Opinião

Guerra fiscal entre os estados e a Zona Franca de Manaus

Autor

  • Thiago Duca

    é pós-graduado em Direito Tributário pela Faculdade de Direito Milton Campos e pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) ex-consultor tributário da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) — 2ª Seção e advogado.

26 de janeiro de 2024, 21h13

Pouco repercutiu o julgamento realizado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1.004/SP, em 11 de dezembro de 2023, de relatoria do ministro Luiz Fux, sobretudo pelo momento em que a pauta tributária está abarrotada, não só pela aprovação da Emenda Constitucional 132/23 (reforma tributária), bem como pelos pacotes normativos que, ao que tudo indica, são despejados ao final de cada ano para tirar o fôlego de contribuintes e profissionais ligados ao direito tributário (v.g., Lei 14.789/2023, que trata da tributação das subvenções, bem como a tentativa de reoneração da folha de pagamento)

Entretanto, A ADPF 1.004/SP trouxe importantes considerações quanto à guerra fiscal promovida pelos estados federados que, embora mitigada pela Lei Complementar nº 160/2017, ainda assombra o poder público e contribuintes.

Explicando a ADPF
A ação, ajuizada pelo governador de Amazonas, foi uma resposta à recusa do estado de São Paulo em aceitar o aproveitamento de créditos de ICMS por empresas localizadas em território paulista em virtude de incentivos fiscais concedidos pelo polo industrial de Manaus, glosas que vinham sendo ratificadas pelo Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT), em desrespeito ao artigo 15 da Lei Complementar federal 24/1975 [1], que dispõe sobre os convênios para a concessão de isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias.

Os principais pontos apresentados na ADPF foram:

  1. O poder constituinte originário consagrou expressamente a manutenção da Zona Franca de Manaus (ZFM) nos termos em que foi criada, conforme o artigo 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT);
  2. A LC 24/75, recepcionada pela Constituição, exclui expressamente a ZFM da exigência de convênios Confaz para concessão de isenções do ICMS a indústrias instaladas na ZFM;
  3. A recusa do estado de São Paulo em aceitar os créditos fiscais do Amazonas anula os benefícios fiscais constitucionais da ZFM, pois o estado paulista busca arrecadar o imposto renunciado pelo incentivo fiscal;
  4. Analisando o precedente relacionado ao IPI, o STF decidiu que há direito ao creditamento de IPI na entrada de insumos adquiridos junto à ZFM, o que sustenta a validade dos créditos de ICMS;
  5. A manutenção da ZFM contribui para o desenvolvimento regional, atendendo ao objetivo fundamental da República de redução das desigualdades regionais;

A decisão teve como fundamentos a violação do princípio da autonomia dos entes federativos (artigo 25 da CRFB/88), vez que a concessão de incentivos fiscais às indústrias instaladas na Zona Franca de Manaus é competência exclusiva do estado do Amazonas, não podendo ser suprimida pelas demais unidades da federação.

Ainda, sustentou-se a violação do princípio da isonomia tributária, previsto no artigo 150, II da Constituição, pois a glosa de créditos de ICMS relativos a mercadorias oriundas da Zona Franca de Manaus implicaria em tratamento discriminatório em relação às mercadorias produzidas em outros estados, que, em diversos casos, também gozam de incentivos fiscais.

Por fim, a decisão também teve como fundamento a violação do princípio da não cumulatividade do ICMS, previsto no artigo 155, § 2º, XII, g da Constituição, já que a glosa de créditos de ICMS relativos a mercadorias oriundas da Zona Franca de Manaus implicaria em um aumento da carga tributária para as empresas adquirentes localizadas no estado de São Paulo.

O que foi decidido

Desta forma, ficou consignado pelo plenário:

“O Tribunal, por maioria, conheceu da arguição de descumprimento de preceito fundamental e julgou procedente o pedido, para declarar a inconstitucionalidade de quaisquer atos administrativos do Fisco paulista e do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo – TIT que determinem a supressão de créditos de ICMS relativos a mercadorias oriundas da Zona Franca de Manaus contempladas com incentivos fiscais concedidos às indústrias ali instaladas com fundamento no artigo 15 da Lei Complementar federal 24/1975, nos termos do voto do Relator, vencidos parcialmente os Ministros Cristiano Zanin e Gilmar Mendes, que apenas sugeriam redação diversa para o dispositivo do acórdão. Plenário, Sessão Virtual de 1.12.2023 a 11.12.2023.”

A decisão do STF é acertada e contribui para a preservação da autonomia dos entes federativos e da isonomia tributária. A Zona Franca de Manaus é um regime tributário especial criado para promover o desenvolvimento da região amazônica e a concessão de incentivos fiscais às indústrias instaladas na região é uma medida necessária para a concretização desse objetivo.

O julgamento também deve servir de orientação para as demais unidades da federação, que não devem glosar créditos de ICMS relativos a mercadorias oriundas da Zona Franca de Manaus, sob pena de violação à autonomia dos entes federativos, à isonomia tributária e ao princípio da não cumulatividade do ICMS.


[1] Art. 15 – O disposto nesta Lei não se aplica às indústrias instaladas ou que vierem a instalar-se na Zona Franca de Manaus, sendo vedado às demais Unidades da Federação determinar a exclusão de incentivo fiscal, prêmio ou estimulo concedido pelo Estado do Amazonas.

Autores

  • é pós-graduado em Direito Tributário pela Faculdade de Direito Milton Campos e pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), ex-consultor tributário da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) — 2ª Seção e advogado.

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