Opinião

Inconstitucionalidade de projetos de lei que afrontam a dignidade da mulher

Autores

  • Adriana Cecilio

    é professora de Direito Constitucional advogada especialista em Direito Constitucional mestra em Direito e autora da obra A Separação dos Poderes e o Sistema de Freios e Contrapesos.

  • Luciana Almeida da Silva Teixeira

    é doutoranda em Ciência política (UFRGS) advogada integrante da Coalizão Nacional de Mulheres e cofundadora do Movimento Independente 50-50 de Advogadas Gaúchas.

11 de janeiro de 2024, 9h21

Em 1988, com a promulgação da Carta Magna, diversos direitos das mulheres foram acolhidos, entre eles a igualdade entre homens e mulheres e a proibição da tortura, e os avanços sociais, políticos e trabalhistas começaram a ser construídos, em uma miríade de proposições condizentes com o sistema democrático do país. O ponto, a partir dessa linha de tempo, é enxergar as condições de desenvolvimento e de subalternidades que, ainda, acompanham as mulheres e impedem a liberdade de agir no espaço público ou privado.

O convívio entre homens e mulheres requer ambientes hígidos, seguros e sem nenhum tipo de discriminação, principalmente quando as mulheres recorrem ao poder do Estado para garantir sua sobrevivência, como no caso, quando as mulheres buscam hospitais públicos ou privados  para interrupção de gestação em caso do crime de  estupro.

O Brasil é signatário da Convenção de Belém do Pará e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra Mulher (Cedaw) e, recentemente, se comprometeu com a “promoção da igualdade de gênero, combate a desigualdades e diretrizes científicas”, [1] em audiência promovida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na qual os direitos sexuais e reprodutivos foram tema de destaque.

No entanto, muito embora o artigo 128, II do Código Penal tenha como norma a não punibilidade do aborto quando este resulta de estupro, causa espécie a crescente edição de projetos de lei que buscam obrigar mulheres vítimas de violência “a verem a imagem do feto ou ouvirem as batidas do coração” antes da realização do procedimento abortivo, vide os projetos aprovados pelas Câmaras de Vereadores de Santa Maria (RS) e Maceió (AL).

Ambas as legislações são flagrantemente inconstitucionais, padecendo dos vícios formal subjetivo, vez que a competência para tratar de lei penal é definida na Constituição Federal em seu artigo 22, inc. I, atribuindo privativamente à União tal prerrogativa; e material, pois afronta princípios fundamentais, como a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III) e a vedação à tortura (artigo 5º, inciso III).

Considerando que as leis municipais violam diretamente à Constituição, cabe Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, que deverá ser proposta por quaisquer dos legitimados ativos listados no rol do artigo 103 da Constituição. Destacamos que associações de âmbito nacional, presentes em pelo menos nove estados da Federação e que tenham fixado como objetivos de sua atuação em seu documento estatutário a defesa dos direitos das mulheres, podem propor a ação de controle de constitucionalidade concentrado.

É inaceitável que violações à dignidade das mulheres sirvam como pauta política para promoção de políticos conservadores, às custas de impingir dor e sofrimento a pessoas que estão em uma situação absolutamente vulnerável.

O objetivo deste artigo é fazer um alerta a respeito de como a política pode produzir práticas violentas e inconstitucionais contra mulheres. E pontuar a importância da interferência da academia jurídica e do Poder Judiciário quando a política falha e, na contramão de assegurar direitos, os retira e avilta.

 


[1] https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/marco/ministerio-da-saude-representa-brasil-em-audiencia-da-comissao-interamericana-de-direitos-humanos-e-fala-sobre-direitos-reprodutivos.

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