Direto do Carf

Aumento dos prazos dos mandatos no Ricarf: panaceia ou placebo?

Autor

  • Alexandre Evaristo Pinto

    é conselheiro do Carf doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo doutor em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela USP mestre em Direito Comercial pela USP professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Financeiras e Atuariais (Fipecafi).

10 de janeiro de 2024, 12h19

Dando sequência às reflexões sobre o novo Ricarf (Regimento Interno do Carf), instituído pela Portaria MF nº 1.634/2023, trataremos do aumento do prazo dos mandatos dos conselheiros julgadores.

Embora os mandatos permaneçam tendo a duração de dois anos, uma das principais alterações do Ricarf diz respeito ao prazo máximo de exercício da função de conselheiro do Carf. De acordo com o antigo regimento, o tempo total de exercício no mandato não poderia exceder seis anos, a menos que o conselheiro exercesse o encargo de presidente de Câmara, de vice-presidente de Câmara, de presidente de Turma ou de vice-presidente de Turma, situação na qual o tempo total não poderia exceder oito anos.

Spacca

Por sua vez, conforme o novo Ricarf, o tempo total de exercício no mandato não poderá exceder oito anos, a menos que o conselheiro exercesse o encargo de presidente de Câmara, de vice-presidente de Câmara, de presidente de Turma ou de vice-presidente de Turma, situação na qual o tempo total não poderá exceder 12 anos.

Ainda que um dos fundamentos para a extensão dos prazos possa ter sido garantir uma maior estabilidade dos posicionamentos decisórios das turmas, garantindo uma maior previsibilidade e segurança jurídica a todos interessados, o fato é que o mero aumento do prazo não contribui, por si só, para que tal objetivo seja alcançado.

Dessa forma, é importante que tal alteração seja analisada à luz do contexto vivido pelos conselheiros do Carf desde o final de 2015.

Vale notar que em dezembro de 2015, houve o retorno das sessões do Carf após o hiato de alguns meses em decorrência da operação zelotes. Dentre as principais alterações dessa nova fase do Carf deve ser destacada a proibição de que os conselheiros indicados pelos contribuintes atuem como advogados, sendo exigida inclusive comprovação de que houve licença do registro do conselheiro como advogado.

Ao mesmo tempo, houve uma alteração significativa da remuneração dos conselheiros indicados pelos contribuintes que passaram a receber gratificações de presença. Em dezembro de 2015, o montante máximo a ser recebido por um conselheiro representante dos contribuintes que tivesse participado de no mínimo de seis sessões de julgamentos naquele mês era de R$ 11.235.

À época, as vagas destinadas aos conselheiros indicados por entidades representativas de categorias econômicas e sindicatos totalizavam 90, distribuídas em 72 vagas de conselheiros titulares e 18 vagas de conselheiros suplentes.

Dos noventa conselheiros indicados pelos contribuintes que teoricamente faziam parte do corpo de julgadores do Carf em dezembro de 2015 (nomeados por portarias emitidas entre julho e setembro de 2015), somente 12 completaram o prazo total de oito anos, considerando-se os conselheiros que tiveram o vencimento dos seus mandatos entre julho e setembro de 2023.

Em outras palavras, apenas 13,33% dos conselheiros indicados pelos contribuintes permaneceram durante todo o período de oito anos, número bastante baixo para que seja indicativo da necessidade de uma alteração regimental. Tendo em vista que nem todos conselheiros poderiam ter o prazo máximo de oito anos, mas tão somente aqueles que exerciam a função de vice presidência de câmara ou turma, teríamos a possibilidade de 36 conselheiros em tal situação, mas somente 12 e completaram tal prazo, isto é, somente 33,33% dos conselheiros que exerciam funções de vice presidência de câmara ou turma permaneceram oito anos como julgadores.

