Opinião

A prevalência das normas coletivas em pagamentos de PLR: Tema 1046 do STF e artigo 611-A da CLT

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2 de maio de 2024, 15h17

O STF, ao deliberar sobre o Tema 1046, estabeleceu que as cláusulas definidas em convenções ou acordos coletivos que restringem direitos trabalhistas são válidas, desde que não envolvam direitos absolutamente indisponíveis. Este entendimento sublinha a autonomia das negociações coletivas, permitindo uma maior flexibilidade na adaptação das normas à realidade de cada setor.

Quando o Supremo Tribunal Federal (STF) estabelece a repercussão geral de um tema, essa decisão tem impacto significativo sobre o sistema jurídico brasileiro. A repercussão geral é um mecanismo que visa a selecionar quais recursos extraordinários serão analisados pelo STF, baseando-se na relevância das questões constitucionais discutidas que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. Uma vez reconhecida a repercussão geral e decidida a questão pelo STF, o entendimento adotado deve ser seguido por todas as instâncias inferiores do Judiciário, o que garante uniformidade e segurança jurídica.

As decisões do STF em temas com repercussão geral são vinculantes para todos os outros tribunais. Isso significa que a Justiça do Trabalho é obrigada a seguir o entendimento do STF em seus julgamentos. E caso o STF decida que as cláusulas que restringem direitos trabalhistas, acordadas em convenções ou acordos coletivos, são válidas desde que não envolvam direitos indisponíveis, esse entendimento deve ser aplicado uniformemente por todas as varas e tribunais do trabalho.

Embora o Carf seja um órgão administrativo de recursos fiscais e não faça parte do Judiciário, ele é influenciado indiretamente pelas decisões do STF em matérias constitucionais. No caso específico de temas trabalhistas e de repercussão geral decididos pelo STF, o Carf não é diretamente afetado, exceto em situações onde a questão constitucional possa tangenciar matérias fiscais relacionadas, por exemplo, à tributação de verbas trabalhistas. Em tais casos, o Carf deveria considerar a jurisprudência do STF ao interpretar leis federais.

Introduzido pela reforma trabalhista de 2017, o artigo 611-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) reforça a visão estabelecida pelo STF no Tema 1046, ao estipular que acordos e convenções coletivas têm prevalência sobre a lei em diversos aspectos, inclusive quando tratar especificamente de PLR. Este movimento legislativo reflete a aplicação prática do Tema 1046, estabelecendo que o Judiciário deve respeitar as normas estabelecidas coletivamente, mesmo quando estas restringirem, de alguma forma, direitos que estariam garantidos pela legislação ordinária. Tal postura reafirma a importância do diálogo e do equilíbrio nas negociações coletivas, reconhecendo a legitimidade, poder e capacidade dos sindicatos de representar adequadamente os interesses dos trabalhadores.

Os programas de PLR, como instrumento de remuneração variável, visam alinhar os interesses dos empregados aos resultados financeiros da empresa, incentivando o aumento da produtividade e o comprometimento com os objetivos organizacionais. No entanto, as regras para sua concessão, muitas vezes definidas em normas coletivas, podem variar significativamente, onde a elegibilidade, os critérios para o pagamento, as métricas estabelecidas e as formas para receber a PLR foram restritas às condições específicas encontradas no momento da negociação sindical.

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E, embora o Carf seja órgão de julgamento administrativo, está vinculado à aplicação da legislação tributária conforme interpretação final dada pelos tribunais superiores, incluindo o STF. Conforme o princípio da legalidade e a hierarquia normativa, é essencial que o Carf observe as decisões do STF ao interpretar a aplicação de leis tributárias. Isso se estende à forma como devem ser avaliados os pagamentos de PLR firmados com base em critérios estabelecidos por ACTs ou CCTs, que devem ser plenamente respeitados, de acordo com o entendimento do STF, inclusive quando tratarem de PLR.

Nesse sentido, verifica-se que o artigo 28, § 9º, alínea ‘j’, da Lei nº 8.212/91, dispõe sobre a isenção de contribuições previdenciárias sobre os pagamentos de participação nos lucros e resultados (PLR) paga ou creditada conforme lei específica. E, atualmente, a Lei nº 10.101/2000 é a lei específica que estabelece critérios para a distribuição da PLR aos empregados com vínculo de emprego.

Ocorre que o artigo 611-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), introduzido pela reforma trabalhista de 2017, estabeleceu expressamente que os acordos e convenções coletivas prevalecem sobre a lei quando dispuserem, entre outras matérias, sobre PLR. Esta disposição legal, em sintonia com o que já havia sido predefinido pelo STF ao julgar o Tema 1046, trouxe prevalência das negociações coletivas, permitindo que adaptações específicas às condições, regras, critérios e necessidades dos trabalhadores e empregadores sejam legitimamente acordadas com a intervenção do sindicato, inclusive divergindo dos requisitos estipulados pela Lei nº 10.101.

Conflito em pagamento de PLR

Dessa maneira, caso haja estabelecimento de convenção ou acordo coletivo com a fixação de critérios ou regras para o pagamento de PLR que sejam conflitantes com aqueles prescritos pela Lei nº 10.101, o documento firmado na negociação sindical deverá ser considerado a “lei específica” para fins de isenção das contribuições previdenciárias, já que por disposição expressa da legislação em vigor prevalecerá sobre a lei. Isso se deve à interpretação de que a legislação mais recente (reforma trabalhista) e a hierarquia das normas no direito brasileiro conferem a tais acordos status que permite a sua prevalência sobre legislações anteriores em assuntos específicos de negociação coletiva.

Portanto, a aplicação prática deste entendimento jurídico implica que, ao seguir os termos de acordo coletivo de trabalho (ACT) para a distribuição de PLR, mesmo que esses termos conflitem diretamente com os previstos na Lei nº 10.101, a isenção de contribuições previdenciárias deverá ser plenamente respeitada.

Diferentemente será o cenário onde a negociação de PLR ocorrer por meio de comissão paritária, sem a participação do sindicato e sem o estabelecimento de convenção ou acordo coletivo, onde permanecerá válida a exigência de observância das regras instituídas pela única lei específica de PLR: Lei 10.101.

Esta interpretação reforça a autonomia das negociações coletivas e assegura a conformidade com a legislação vigente, promovendo a justa aplicação das normas trabalhistas e previdenciárias conforme a evolução do direito e das relações de trabalho.

Portanto, a jurisprudência atual, reforçada pelo Tema 1046 do Supremo Tribunal Federal, e a legislação trabalhista, em especial o artigo 611-A da CLT, destacam a primazia dos acordos e convenções coletivas sobre a legislação ordinária em casos específicos, como na definição dos critérios para a participação nos lucros e resultados (PLR).

Dessa forma, a autonomia concedida aos sindicatos e às partes negociantes permite uma adequação mais eficaz às dinâmicas econômicas e sociais que caracterizam as diversas realidades industriais e comerciais do país. Em última análise, ao respeitar e aplicar os acordos e convenções coletivas, mesmo contrariando disposições legislativas anteriores, promove-se não apenas a flexibilidade necessária para a adequação às mudanças do mercado, mas também se garante a isenção de contribuições previdenciárias sobre os pagamentos de PLR.

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