Opinião

Uma análise principiológica sobre a revisão do entendimento da Súmula nº 231 do STJ

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26 de janeiro de 2024, 9h13

O objetivo deste texto, como indica seu título, é a discussão das razões que justificam a revogação da Súmula nº 231/STJ. Uma discussão essencial se considerarmos a recente movimentação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de revisar a redação da referida súmula, inclusive com designação de audiência pública para discussão da matéria.

De início, tem-se que a Súmula nº 231/STJ, aprovada pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no dia 22 de setembro de 1999, dispõe que “a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”.

Visão da doutrina
No que tange o nascimento de tal entendimento, expõe Cezar Roberto Bittencourt [1] que este decorre de interpretação analógica desautorizada sedimentada no texto do parágrafo único do artigo 48 do Código Penal de 1940, não repetido na consabida reforma penal de 1984 (Lei nº 7.209/84). Isto é, trata-se de analogia in malam partem, vedada no direito penal brasileiro, uma vez que se busca utilização de legislação prejudicial ao acusado frente a uma suposta omissão legislativa.

Denomina-se a omissão como suposta tendo em vista que, em contraposição à redação sumular supracitada, nota-se que a literalidade da norma do artigo 65 do Código Penal é imperativa ao expor que são “circunstâncias que sempre atenuam a pena”. Nesse ponto, o legislador, mesmo que pudesse fazê-lo, deixou de condicionar a aplicação das circunstâncias atenuantes à existência de uma pena-base superior ao mínimo legal, utilizando terminologia que demonstra a natureza imperativa da norma. Portanto, a desconformidade da súmula com o princípio da legalidade é nítida.

No mesmo sentido, Carlos Caníbal, quando referindo-se ao citado artigo 65, destaca que “se trata de norma cogente por dispor o Código Penal que são circunstâncias que sempre atenuam a pena“… e segue Caníbal expondo que a “norma cogente em direito penal é norma de ordem pública, máxime quando se trata de individualização constitucional de pena [2].

Nesta direção, defendem Jaime Leônidas Miranda Alves e Franklyn Roger Alves Silva [3] a necessidade do “resgate ao método hermenêutico gramatical”, sendo seguida, gostem ou não, a vontade expressa do legislador, sob pena de severa violação do referido princípio.

Tais ideias são brilhantemente sintetizadas por Juarez Cirino [4], que ensina que “a proibição de reduzir a pena abaixo do limite mínimo cominado, na hipótese de circunstâncias atenuantes obrigatórias, constitui analogia in malam partem, fundada na proibição de circunstâncias agravantes excederem o limite máximo da pena cominada — precisamente aquele processo de integração do direito penal proibido pelo princípio da legalidade“.

Em sentido contrário, poderiam argumentar que o próprio Código Penal já impõe os limites quantitativos da pena para cada tipo penal, de modo que seria a fixação de pena aquém do mínimo uma afronta ao princípio supracitado. Todavia, necessária a observação de que o princípio da legalidade garante a liberdade do indivíduo contra o poder punitivo do Estado — e não o poder punitivo do Estado contra a liberdade do indivíduo [5].

Além disso, seguindo a análise principiológica da Súmula nº 231/STJ, notadamente sob o espectro constitucional, observa-se que a atual redação sumular vai de encontro aos princípios da individualização da pena e da isonomia — igualdade material — (artigo 5º, caput, e inc. XLVI, da CF). E há grande correlação entre os dois princípios constitucionais no que diz respeito à dosimetria penal.

Dentre as consequências práticas da isonomia, de acordo com a doutrina de Luis Gustavo Grandinetti [6], está a “afirmação da igualdade das partes na relação processual, com iguais direitos, deveres, ônus e faculdades processuais”. E segue dizendo que “as peculiaridades das partes e a natureza de sua constituição podem autorizar outras desequiparações”. Ora, a materialização da igualdade material nada mais é do que o ato de equiparar ou desequiparar a depender das circunstâncias de cada indivíduo.

Na mesma direção o raciocínio por trás da individualização da pena. Sobre isso Nucci [7] nos ensina que “não teria sentido igualar os desiguais, sabendo-se, por certo, que a prática de idêntica figura típica não é suficiente para nivelar dois seres humanos”.

Exemplificando e contextualizando a ideia de violação aos referidos princípios constitucionais, Tubenchlak [8] sustenta que a vedação causada pela Súmula 231/STJ viola “o princípio da igualdade legal (no concurso de pessoas, o co-réu menor de 21 anos é prejudicado pela fixação da pena no mínimo legal, com base nas circunstâncias judiciais), porque direitos definidos em lei não podem ser suprimidos por aplicação invertida do princípio da legalidade”.

Por fim, com a afetação de três recursos especiais à 3ª  Seção do Superior Tribunal de Justiça, [9] a fim de rever o entendimento, o que se espera é a revisão do entendimento para, respeitados a estrutura e os princípios norteadores de processo penal constitucional, seja revogada a Súmula nº 231/STJ.


[1] BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: parte geral (arts. 1º a 120). v.1. Editora Saraiva, 2023, p. 401. E-book. ISBN 9786553627109. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553627109/. Acesso em: 16 dez. 2023.

[2] ALVES, Jaime Leônidas Miranda; e SILVA, Franklyn Roger Alves. Mais uma vez o porquê de o STJ ter que superar a Súmula 231. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-set-24/franklynroger-stj-superar-sumula-231/. Acesso em: 17 jan. 2024.

[3] CANÍBAL, Carlos Roberto Lofego. Pena aquém do mínimo – uma investigação penal-constitucional. Revista Ajuris. Porto Alegre, v.77, p. 82.

[4] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral I – 6. ed., ampl. e atual. – Curitiba, PR: ICPC Cursos e Edições, 2014, p. 564.

[5] GOMES FILHO, Antônio Magalhães. O “modelo garantista” de Luigi Ferrajoli. IBCCRIM. Disponível em: https://www.ibccrim.org.br/noticias/exibir/3481/. Acesso em: 17 jan. 2024.

[6] CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo penal e constituição: princípios constitucionais do processo penal. São Paulo: Editora Saraiva, 2014. E-book. ISBN 9788502224308. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502224308/. Acesso em: 20 jan. 2024.

[7] NUCCI, Guilherme de S. Manual de Direito Penal. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN 9786559642830. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559642830/. Acesso em: 20 jan. 2024.

[8] TUBENCHLAK, James. Atenuantes – pena abaixo do mínimo, in James Tubenchlak, Tribunal do Júri (contradições e soluções), 1990, p. 285-289.

[9] REsp’s nº 2.057.181, 2.052.085 e 1.869.764.

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