Princípio da boa-fé

TJ-MG invalida sorteio de carro pelo preenchimento incompleto de cupom

Autor

27 de janeiro de 2024, 7h42

A incidência do Código de Defesa do Consumidor em uma relação não afasta a aplicação das regras do Código Civil cabíveis ao caso, porque a prevalência do CDC não exclui o caráter subsidiário das normas do CC, em especial no que se refere à boa-fé. Com essa ponderação, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) deu provimento ao recurso de apelação de uma empresa e reformou a decisão que a condenara a pagar quantia equivalente a um carro sorteado entre os seus clientes.

carro Fiat Mobi

Consumidora ganhou o concurso, mas não levou o carro para casa

A ganhadora da promoção, denominada “Eu quero esse Mobi”, em alusão ao modelo do carro sorteado, não levou o prêmio porque não preencheu de forma completa o seu CPF no cupom, contrariando o regulamento do sorteio. Inconformada, ela ajuizou ação pleiteando a entrega do veículo ou de quantia correspondente. O juízo da 4ª Vara Cível de Araguari (MG) julgou procedente o pedido e condenou a requerida a pagar o valor de R$ 31.376,47, com os acréscimos legais.

“Trazendo a boa-fé objetiva e seus deveres de conduta para o caso dos autos, tenho que, ao não preencher corretamente o cupom fornecido pela apelante, a autora transgrediu seu dever de cuidado recíproco e de cooperação para a escorreita execução da oferta veiculada pela recorrente. Desta forma, ao se descurar de seus deveres, age de maneira contraditória ao vindicar, depois de sorteada, a entrega do prêmio”, observou o desembargador José Augusto Lourenço dos Santos, relator da apelação.

De acordo com o magistrado, as partes se enquadram nos conceitos de consumidora e fornecedor previstos nos artigos 2º e 3º do CDC, sendo direito básico da primeira a informação adequada e clara sobre os produtos e serviços, nos termos do artigo 6º, inciso III, reforçado pelo artigo 31. Porém, tais regras não afastam os princípios de probidade e boa-fé que devem reger a conduta de ambos os contratantes na celebração e execução do negócio jurídico, conforme diz o artigo 422 do Código Civil.

“A despeito de haver previsão expressa sobre a existência de regulamento e o seu local de afixação, a apelada agiu em desconformidade com a reciprocidade e cooperação, não podendo agora imputar descumprimento de informação à parte contrária”, concluiu Santos. Para ele, ao caso se aplica o princípio do venire contra factum proprium, que veda o comportamento contraditório, inesperado e que surpreenda a outra parte. Os desembargadores Joemilson Lopes e Maria Lúcia Cabral Caruso seguiram o relator.

Cupom gratuito
O sorteio do carro foi promovido por uma distribuidora de gás. Pelo regulamento da promoção, qualquer consumidor poderia participar dela, tendo como única condição a compra de um botijão de 13 litros durante período pré-determinado. Também ficou estabelecida a entrega de apenas um cupom gratuito por participante, que deveria preenchê-lo, de forma completa e legível, com os seguintes dados: nome, CPF, RG, endereço e telefone.

O cupom da autora foi sorteado. Porém, a distribuidora de gás não entregou o prêmio com a justificativa de “preenchimento incompleto”. Segundo o acórdão, a autora inseriu no bilhete apenas os três primeiros e os dois últimos dígitos do seu CPF, alegando posteriormente nos autos desconhecer as regras da promoção. No entanto, o colegiado rejeitou esse argumento porque no verso do cupom consta a mensagem “Regulamento completo afixado na empresa participante”.

Processo 1.0000.23.083246-1/001

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!