Opinião

Da inviabilidade de revisão de transação ou acordo homologado judicialmente

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4 de maio de 2024, 13h28

Pesquisas demonstram que anualmente são propostas milhões de ações na Justiça brasileira. Conforme relatório divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça [1], em 2023, o total de demandas judiciais em andamento atingiu o expressivo número de 63 milhões.

Diante desse difícil panorama, que obsta uma efetiva, célere e qualitativa prestação jurisdicional, o Poder Judiciário passou a incentivar, instrumentalizar e implementar métodos alternativos para solução de conflitos, especialmente consensuais.

O Conselho Nacional de Justiça, juntamente com os Tribunais de Justiça, Tribunais do Trabalho e tribunais federais, realizam mutirões em todo o País, selecionam processos que tenham possibilidade de acordo e intimam as partes envolvidas no conflito, impulsionando a conciliação.

O Judiciário disponibiliza ainda aos cidadãos a conciliação pré-processual realizada nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania existentes em cada tribunal do País.

Evidentemente, essa louvável iniciativa atinge o seu mister: desafogar o abarrotado sistema judicial.

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No entanto, não é rara a situação em que, após a celebração da transação ou acordo submetido ao crivo judicial, sobrevenha alteração no quadro fático que acarrete em onerosidade excessiva a uma das partes signatárias, modificando o sinalagma do negócio jurídico.

Nessa situação excepcional, seria possível o ajuizamento de ação revisional buscando reequilibrar os termos acordados?

A resposta, de acordo com o magistério jurisprudencial dos tribunais, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, é negativa. Vejamos:

“AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO. ACORDO (RENEGOCIAÇÃO) HOMOLOGADO JUDICIALMENTE. DISCUSSÃO DO ACORDO. ALEGAÇÃO DE VÍCIOS. INADEQUAÇÃO DO MEIO. AÇÃO ANULATÓRIA. AÇÃO PRÓPRIA. FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. AUSÊNCIA DE ATAQUE ESPECÍFICO.

  1. A pretensão de discutir os termos do acordo homologado judicialmente deve ser veiculada em ação anulatória (Código de Processo Civil de 1973, artigo 486). Precedentes.
  2. Nos termos do artigo 1.021, § 1º, do CPC/2015 e da Súmula 182/Superior Tribunal de Justiça, é inviável o agravo interno que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada.
  3. Agravo interno a que se nega provimento”. [2]

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO. PRETENSÃO DE RESCINDIR ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE. MEIO INADEQUADO. NECESSIDADE DE AÇÃO ANULATÓRIA. PRECEDENTES. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência desta eg. Corte entende que a ação anulatória é o meio adequado para desconstituir/rescindir acordo homologado judicialmente. Precedentes. 2. Inadequação da interposição de ação de rescisão contratual cumulada com pedido indenizatório para demanda que pretende rescindir acordo homologado judicialmente em outra ação. 3. Agravo interno a que se nega provimento”. [3]

Assim, os fundamentos que poderiam embasar uma ação revisional de contrato, tais como teoria da imprevisão, onerosidade excessiva, não podem lastrear uma tentativa de rescindir/desconstituir um acordo ou transação judicialmente homologada.

Em outras palavras, firmado acordo ou transação pelas partes e submetido ao crivo e homologação judicial, afigura-se absolutamente inviável a propositura de ação judicial objetivando a sua revisão.

