Opinião

AJG e honorários advocatícios nos parcelamentos administrativos tributários

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29 de fevereiro de 2024, 18h19

Questão de relevante impacto na negociação e parcelamento de dívidas tributárias refere-se ao pagamento dos honorários sucumbenciais dos procuradores municipais, estaduais e federais que conduzem os processos de execução fiscal e a cobrança de dívidas tributárias.

Geralmente, a comprovação do pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência são requisitos essenciais para a validade e consolidação dos parcelamentos administrativos realizados pelos contribuintes, conforme previsto em normas, instruções ou portarias dos órgãos administrativos responsáveis pela cobrança tributária.

Os percentuais fixados pelos juízos no despacho inicial, para pronto pagamento, representam 10% da dívida em execução (nos termos do artigo 827, do CPC), de forma que se acrescentarmos ao cálculo os valores de multas, juros, encargos e correção monetária, a dívida ativa vencida e não paga cresce exponencialmente.

Aliado a este quesito, o baixo número de parcelas, a necessidade de oferecimento de garantias em muitos casos inexistentes e outros requisitos muitas vezes inexequíveis, imputados pela Fazenda Pública, acabam tornando a negociação inviável para muitos contribuintes endividados.

Assim, a extensão dos efeitos da assistência judiciária gratuita (AJG) concedida no âmbito judicial também para o âmbito administrativo, para o fim de dispensar o contribuinte do pagamento dos honorários advocatícios (nos termos do artigo 98, §1º, VI, do CPC), poderia representar interessante medida, a fim de incentivar a negociação e quitação de débitos tributários. Contudo, não é isto que tem se observado na prática.

Em muitos casos, como no Rio Grande do Sul, por exemplo, a Procuradoria Geral do estado obriga os contribuintes endividados a adiantarem ou parcelarem o valor relativo aos honorários advocatícios fixados ao início da execução fiscal para fins de efetivação do parcelamento administrativo, mesmo que o juízo das execuções fiscais já tenha analisado e deferido o pedido de assistência judiciária gratuita (AJG) no âmbito judicial.

Contudo, ao nosso ver, é preciso lembrar que os honorários advocatícios não subsistem sem o âmbito judicial, uma vez que a sua fixação é justamente uma contraprestação dos serviços realizados pelos procuradores nos processos judiciais.

Dessa maneira, importa dizer que não existe cobrança de honorários no âmbito administrativo sem que antes tenha havido uma manifestação de vontade do Poder Judiciário fixando e autorizando sua cobrança. Ou seja, os honorários advocatícios não se sustentam por si só no âmbito administrativo, sem uma determinação judicial que os fixe e institua.

Além disso, o próprio CPC é claro em destacar que acaso vencido o beneficiário da AJG, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade:

Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.

[…]

§ 3º Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.

Nesse sentido, se somente o Poder Judiciário pode fixar os honorários em razão na necessidade de uma atuação dentro do âmbito judicial e em decorrência dos princípios da sucumbência e causalidade, esse mesmo Poder Judiciário tem a atribuição de suspender ou cessar a cobrança de tais encargos, no exemplo do que acontece quando concedido o benefício da AJG ao contribuinte.

Dispensa de pagamento
Com isso, da mesma maneira que a fixação de honorários pelo juízo pode irradiar efeitos na área administrativa, autorizando sua cobrança pelos procuradores quando formalizados os parcelamentos administrativos, a suspensão da exigência, quando deferida a AJG, nos termos do artigo 98, §3º, do CPC, também poderá irradiar efeitos na área administrativa, para o fim de fazer valer a cláusula suspensiva de sua exigibilidade e dispensar o contribuinte do seu pagamento.

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Nesse sentido, convém relembrar que a regulamentação, a fixação e a determinação da suspensão da exigibilidade dos honorários advocatícios nas execuções é prevista em legislação, através das disposições constantes no Código de Processo Civil, cabendo somente ao Poder Judiciário sua fixação, suspensão, minoração, majoração ou extinção.