Se levarmos a análise para conselheiros que não exerciam as funções de vice presidência de câmara ou turma (54 conselheiros), os números são piores. Contam-se nos dedos de uma mão os casos de conselheiros indicados pelos contribuintes entre os anos de 2015 e de 2016 que chegaram ao prazo máximo de seis anos entre os anos de 2021 e 2022, de modo que o percentual de conselheiros que não exerciam tais funções e permaneceram no Carf por seis anos foi inferior a 10%.

Tais números devem nos levar a refletir que não adianta aumentar o prazo dos mandatos para garantir uma estabilidade das decisões se a rotatividade dos conselheiros é tão alta, gerando ineficiências nos julgamentos (como a redistribuição dos processos de conselheiros que deixam o Carf e necessidade de uma nova curva de aprendizagem para os novos conselheiros).

Muito mais relevantes são medidas que visem diminuir a rotatividade dos conselheiros. Dentre tais medidas, cabe mencionar a concessão de licença maternidade remunerada permitindo que as conselheiras possam encarar a maternidade sem que haja uma ausência de remuneração e um incremento na remuneração geral dos conselheiros indicados pelos contribuintes, uma vez que a remuneração bruta de tais conselheiros é de aproximadamente quarenta por cento da remuneração bruta dos conselheiros indicados pela Fazenda Nacional, ainda que função julgadora exercida por ambos seja semelhante (quantidade de horas a ser indicada para a pauta por sessão e prazo das atividades administrativas).

Ainda que seja uma medida mais tímida e que tenha por objetivo apenas evitar a erosão do poder de compra oriundo da remuneração dos conselheiros, uma das formas de garantir o rendimento real dos conselheiros indicados pelos contribuintes seria a correção da remuneração por eles recebida pela inflação. Embora a inflação tenha diminuído consideravelmente desde o início do plano real, ela continua existindo. Cabe ressaltar que o efeito da inflação acumulada desde o início do real é bem significativo.

Em pesquisa realizada e divulgada em 2016 pelo Instituto Assaf, coordenado por Alexandre Assaf Neto, verifica-se que o real perdeu 81,41% do seu poder de compra desde 1º de julho de 1994 até 31 de março de 2016 [1].

Como consequência dessa desvalorização, uma nota de R$ 100 tinha em 2016 o poder de compra equivalente a R$ 18,59 em 1º de julho de 1994. A perda do poder aquisitivo do real é resultado da inflação acumulada nesses quase 22 anos. Conforme a pesquisa do Instituto Assaf, a inflação oficial no país, medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) foi de 437,79% de julho de 1993 a março de 2016 [2].

A partir da verificação de que os efeitos da inflação acumulada são tão relevantes, não resta dúvida de que a não aplicação de alguma forma de correção monetária sobre os rendimentos do trabalho pode trazer uma série de implicações, dentre as quais: (i) a diminuição do poder de compra do detentor daquela remuneração que permanece inalterada sob o ponto de vista nominal ao passo que os preços dos bens e serviços seguem sendo alterados; e (ii) uma maior tributação da renda proporcionalmente ao total recebido pelo detentor daquela remuneração.

A título de ilustração, é possível observar que a inflação anual tem sido relativamente controlada desde a implantação do Plano Real em julho de 1994, conforme se verifica a partir dos dados do IPCA:

ano inflação anual
1994 (Jul-Dez) 18,57%
1995 22,41%
1996 9,56%
1997 5,22%
1998 1,66%
1999 8,94%
2000 5,97%
2001 7,67%
2002 12,53%
2003 9,30%
2004 7,60%
2005 5,69%
2006 3,14%
2007 4,46%
2008 5,90%
2009 4,31%
2010 5,91%
2011 6,50%
2012 5,84%
2013 5,91%
2014 6,41%
2015 10,67%
2016 6,29%
2017 2,95%
2018 3,75%
2019 4,31%
2020 10,74%
2021 10,06%
2022 5,79%
2023 (Jan-Set) 2,86%

Ainda que analisada sob o ponto de vista anual, a inflação seja relativamente baixa (em que pese a existência de alguns poucos anos em que ela superou os dois dígitos), o ponto relevante é que a inflação acumulada é relevantíssima.

