhores condições de trabalho e de prever e implementar políticas internas de conformidade.

Implementar tais mudanças pode ser um processo complexo e oneroso, já que, além das despesas com a adequação do ambiental laboral, deve-se considerar custos com a eventual necessidade do pagamento de multas, indenizações e despesas legais.

Esse fardo financeiro se traduz, portanto, em importante impacto na gestão, no fluxo de caixa e na rentabilidade das empresas, exigindo um cuidadoso planejamento e alocação (ou realocação) de pessoas e ativos.

Além disso, não se pode desconsiderar que a imagem e a reputação da empresa podem ser duramente afetadas pelo envolvimento em ações civis públicas.

Isso, porque a publicidade negativa gerada por tais processos pode minar a confiança dos próprios trabalhadores, dos consumidores, de investidores e demais stakeholders, resultando em danos significativos. Gerir e mitigar esses efeitos exige, assim, não apenas transparência e prestação de contas, inclusive perante a própria sociedade, mas também a gestão comprometida com a responsabilidade social corporativa.

A complexidade das negociações, especialmente quando há várias partes envolvidas, sem dúvida aumenta a pressão sobre os diversos recursos organizacionais, que exigirão constantes atualizações às normas técnicas que vierem a ser editadas pelo órgão competente, considerando-se, ainda, a possibilidade de inovação legislativa.

Apesar dos desafios, é importante reconhecer que as ações civis públicas propostas pelo MPT desempenham um papel fundamental na proteção dos direitos dos trabalhadores e na promoção de ambientes laborais justos e equitativos.

Ao serem apresentadas aos tribunais trabalhistas, essas ações proporcionam uma plataforma para o diálogo e a resolução de disputas, de modo a corrigir transgressões passadas e, ao mesmo tempo, prevenir futuras violações da legislação trabalhista.

Desse modo, os acordos resultantes dessas ações têm, por consequência lógica, além da mitigação de danos, o fortalecimento da função social da empresa, e, ainda, a construção de relações mais sólidas com seus colaboradores, clientes e comunidades.

Em resumo, o estabelecimento de acordos em ações civis públicas envolve uma negociação complexa e multifacetada, que exige uma abordagem equilibrada e uma visão de longo prazo, a fim de proporcionar a promoção de uma cultura de respeito pelos direitos humanos e trabalhistas em toda a sua cadeia de valor.

Autores

  • é sócio-fundador do Ferraz dos Passos Advocacia e Consultoria, membro da diretoria da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat), ex-procurador da Fazenda Nacional, ex-procurador regional do Trabalho do Rio de Janeiro e ex-procurador geral do Ministério Público do Trabalho.

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