Opinião

Desafios e perspectivas da reforma tributária

Autor

  • Leonardo Roesler

    é advogado tributário e empresarial com especialização em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) bacharel em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e mestre em Administração e Finanças pela Ohio University.

29 de novembro de 2023, 17h17

No recente cenário legislativo, a deliberação dos senadores acerca da reforma tributária, marcada por intensos debates e escrutínio, culminou na aprovação do texto-base pela Comissão de Constituição e Justiça e, consequentemente, no Senado. Esse evento legislativo representa um passo decisivo na revisão da estrutura tributária da República, uma questão de inegável envergadura nacional.

Não obstante, uma análise crítica do projeto aprovado sugere que, enquanto intenta simplificar o regime tributário com a unificação de impostos, tal movimento legislativo pode suscitar questionamentos quanto à efetiva justiça fiscal e eficiência econômica.

A transição para o novo sistema de impostos sobre bens e serviços, nominados CBS e IBS, será gradual, estendendo-se até 2033, uma dilatação temporal que, embora planejada para evitar prejuízos na arrecadação dos entes federativos, pode postergar os benefícios da simplificação tributária e impactar a segurança jurídica para contribuintes e investidores.

Ademais, o projeto contempla isenções fiscais para determinados setores e bens, o que, em teoria, deveria promover equidade social; entretanto, permanece a indagação sobre se tais isenções não acarretarão uma renúncia fiscal demasiadamente onerosa.

No âmbito da crítica, é de se ponderar que a proposta elenca um conjunto de bens e serviços passíveis de isenção sem uma análise aprofundada de suas repercussões econômicas. Por exemplo, a isenção de IVAs para o transporte coletivo e dispositivos médicos pode reduzir custos para o consumidor final, mas é imperioso questionar: a que custo para o erário e com que efetividade na redistribuição de renda?

Adentrando a esfera dos templos religiosos e entidades assistenciais, a imunidade tributária proposta prolonga um debate sobre a extensão da beneficência e o ônus para a sociedade civil. A argumentação prevalecente no Senado parece desconsiderar o impacto fiscal a longo prazo dessas isenções, negligenciando uma discussão mais robusta sobre a contribuição dessas entidades para a coletividade em contrapartida aos benefícios fiscais recebidos.

A introdução do Imposto Seletivo, ou o “Imposto do pecado”, é outro vetor de controvérsia. A medida pretende desincentivar o consumo de produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente, mas a sua implementação suscita inquietações acerca da eficácia regulatória e da potencial regressividade, afetando desproporcionalmente as camadas menos abastadas da população, que tradicionalmente consomem tais produtos.

Quanto à tributação da renda e do patrimônio, a proposta aponta para uma progressividade fiscal em bens de luxo e heranças. Embora essa medida seja um avanço potencial na equidade tributária, o desafio reside na operacionalização efetiva e na prevenção de elisão fiscal, especialmente em contextos transnacionais.

A necessidade de um retorno à Câmara dos Deputados para apreciação das modificações introduzidas pelos senadores adiciona outra camada de complexidade ao processo legislativo. O processo de votação, permeado por controvérsias e negociações, refletiu o caráter complexo da matéria, evidenciando divergências intrínsecas entre as perspectivas econômicas e sociais dos diversos representantes da federação. As dissensões mais acentuadas emergiram em torno de temas como a definição das alíquotas dos novos impostos, a desoneração de produtos essenciais e a distribuição equitativa de receitas tributárias.

Os pontos nevrálgicos que polarizaram as opiniões foram, primordialmente, a implementação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). A discussão centrou-se na adequação das alíquotas para assegurar a neutralidade fiscal sem prejudicar a capacidade de arrecadação dos entes federativos e, concomitantemente, sem aumentar a carga tributária sobre o cidadão.

A criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional suscitou um intenso debate, especialmente sobre os critérios de distribuição dos recursos. Representantes das regiões Norte e Nordeste defenderam veementemente um modelo de distribuição que favorecesse os estados com menor Produto Interno Bruto (PIB) per capita, visando a uma política de redistribuição que fomente o equilíbrio regional.

A proposta de estabelecimento de regimes tributários especiais para determinados setores da economia também foi objeto de controvérsia, com argumentos versando sobre o risco de tais regimes resultarem em distorções competitivas e impactarem negativamente a uniformidade do sistema tributário nacional.

A inclusão da Zona Franca de Manaus no texto é outro ponto que gerou polêmica, com a proposição de um Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica para o Amazonas sendo vista por alguns como uma concessão excessiva, enquanto outros a defendiam como essencial para a manutenção da competitividade da região.

Com a aprovação, as expectativas para a tramitação da reforma no Congresso Nacional são de um caminho ainda repleto de negociações. A complexidade das matérias tributárias e a necessidade de conciliar interesses diversos entre os membros da casa legislativa sugerem que a proposição sofrerá emendas e ajustes antes de alcançar sua forma final.

A possibilidade de o Brasil vir a possuir uma das alíquotas de impostos mais elevadas do mundo é uma inquietação que permeia a discussão da reforma tributária. Tal perspectiva aviva o temor de que o novo sistema tributário, apesar de pretender simplificar a cobrança e administração dos tributos, possa resultar num incremento desproporcional da carga fiscal, afetando a competitividade empresarial e onerando o cidadão comum.

É inegável que a alta carga tributária tem implicações diretas na dinâmica econômica, podendo desestimular investimentos e restringir o crescimento. Uma linha crítica sustenta que a elevação das alíquotas, sem uma correspondente melhoria na qualidade dos serviços públicos e na eficiência da gestão fiscal, traduz-se em um descompasso entre a tributação e os benefícios tangíveis à população. A reforma tributária, portanto, deve ser cautelosa para não agravar este cenário.

Sendo assim, a votação da reforma tributária no Senado foi apenas o início de um percurso legislativo mais extenso e detalhado. As perspectivas para a tramitação subsequente da proposta legislativa no Congresso são de um processo meticuloso e deliberativo, exigindo um alto grau de diálogo interpartidário e intergovernamental para que se alcance um consenso que reflita as necessidades e as expectativas da sociedade brasileira quanto a um sistema tributário mais justo, eficiente e equitativo.

O ideal de uma reforma tributária, que concilie simplificação, eficiência e justiça fiscal, não deve ser ofuscado por interesses setoriais ou pela pressa em se obter resultados imediatos. A prudência e a visão de longo prazo devem nortear as deliberações, assegurando que os benefícios proclamados se concretizem de maneira sustentável e inclusiva.

Autores

  • é mestre em Administração e Finanças pela Ohio University, especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), bacharel em Ciências Contábeis pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (Uniasselvi), especialista em Direito Tributário pela FGV, bacharel em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e bacharel em Direito com Dupla Titulação Internacional pela Univali.

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