Fazendo-se um corte entre janeiro de 2016 até setembro de 2023, temos uma inflação acumulada de 46,74%.

Nessa linha, torna-se fundamental trazer tal índice de inflação acumulada ao cenário da remuneração dos conselheiros indicados pelos contribuintes no Carf.

Vale lembrar que o montante máximo a ser recebido por um conselheiro representante dos contribuintes que tivesse participado no mínimo de seis sessões de julgamentos naquele mês era de R$ 11.2350 em dezembro de 2015.

Cumpre notar que, em setembro de 2023, o montante máximo a ser recebido por um conselheiro representante dos contribuintes que tivesse participado no mínimo de seis sessões de julgamentos a título de gratificação de presença era R$ 14.849,50.

Para fins de atualização monetária sobre o montante de R$ 11.235 de dezembro de 2015 até setembro de 2023, utilizaremos a metodologia de cálculo aplicada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) [3], que aponta os seguintes valores para os referidos meses:

mês/ano  valor da tabela do TJ-SP
dez/15 4,970721
set/23 7,503378

A metodologia de cálculo aplicada pelo TJ-SP pressupõe a divisão do montante a ser atualizado (no caso, R$ 11.235) pelo valor correspondente ao mês em que havia uma identidade entre o valor nominal e o valor real (no caso, dezembro de 2015). O resultado de tal divisão deverá ser multiplicado pelo valor correspondente ao mês em que se deseja obter qual seria o valor real do montante a ser atualizado de acordo com a atualização monetária (no caso, o mês de setembro de 2023).

Aplicando-se tal método ao caso concreto, verifica-se que a remuneração equivalente ao poder de compra de R$ 11.235 deveria ser R$ 16.959,40 em setembro de 2023.

Logo, há no mínimo uma diferença de R$ 2.109,90 a título de inflação que vem erodindo o poder de compra dos conselheiros indicados pelos contribuintes ao longo de cada mês.

Essa é uma das razões que faz com que seja fundamental a discussão sobre melhorias nas condições de trabalho conferidas aos conselheiros indicados pelos contribuintes, por mais que possa ser citado algum avanço desde dezembro de 2015, tal qual a garantia de recebimento da remuneração do conselheiro indicado pelo contribuinte nas hipóteses de caso fortuito ou força maior, o que acontece por exemplo quando as sessões do Carf são suspensas.

Em vista de todo o exposto, se em oito anos, um percentual tão baixo de conselheiros indicados pelos contribuintes teve a resiliência de cumprir com todo o mandato, muito piores serão os percentuais com o prazo de doze anos. E ainda que o prazo seja aumentado para ¼ de século ou ½ século, não se está combatendo a causa de uma situação que diminui a segurança jurídica e a eficiência econômica do órgão, pois infelizmente as condições de trabalho dificilmente farão com que o conselheiro indicado pelos contribuintes consiga cumprir as bodas de prata ou de ouro com a função de conselheiro.

*Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

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[1] Universo Online. Inflação de 438% desde criação do real faz nota de R$ 100 valer R$ 18,59. Disponível em: http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2016/04/12/inflacao-de-438-desde-criacao-do-real-faz-nota-de-r-100-valer-r-1859.htm. Acesso em: 1º de novembro de 2022.

[2] Universo Online. Inflação de 438% desde criação do real faz nota de R$ 100 valer R$ 18,59. Disponível em: http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2016/04/12/inflacao-de-438-desde-criacao-do-real-faz-nota-de-r-100-valer-r-1859.htm. Acesso em: 1º de novembro de 2022.

[3] Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/Download/Tabelas/Tabela_IPCA-E.pdf

Autores

  • é professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), conselheiro do Carf e do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), doutorando em Controladoria e Contabilidade pela USP, doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP e mestre em Direito Comercial pela USP. Ex-presidente da Aconcarf.

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