Opinião

Testamento vital: a escolha por uma morte digna

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21 de janeiro de 2024, 6h32

“A vida é viver”
Ferreira Goulart

Que a morte uma hora chega, a gente sabe. E que na vida, embora não estejamos preparados, temos que dizer adeus, num momento cercado de muita dor, sofrimento e luta. Também, é impossível prever uma doença, uma fase ruim, um estado terminal. Mas, por outro lado, podemos deixar por escrito como desejamos ser tratados durante uma enfermidade, quando devido ao estado de saúde, não será possível que nossa vontade seja expressa.

Nesse sentido, apresentamos o testamento vital, um documento público elaborado por uma pessoa no pleno gozo de suas faculdades mentais, que tem como objetivo dispor acerca dos cuidados, tratamentos e procedimentos médicos que deseja ou não ser submetida enquanto estiver adoecida.

Pouco utilizado no Brasil, este modelo de documento é tratado no ordenamento jurídico como uma espécie de “diretivas antecipadas de vontade – DAV”, gênero de documentos sobre manifestações de vontade para fins de saúde. Teve origem nos Estados Unidos, no início da década de 1960, onde atualmente é muito utilizado, em especial pelas celebridades de Hollywood.

Em 2012, o Conselho Federal de Medicina publicou a resolução nº 1.995 em que aceita as Diretivas Antecipadas de Cuidados de Saúde, popularmente conhecidas como testamento vital. É a forma legal de expressar aquilo que o paciente deseja para si.

O nome soa complicado “diretivas antecipadas de vontade” ou “testamento vital” e nos parece burocrático. Contudo, o que sabemos é que além de ser pouco conhecido no Brasil, ele é simples de ser elaborado, podendo inclusive ser escrito a mão.

O documento consiste no desejo do paciente “de escolher”. Escolher se deseja falecer numa cama de hospital, num leito de UTI ou em casa. Escolher a qual tratamento médico não quer ser submetido no final da vida. Escolher, inclusive, na companhia de quem se quer estar quando chegar o momento de se despedir.

Ressalva-se que o referido instituto não se confunde com as outras formas de morte digna, como a eutanásia, a ortotanásia e a distanásia.

Logo, caso o testamento vital deixado pelo enfermo trate de alguma das formas de antecipação de morte, acima citadas, ele será tido por não escrito e será desconsiderado. Nesse sentido, a advogada e doutora em Ciências da Saúde, Luciana Dadalto, narra em seu artigo testamento vital: “deve-se ter em mente que não é o fato do paciente pedir para manter ou suspender um tratamento que define se isso é eutanásia, ortotanásia ou distanásia, mas sim a análise diante do caso concreto, da importância desse tratamento para o quadro clínico do paciente, que permitirá dizer se o desejo do paciente é lícito ou não” (DALDATO, Luciana. Testamento Vital. Revista Instituto Brasileiro de Direito de Família. Edição 33. Junho/ Julho de 2017).

Como exemplo, podemos citar o testamento vital do poeta Ferreira Goulart, que escolheu morrer em paz, longe de uma UTI médica. José Ferreira, optou por não ser entubado e não sofrer intervenções que prolongassem sua agonia. Ferreira, morreu em casa.

Para saber mais sobre os tratamentos disponíveis, o interessado pode procurar um médico de sua confiança, o qual informará a melhor alternativa médica para cada tipo de doença, caso a pessoa tenha alguma predisposição genética. E assim, irá redigir seu testamento vital, com o auxílio de um advogado. Em seguida será registrado no cartório notarial, por meio de uma escritura pública.

O documento também é encaminhado ao sítio eletrônico do Registro Nacional de Testamento Vital (Rentev), onde será armazenado, sem nenhum custo financeiro.

O número de adeptos a esta forma de testamento vem crescendo a cada dia, o que preocupa por um lado os profissionais da área, uma vez que não há legislação específica que trate do assunto, gerando insegurança jurídica. Mas o documento encontra amparo jurídico nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da autonomia da vontade e do não tratamento desumano.

É difícil de imaginar os brasileiros aderindo a esta forma de “despedida”, num país onde o sistema de saúde se opera como um caos. Parece que o testamento vital privilegia uma classe imune a doenças causadas pela falta de saneamento básico, por exemplo. Falar sobre o direito de morrer com dignidade parece uma utopia. Por outro lado, concluímos que o procedimento é simples e barato, sendo que qualquer pessoa pode fazer uso dele.

Seja qual for a vontade de cada um, ela deve ser respeitada. Livres, embora limitados, temos o direito de escolher a melhor forma de dizer adeus. E a que cause menos sofrimento, inclusive para os familiares, que nos acompanham no final da vida, onde podemos escolher por eles a melhor forma de partir. Morrer com dignidade, não esperando empatia daqueles que nos cercam, mas de respeito às leis naturais da vida.

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