Opinião

Mais uma vez o porquê de o STJ ter que superar a Súmula 231

Autores

  • Franklyn Roger Alves Silva

    é doutor em Direito Processual pela Uerj e defensor público do estado do Rio de Janeiro.

  • Jaime Leônidas Miranda Alves

    é defensor Público do Estado de Rondônia. Ex-defensor público do Amapá mestrando em Direito pela Univali (Universidade do Vale do Itajaí) professor universitário. especialista em Direito Público pela PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) e em Direito Constitucional pela Ucam (Universidade Cândido Mendes).

24 de setembro de 2023, 7h06

Imagine que o Pedro e Victor praticaram, juntos, um crime. Foram pegos em flagrantes, posteriormente denunciados e condenados.

Imagine que o crime é um furto qualificado pelo concurso de agentes, cuja pena mínima é de dois anos e a máxima alcança o patamar de oito anos de reclusão.

Imagine que Pedro é primário e tinha 20 anos no momento dos fatos. Além disso, no momento do seu interrogatório, confessou a prática do crime.

Victor, por outo lado, é primário, maior de 21 anos e, quando ouvido na delegacia e, também em juízo, ficou em silêncio.

E vamos para a sentença.

Para ambos os réus, a pena-base é fixada no mínimo legal (dois anos).

Já na segunda fase, Pedro tem em seu favor duas atenuantes: a menoridade relativa e a confissão espontânea.

O juízo reconheceu a incidência de ambas as atenuantes, mas deixou de aplicá-las, de modo que a pena-intermediária não fosse fixada em patamar inferior ao mínimo legal, com obediência à Súmula 231 do STJ [1].

Victor não tinha agravantes e tampouco atenuantes.

Para Victor, faz sentido que a pena não seja alterada, permanecendo no mínimo legal. Afinal, não tinha nem atenuantes e nem agravantes.

Pedro, por outro lado, já vinha com a pena no mínimo, e apesar de ter duas atenuantes, elas foram totalmente desconsideradas.

Esse exemplo, deveras simplório, serve para mostrar porque o Superior Tribunal de Justiça deve decidir  finalmente!  pela superação da Súmula 231. Simplesmente porque não é justo que Pedro e Victor tenham a mesma pena. E casos como esse são milhares que assolam o Poder Judiciário brasileiro diariamente e continuam a reproduzir injustiças.

Parece chover no molhado, mas importante resgatar alguns fundamentos que tornem evidente a necessidade de superação da Súmula 231.

O primeiro deles é o princípio da individualização da pena, que traz a exigência de  "é estabelecê-la, flexibilizá-la, mensurá-la, tendo em vista a culpabilidade do autor pelo fato e as particularidades deste, e não de qualquer autor por qualquer fato ou por fatos pretéritos" [2].

Significa que a pena deve levar em consideração o grau de culpabilidade do agente e, bem assim, sua contribuição efetiva no intento criminoso. As circunstâncias judiciais, as atenuantes e as agravantes servem para fazer esse balanceamento, não sendo juridicamente aceitável tratar diferentes de maneira igual (o caso de Victor e Pedro exemplifica isso).

O segundo fundamento decorre do resgate ao método hermenêutico gramatical. O caput do artigo 65 do Código Penal estabelece que "são circunstâncias que sempre atenuam a pena". Correto ou não, trata-se da vontade do legislador, que determinou (afinal, normas agendi) que as atenuantes, se reconhecidas pelo juiz sentenciante, devem ser aplicadas em todos os casos, sem exceção.

A escolha do vocábulo sempre demonstra que não há margem de discricionariedade, não há exceção ou qualquer mitigação à regra. Sempre é sempre, ou ao menos assim deveria ser.

Pela leitura da cabeça do artigo 65, resta evidente que é indiferente o parâmetro da pena-base (se no mínimo legal ou em patamar superior ao mínimo); sendo reconhecida atenuante, esta deve ser aplicada.

E isso é decorrência lógica da raiz romano-germânica do Direito brasileiro, que, apesar de, especialmente nos últimos anos, ter se inclinado à cultura de precedentes, ainda tem na Lei a fonte primária do direito.

E não pode o Poder Judiciário  porque, novamente, adotamos uma ideologia estática da interpretação — pretender afastar a força normativa do comando legislativo. Falta legitimidade para tanto. Entre o "sempre" do caput do artigo 65 do Código Penal e a ressalva contida pela Súmula 231, esta falece. Não por conveniência interpretativista, mas simplesmente por respeito ao princípio da legalidade. São as regras do jogo.

Para colmatar qualquer dúvida que porventura exista, importante rememorar o Parecer elaborado por Salo de Carvalho, a pedido da Abracim, no qual constatou-se que o artigo 68 do Código Penal apenas traça um método (trifásico / Hungria/ circunstâncias judiciais, agravantes e atenuantes, causas de aumento e de diminuição de pena) de aplicação de pena, em oposição ao antigo método do já revogado artigo 50. Não há, todavia, nenhuma menção a limites mínimos ou máximos.

Por fim, há quem comente o risco de, ao se fixar a pena-intermediária em patamar abaixo do mínimo legal em razão do reconhecimento de atenuantes, alcançar-se a pena zero.

Esse risco não existe. Primeiro porque o caput do artigo 68 do Código Penal impede a compensação entre as circunstâncias que integrem fases distintas. Segundo porque há jurisprudência firme apontando os critérios quantitativos utilizados ao se reconhecer atenuantes e agravantes (1/6 da pena-base), não havendo que se falar em indeterminação (STJ, AgRg Habeas Corpus 634.754/RJ, Sexta Turma, relator ministro Olindo Menezes (convocado), j. 17/08/2021, DJe 20/08/2021).

Desse modo, para que se atingisse a "pena zero" seria necessário, além de inexistir qualquer circunstância desfavorável ou agravante, o concurso simultâneo de seis atenuantes (redução de pena de 6/6), o que não ultrapassa um teste sob o crivo da ótica do razoável.

E, no fim das contas, se ainda assim pretende-se ignorar todos os argumentos lançados ao longo do texto, volta-se a pergunta do início: é justo que Pedro e Victor tenham a mesma pena?

A resposta é não, e por isso a Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça deve ser superada.

 


[1] A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.

[2] BOSCHI , J . A . P . Das penas e seus critérios de aplicação. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2000, p. 58 .

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