Opinião

Cessão de crédito judicial: panorama e avanços recentes

Autor

  • Renata Nilsson

    é formada em Comunicação Social e Direito pela Universidade Anhembi Morumbi especialista em direito corporativo e compliance consultora especializada de diversos fundos de investimentos (FIDCs) e plataformas de investimento e CEO e sócia da PX Ativos Judiciais.

29 de fevereiro de 2024, 17h22

A negociação de ativos judiciais ganhou espaço no Brasil nos últimos anos e não seria um exagero dizer que esse mercado está na moda atualmente, como esteve há algum tempo o setor imobiliário.

Empresas especializadas surgiram e o número de investidores interessados cresceu, acompanhando a demanda da sociedade por esse tipo de negócio.

Esses fatores vêm resultando em mudanças também na forma como os juristas e o Judiciário enxergam a cessão de créditos judiciais, procedimento pelo qual se concretizam as negociações desses ativos.

A cessão de créditos pode ser conceituada como um negócio jurídico em que uma das partes, o credor, chamado de cedente, transfere para outra parte, um terceiro, intitulado como cessionário, que pode ser tanto pessoa natural quanto jurídica, os direitos referentes a uma obrigação a receber.

E apesar de não ser um procedimento novo, haja vista a cessão de crédito estar presente já no Código Civil Brasileiro de 1912, em seu artigo 1.065 e seguintes, no que tange aos créditos judiciais, é possível destacar relevantes avanços.

Essa modalidade de cessão de crédito, ou seja, referente a valores fixados em ações judiciais, sempre foi praticada por advogados e escritórios de advocacia com capital para tanto, a pedido de seus clientes necessitados de recursos financeiros e/ou com processos já em tramitação por muitos anos.

Spacca

No Código Civil vigente, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, a cessão de crédito está prevista no artigo 286 e seguintes. Entretanto, apesar da origem relacionada ao direito civil, o instituto tem sido objeto de estudo de análise e de regulamentação em outras esferas jurídicas, em busca da proteção do cidadão e da efetividade de direitos conquistados em juízo.

Avanços
Os principais avanços ocorreram recentemente na Justiça do Trabalho, que vem caminhando para a regulamentação e aceitação definitiva da cessão de créditos trabalhistas, colocando o Estado no lugar que realmente deve ocupar, de regulador e fiscalizador, deixando de determinar o que o jurisdicionado deve ou não fazer com os créditos judiciais que lhe pertencem.

Merecem destaque regulamentações recentes, como a Resolução CSJT nº 370, de 24 de novembro de 2023, do Conselho Superior da Justiça Do Trabalho, que alterou a Resolução CSTJ nº 314, reconhecendo e inserindo a cessão de créditos trabalhistas em suas determinações, mantendo a ordem dos pagamentos, garantindo direitos das partes e inserindo as novas alternativas de utilização de créditos judiciais e de transação de precatório trabalhistas para os credores originais e cessionários.

A regulamentação e a consequente segurança jurídica no que diz respeito à cessão de crédito judicial trabalhista colocam na mesa mais uma opção de efetivação de direitos à parte menos privilegiada, hipossuficiente nesta relação, que é o trabalhador.

Na tentativa de proteger o jurisdicionado, coibindo a negociação desses ativos, o Judiciário acabava por deixá-lo à mercê de acordos ruins e sem alternativas para analisar.

Também foi de suma importância para o mercado de negociação de ativos judiciais o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), proferido em sede de recurso especial, quanto à manutenção da classificação original em relação a crédito trabalhista sub-rogado em processo de recuperação judicial. Isso porque essa medida possibilita a transferência não só do valor cedido ao novo credor, o cessionário, mas também de todos os direitos do credor original, como a preferência no pagamento.

Recuperação judicial
Em razão dos prazos fixados na Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, um processo de recuperação judicial deveria durar em média 03 anos, mas na prática, pode levar até mesmo uma década, de acordo com pesquisa realizada pela PUC-SP e pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ).

Assim, o direito de preferência, nos termos do artigo 83, inciso I, da lei de recuperação judicial, é uma grande vantagem dos créditos trabalhistas. A manutenção dessa classificação para os créditos sub-rogados valoriza o direito do trabalhador em eventual negociação para cessão desses ativos.

Houve evolução também na seara esportiva, especificamente na legislação relacionada aos atletas do futebol.

Recentemente entraram em vigor leis que flexibilizam a venda de crédito trabalhista nesse segmento, como a Lei nº 14.193, de 06 de agosto de 2021, que institui a Sociedade Anônima do Futebol.

Em seus artigos 22 e 23, a referida lei faculta ao credor de dívida trabalhista ou de dívida cível a vender seus créditos com o deságio que desejar e deixa expresso ainda que esses créditos mantêm sua classificação original e privilégios em caso de cessão a terceiros.

Projetos
Já no campo dos projetos legislativos, está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4.300/21, que busca alterar o Código Civil a fim de autorizar a venda de crédito trabalhista para terceiros, encerrando de vez essa questão sensível na Justiça do Trabalho.

Entretanto, segundo informações da Agência Câmara de Notícias, o projeto ainda deve ser analisado por diversas comissões relacionadas ao tema antes de qualquer definição.

Todas essas medidas e novidades beneficiam tanto os titulares de direito, ou seja, a população de maneira geral, quanto os investidores e as empresas cessionárias, que representam o mercado.

A regulamentação, a segurança jurídica e a transparência interessam a todos os que atuam no setor, uma vez que garantem a continuidade e o aumento do volume de negócios. Além disso, com mais empresas competindo no setor, a tendência é que haja também melhorias e mais oportunidades nos serviços prestados.

Para a sociedade brasileira, esses avanços representam a consolidação de mais uma alternativa de acesso ao crédito.

Em um país com elevados índices de endividamento das famílias, juros bancários para empréstimo pessoal com taxa média superior a 7% ao mês e com 34 milhões de pessoas sem acesso a serviços bancários de forma plena (dados do Instituto Locomotiva, 2021), uma opção de obtenção de crédito em que não se analise apenas o score já é bastante representativa.

Ante o cenário atual, denota-se a importância de observar o processo judicial também do ponto de vista financeiro.

A jurisprudência está caminhando no sentido de entender que há um mercado e que quanto mais regularizado melhor, uma vez que o segmento de negociação de ativos judiciais já existe há 20 anos e que não vai retroceder.

O Estado deve regulamentar sim, mas a decisão sobre como lidar com o crédito deve ser sempre do seu titular. Quando o Estado regulamenta, ele protege, e isso já é o bastante para que as pessoas tenham seus direitos garantidos e para que consigam realizar seus objetivos.

Autores

  • é formada em Comunicação Social e Direito pela Universidade Anhembi Morumbi, especialista em direito corporativo e compliance, consultora especializada de diversos fundos de investimentos (FIDCs) e plataformas de investimento e CEO e sócia da PX Ativos Judiciais.

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