Independência da democracia

Estratégia silenciosa montada por STF e PGR conteve movimento golpista em 2021

 

14 de janeiro de 2024, 17h59

Em 2021, o ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal à época, e o então procurador-geral da República, Augusto Aras, elaboraram uma estratégia silenciosa que desarticulou uma movimentação golpista encabeçada pelo governo de Jair Bolsonaro.

Augusto Aras e Luiz Fux, respectivamente PGR e presidente do STF à época dos fatos

Com isso, foi possível conter a ocupação promovida por hordas de apoiadores do então presidente da República na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, no dia 7 de setembro daquele ano.

Os bastidores dessa trama foram revelados pelo jornalista Luís Costa Pinto por meio de reportagem no site Brasil 247 e de entrevista à TV GGN.

A estratégia consistiu em pressionar os governos dos estados e do Distrito Federal para garantir que os policiais militares ficassem recolhidos em suas unidades ou nas suas próprias casas entre os dias 6 e 8 de setembro. Isso evitou que muitos agentes pudessem aderir às manifestações golpistas.

Ataque planejado
Tudo começou em maio daquele ano, quando oficiais de alta patente das três forças militares alertaram a Procuradoria-Geral da República sobre os planos do governo federal.

Conforme os relatos, a ideia para a tomada definitiva do poder era forçar o STF a pedir ao Executivo uma operação de garantia da lei e da ordem (GLO), sob a justificativa de reprimir o movimento golpista convocado pelo próprio Bolsonaro para o feriado do Dia da Independência.

Para isso, o então presidente pretendia contar com o apoio das PMs, sobretudo do Distrito Federal, de São Paulo e do Rio de Janeiro.

As informações foram transmitidas para Aras, que percebeu a gravidade da situação. Logo em seguida, o então PGR chamou Fux para se reunir com os militares que haviam relatado as intenções golpistas do governo federal.

A dupla, então, passou a buscar informações nas Forças Armadas para verificar a veracidade do plano.

Tática de guerra
Convencidos dos riscos de concretização, Fux e Aras se reuniram com o subprocurador-geral de Justiça Militar Marcelo Weitzel, que já havia ocupado o cargo de procurador-geral de Justiça Militar (chefe do Ministério Público Militar).

Juntos, eles ampliaram as conversas com outros ministros do STF e traçaram a estratégia para desmontar o golpismo. Os ministros do Supremo Alexandre de Moraes e Dias Toffoli começaram a participar mais diretamente da estratégia.

Weitzel foi despachado para se reunir com os governadores e comandantes das PMs dos 26 estados e do DF. Com isso, ele descobriu que de fato havia risco de adesão dos policiais militares ao movimento golpista.

Então, o STF e a PGR passaram a articular para que todos os comandantes das PMs decretassem, entre 6 e 8 de setembro, o estado de prontidão — que obriga os agentes a ficarem aquartelados.

Dia da Independência de 2021 teve manifestações golpistas convocadas por Bolsonaro

Em agosto, Aras e o então vice-PGR, Humberto Jacques de Medeiros, organizaram uma reunião no STF com Alexandre, Toffoli e os procuradores-gerais de Justiça (chefes dos MPs) de todos os estados e do DF.

Na ocasião, os dois ministros da corte e a cúpula da PGR alertaram os PGJs de que, caso houvesse adesão de policiais ao golpismo, a culpa recairia sobre os governadores e sobre os comandantes das PMs.

Sucesso aos poucos
Em seguida, os PGJs começaram a convencer os governadores e comandantes das PMs de seus respectivos estados a instituir o estado de prontidão nas datas combinadas.

Houve resistência em alguns estados, principalmente em Mato Grosso. O vice-governador, Otaviano Pivetta, que comandava o estado como interino em exercício naquele momento, recusou-se a intervir na PM. Ele só cedeu após Aras ameaçar pedir a prisão de todos os que não seguissem a estratégia.

No Rio, o governador Cláudio Castro, de início, admitiu que não tinha controle sobre a PM. O comandante da corporação fluminense, coronel Rogério Figueiredo, já havia dito que não iria aquartelar suas forças e que elas iriam para o ato.

Duas semanas antes do Dia da Independência, porém, Castro resolveu trocar Figueiredo pelo coronel Luiz Henrique Marinho Pires. Com isso, a adesão ao ato golpista foi desmontada.

Telefonemas
Já no dia 6 de setembro, as hordas bolsonaristas começaram a chegar à Esplanada. Elas romperam os dois primeiros bloqueios feitos pela PM do DF.

Na madrugada do dia 7, Fux foi até o STF, instalou-se no gabinete, convocou atiradores de elite das forças de segurança da corte e ordenou que eles se posicionassem na laje do prédio.

Em seguida, o então presidente do Supremo telefonou para o então chefe do Comando Militar do Planalto, general Rui Yutaka Matsuda, e para o então ministro da Defesa, general Walter Braga Netto.

Fux deixou claro que não pediria uma GLO (uma operação do tipo teria de ser concedida por Bolsonaro). O ministro também informou sobre a presença dos atiradores e alertou que mandaria abrir fogo contra os bolsonaristas caso eles rompessem o terceiro bloqueio policial na Esplanada.

Braga Netto chegou a consultar Aras para saber se Fux podia fazer o que ameaçava. O PGR respondeu que sim e reforçou que a atitude do ministro era correta.

Fux também telefonou para o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), que não estava em Brasília. Ele ameaçou intervir na PM e ordenou que o chefe do Executivo distrital fizesse a corporação tirar o povo da Esplanada.

A multidão, então, acabou sendo controlada e o ato foi desmantelado.

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