Contudo, a fixação e regulamentação dos honorários no âmbito dos parcelamentos administrativos, pelo Poder Executivo, em muitos casos, se dá através de portarias, resoluções ou atos normativos de menor hierarquia (como no Rio Grande do Sul, ao exemplo da Resolução nº 194/2021).

Dessa maneira, em atenção ao princípio da hierarquia normativa e da separação dos poderes, não pode a Fazenda Pública, uma vez suspensa a exigência dos honorários pelo Poder Judiciário com fundamentado na lei (Código de Processo Civil), ignorar tal disposição e impor ao contribuinte/devedor um encargo ou uma incumbência prevista por si mesma tão somente em resolução, portaria ou instrução normativa.

Assim, ao nosso ver não há óbice para que os benefícios da AJG concedida aos contribuintes executados no âmbito judicial sejam estendidos também ao âmbito administrativo para fins de dispensar o pagamento dos honorários advocatícios, facilitar e incentivar a solução da lide através do parcelamento dos débitos.

Mais do que isso, não só não há óbice, como sua extensão ao âmbito administrativo e a observação pela Fazenda Pública é uma imposição legal, decorrente do próprio artigo 98, §3º, do CPC, de modo que o agir diverso afronta a própria lei.

A respeito do tema, a própria concessão do benefício (AJG) na área judicial e a permissão de sua cobrança na área administrativa mostram duas posições antagônicas e desprovidas de qualquer lógica que auxilie na solução do litígio entre as partes.

Agir este que vai de encontro às mais recentes correntes que incentivam e dão credibilidade às soluções voltadas à composição, mediação e transação das dívidas tributárias de forma amigável entre fisco versus contribuinte.

Por fim, consideramos que não nos cabe somente criticar o atual sistema adotado, mas também promover o debate e incentivar sugestões que aprimorem a cobrança das dívidas tributárias e fomentem uma maior aproximação entre exequentes e executados.

Percentual intermediário nos honorários
Nesse sentido, uma solução que nos parece atrativa e que trazemos para discussão, converge para o fato de que os juízes ou até mesmo uma mudança legislativa, ao exemplo do que ocorre com os artigos 90 e 827, §1º, do CPC, poderiam fixar ou prever um percentual intermediário de honorários fixados inicialmente para o caso de parcelamento (transação) dos débitos no curso da execução fiscal.

Esta solução se mostra adequada, uma vez que, na maioria dos casos, os honorários devidos pelo contribuinte que parcela/transaciona o débito acabam sendo os mesmos daquele contribuinte que é sucumbente em sua defesa após diversas peças e discussões processuais muitas vezes inócuas, resultando em um desincentivo à transação dos débitos tributários.

Outra sugestão seria a divisão igualitária das despesas processuais e honorários entre as partes integrantes da transação, a exemplo do disposto no artigo 90, §2, do CPC, a fim de incentivar que o próprio advogado procurador do contribuinte busque uma solução administrativa que reduza o litígio e ponha fim tanto ao débito tributário, como também ao processo judicial e ao sobrecarregamento do Poder Judiciário com execuções fiscais inócuas.

Esta iniciativa, contudo, deve ser analisada com cuidado, além de possuir ferramentas que impeçam o recebimento de honorários advocatícios apenas pela formalização do acordo, mas sim fundamentados no êxito da negociação firmada.

Por outro lado, importante mencionar que não se desconsidera o caráter alimentar da verba honorária dos procuradores públicos, que possui importante função no ordenamento jurídico e na retribuição do trabalho, de forma que, igualmente, não pode ser mitigada ou utilizada apenas como ferramenta de manobra para soluções que visem apenas o discurso político e o apelo popular.

De qualquer maneira, nos parece que a evolução do direito tributário e da relação entre contribuintes e a Fazenda Pública vem apresentando passos importantes no desenvolvimento de práticas eficientes e saudáveis, que busquem ressarcir os prejuízos ao erário, ao mesmo tempo que preza pela conservação e manutenção da atividade econômica, a fim de preservar o desenvolvimento e a geração de renda e trabalho também para aquelas empresas que se encontram em débito com o Estado.

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