A solução jurídica para tentar desconstituir a transação homologada judicialmente é por intermédio do ajuizamento de ação anulatória, invocando como causa de pedir os defeitos dos negócios jurídicos (CC, artigo 138 a 165) ou as causas de sua invalidade (CC, artigo 166 e 167). [4]

Na mesma linha, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que reputa cabível o ajuizamento de ação anulatória visando a desconstituir sentença homologatória de acordo ou transação:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C PAGAMENTO DE DIFERENÇA E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.1. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015. 2. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE ACORDO. INCABÍVEL A AÇÃO RESCISÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ, POR AMBAS AS ALÍNEAS DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. 3. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015, porquanto o Tribunal de origem decidiu a matéria de forma fundamentada. O julgador não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos invocados pelas partes, quando tiver encontrado motivação satisfatória para dirimir o litígio. 2. Sendo a sentença meramente homologatória de acordo, incabível a ação rescisória. Incidência da Súmula 83/STJ, por ambas as alíneas do permissivo constitucional. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (AgInt no AREsp nº 1.652.165/PE, Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. em 28.09.20, DJe de 07.10.20, v. u.) “É cabível a ação anulatória nos termos da lei civil, diversa da rescisória, contra ato judicial que não dependa de sentença, ou em que esta for meramente homologatória, conforme o art. 486 do CPC”. [5]

A ação ordinária anulatória, prevista no art. 486 do CPC, é a sede própria para a invalidação de acordo homologado judicialmente, oportunidade em que poderão ser discutidos os vícios do ato objeto da anulação”. [6]

Importante registrar que o conteúdo que os transigentes ajustaram não está na sentença homologatória, mas no próprio instrumento da transação, no qual eles expuseram as disposições fixadas com o intuito de colocar fim ou evitar o litígio.

Com a homologação, o juiz não delibera sobre as questões discutidas no processo, pronunciando-se apenas para conferir ao ato dos transatores a autoridade jurisdicional.

De acordo com o CPC vigente, “os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei” (CPC, artigo 966, § 4º).

A legislação, portanto, não deixa dúvida de que os atos praticados pelas partes e homologados pelo juiz não se sujeitam nem mesmo à ação rescisória, sendo necessário o ajuizamento de ação anulatória.

Anulado o ato homologado, o ato homologatório perde sua razão de ser, pois seu objeto deixa de existir juridicamente, o que acarretaria, inclusive, na extinção de eventual cumprimento dessa sentença.

Assim, a ação não deve busca atacar o ato homologatório e sim o ato homologado.

 Relevante a lição de Barbosa Moreira:

“Procedente que seja o pedido de anulação do ato homologado, não pode subsistir a sentença homologatória, se bem que a ação não a tenha visado diretamente. A sentença, em si, não é rescindida; mas, como não passava de envoltório do ato homologado, a anulação deste, por assim dizer, a esvazia. Seria absurdo conceber que pudesse continuar a surtir algum efeito a homologação de ato que se desfez. O processo primitivo, normalmente, retomará sua marcha, refazendo o itinerário percorrido desde o ato invalidado, ou passando às etapas subsequentes que o ato invalidado (pense-se na desistência da ação) porventura o haja impedido de alcançar.” [7]

 Como se denota, a despeito da relevância do acordo ou transação, é importante alertar as partes signatárias que a superveniente alteração do quadro fático, ainda que cause desequilíbrio no ajuste, não autoriza o ajuizamento de uma ação revisional, mas apenas a propositura da intrincada ação anulatória, cujas hipóteses de cabimento são bem mais restritas e de difícil comprovação.


[1] https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/02/justica-em-numeros-2023-16022024.pdf. Acesso em 27/04/2024.

[2] STJ, AgInt no AREsp n. 1.262.499/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 28/3/2019, DJe de 2/4/2019.

[3] STJ, AgInt no REsp n. 1.714.591/SP, relator Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Quarta Turma, julgado em 24/4/2018, DJe de 30/4/2018.

[4] MARINONI, Luiz Guilherme et al. Novo Código de Processo Civil Comentado. 2ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: RT, 2016, p. 1.026.

[5] AgRg na Pet nº 9.274/BA, Corte Especial, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe  13/08/2013.

[6] REsp 693.960/RJ, Relator Ministro Francisco Falcão, 1ª Turma, DJ 28/11/2005.

[7] Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V, 15ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 167.

Autores

  • é advogado do escritório Carlos de Araújo Pimentel Advogados Associados, pós-graduado em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito e bacharel em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário da Grande Dourados.

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