Sobrou pra eles

Prestadores de serviços correm o risco de pagar a conta da reforma tributária

6 de janeiro de 2024, 9h51

Promulgado pelo Congresso no dia 20 do mês passado, o texto da reforma tributária (PEC 45/19) foi saudado em todos os cantos do Brasil como um passo importante para acabar com (ou ao menos reduzir) uma situação caótica que muitos especialistas no assunto gostam de chamar de “manicômio tributário”. Não, porém, sem deixar alguns corpos espalhados pelo caminho.

Lei complementar vai estabelecer quem será beneficiado com alíquotas menores

Alguns setores da economia vão pagar o preço pela racionalização do sistema tributário brasileiro, e um deles será o dos prestadores de serviços. Conforme enfatiza o procurador especial tributário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Luiz Gustavo Bichara, esses profissionais atualmente pagam no máximo 14,25% em impostos. Com a reforma, segundo sua estimativa, essa carga tributária deve praticamente dobrar.

É verdade que o texto da PEC 45/19 ameniza um pouco o problema ao deixar a cargo de uma lei complementar a definição de serviços que poderão ser beneficiados com redução de 30% das alíquotas quando prestados por trabalhadores cuja atuação seja submetida a conselho profissional, como é o caso dos advogados e dos médicos. Não por acaso, a OAB atuou fortemente para que esse mecanismo fosse mantido no texto final da reforma. Ainda assim, trata-se apenas de um paliativo.

“O setor de serviços foi o mais prejudicado na reforma tributária e terá o maior aumento de carga”, disse Bechara. “Por isso foram tão importantes as previsões de redução de alíquotas em 60%, para determinados serviços, como os de educação e saúde, e de 30% para serviços de profissões regulamentadas por conselhos profissionais. Muitos desses setores têm regras próprias de tributação reduzida na sistemática atual e esse aumento os afetaria drasticamente. Porém, para as profissões regulamentadas, a redução ainda é insuficiente e representará aumento de pelo menos 35%, mesmo para aqueles que hoje recolhem o valor máximo de ISS, PIS e Cofins.”

Outros tributaristas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico endossam as palavras de Bechara. Um deles é Marcel Alcades, sócio da área de Tributário do escritório Mattos Filho, para quem até mesmo os profissionais beneficiados pela redução de 30% das alíquotas vão sair no prejuízo.

“Tais profissões teriam sua carga tributária muito elevada se caíssem na alíquota geral. Essa redução ajuda a diminuir esse impacto, embora a reforma ainda aumente muito a carga tributária quando comparada com a atual”, alertou ele. “A redução é muito importante para o setor pois, na maioria das vezes, tais profissionais prestam serviços para pessoas físicas diretamente, as quais não têm direito a crédito de IBS/CBS (tributos criados pela reforma), o que causa um aumento imediato no preço e no custo dos serviços. A redução ameniza um pouco esse efeito, mas ainda haverá aumento de carga e de preços”, completou.

Carlos Yury de Morais, por sua vez, afirma que a reforma vai trazer grandes problemas para os prestadores de serviços que atualmente utilizam o Simples Nacional.

“Hoje em dia, muitos prestadores de serviços optam pelo Simples Nacional em face de sua simplicidade. Todavia, a reforma afirma que IBS/CBS não serão cobrados pelo regime único. Em outras palavras: IBS e CBS estão fora do Simples Nacional”, apontou ele. “A reforma também diz que as empresas optantes do Simples Nacional não podem se apropriar dos créditos das entradas, e as suas vendas a empresas não optantes do Simples não vão gerar créditos para essas compradoras. Em suma, os prestadores de serviços basicamente deverão sair do Simples como consequência dessas alterações.”

Coordenador tributário do Diamantino Advogados Associados, Renan Castro observa que, apesar dos pesares, a redução de 30% nas alíquotas para os profissionais cuja atuação seja submetida a conselho profissional, a ser regulamentada por lei complementar, vai representar um alivio para os beneficiados por esse mecanismo.

“A edição da legislação complementar em questão ganha especial relevância. Isso porque, embora a emenda constitucional não tenha alterado a sistemática das empresas submetidas ao Simples Nacional, ao que tudo indica, haverá inequívoco aumento da carga tributária, pois estima-se que a alíquota do IVA-Dual deverá ficar entre 25% e 28%, ante os atuais 10% a 15%. Até mesmo como forma de equilibrar o (inequívoco) aumento da carga tributária, é de suma importância a edição da legislação complementar prevendo a redução de 30% nas alíquotas da CBS e do IBS para os serviços de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, submetidos a fiscalização por conselho profissional.”

Por fim, há quem tenha uma visão mais otimista, como é o caso de Alexandre Tortato, sócio da banca Tortato Advogados e ex-conselheiro do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Para ele, poderá haver diminuição da carga tributária para os profissionais beneficiados pela redução de 30%.

“Esses prestadores de serviços foram incluídos nesse dispositivo porque se entende que eles não são sociedades empresariais, mas sociedades de serviços. Em alguns casos, eles se sujeitam ao ISS fixo, como é o caso de advogados, contadores, até médicos, clínicas médicas, que não pagam ISS com base no percentual do faturamento, de 2% a 5%, mas um valor fixo por cada sócio. Para esses prestadores de serviços, a carga tributária será menor, consequentemente isso pode resultar em um valor menor dos serviços.”

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