Opinião

Do pagamento de honorários advocatícios à Defensoria Pública da União

Autor

  • Maíra de Carvalho Pereira Mesquita

    é mestre em Direito pela UFPE especialista em Direito Processual Civil e em Direito Civil professora na graduação e pós-graduação da Faculdade Damas da Instrução Cristã e cursos jurídicos defensora pública federal e coordenadora da Câmara de Coordenação e Revisão Cível da Defensoria Pública da União.

10 de setembro de 2023, 11h19

A condenação ao pagamento de honorários advocatícios decorre da sucumbência processual, nos termos do artigo 85 do CPC: na sentença, deve o juízo condenar o vencido ao pagamento de honorários advocatícios ao advogado do vencedor [1]. Uma vez transitado em julgado este capítulo da decisão, segue-se à fase de execução para recebimento de tais verbas.

O objetivo do presente texto é verificar a possibilidade de fixação de honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública da União quando atua judicialmente em face da União, autarquias e fundações federais, à luz da Súmula 421 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tema 1002 da Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal (STF).

A Súmula 421 do STJ dispõe: "Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença".

O fundamento do enunciado transcrito é o instituto da confusão, espécie de extinção da obrigação prevista no artigo 381 do Código Civil [2]. Parte-se do pressuposto que a Defensoria Pública é órgão integrante da administração pública, sem autonomia ou orçamento próprio. Assim, por exemplo, quando a Defensoria Pública representa judicialmente uma pessoa hipossuficiente e ajuíza ação em face da União para fornecimento de medicamentos, em caso de procedência do pedido, de acordo com a súmula 421, não seriam devidos honorários à DPU.

A Súmula 421 do STJ reflete jurisprudência anterior ao advento da Lei Complementar 132, de 07 de outubro de 2009, e às Emendas Constitucionais nº 74/2013 e 80/2014. A despeito de o verbete ter sido editado e publicado em 2010, tem fundamento em precedentes anteriores à alteração constitucional, a qual concedeu autonomia funcional e administrativa à Defensoria Pública da União, além de orçamento próprio e distinto da União e suas autarquias.

Isto porque os §§2º e 3º do artigo 134 da Constituição Federal (acrescidos pelas EC 74/2013 e 80/2014) e o artigo 4º, XXI, da Lei Complementar nº 80/94 (incluído pela LC 132/2009) normatizaram a autonomia administrativa e funcional da Defensoria Pública da União. Importa dizer, assim, que a DPU não mais faz parte da estrutura da União, passando a possuir orçamento próprio e distinto. Destarte, não há se falar em confusão (artigo 381, CC) entre credor e devedor quando envolvidos de um lado a Defensoria Pública da União e do outro, a União ou qualquer de suas entidades, já que o repasse de recursos destinados à Defensoria constitui verdadeira imposição constitucional, e não opção do gestor federal [3] — daí falar-se no atributo de autonomia da instituição.

No mesmo sentido, a Lei Complementar nº 80/1994 é clara em seu artigo 4º, XXI, acerca do recebimento de honorários, inclusive por quaisquer entes públicos. Vejamos:

"Artigo 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

XXI – executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores; (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009)".

Sabe-se que existe vedação expressa, na mesma LC 80/94, em seu artigo 46, III, sobre a percepção de honorários pelos membros da DPU. Resta evidente, portanto, que a verba dos honorários será destinada ao aparelhamento e capacitação da instituição, de seus membros e servidores, o que se reveste de grande importância para a prestação da assistência jurídica integral e gratuita de qualidade.

O Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a nova feição constitucional conferida à Defensoria Pública após as Emendas Constitucionais nº 45/2004, 74/2013 e 80/2014, decidiu não haver confusão entre o orçamento da Defensoria Pública da União (autônoma) e a União. Significativo o julgado datado de 2017 no AR 1.937, relator ministro Gilmar Mendes, j. 30/6/2017 que reconheceu serem devidos à Defensoria Pública tais honorários:

"Agravo Regimental em Ação Rescisória. 2. Administrativo. Extensão a servidor civil do índice de 28,86%, concedido aos militares. 3. Juizado Especial Federal. Cabimento de ação rescisória. Preclusão. Competência e disciplina previstas constitucionalmente. Aplicação analógica da Lei 9.099/95. Inviabilidade. Rejeição. 4. Matéria com repercussão geral reconhecida e decidida após o julgamento da decisão rescindenda. Súmula 343 STF. Inaplicabilidade. Inovação em sede recursal. Descabimento. 5. Juros moratórios. Matéria não arguida, em sede de recurso extraordinário, no processo de origem rescindido. Limites do Juízo rescisório. 6. Honorários em favor da Defensoria Pública da União. Mesmo ente público. Condenação. Possibilidade após EC 80/2014. 7. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. Agravo a que se nega provimento. 8. Majoração dos honorários advocatícios (artigo 85, §11, do CPC). 9. Agravo interno manifestamente improcedente em votação unânime. Multa do artigo 1.021, §4º, do CPC, no percentual de 5% do valor atualizado da causa". (AR 1937 AgR, relator(a): Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 30/06/2017, Acordão Eletrônico DJe-175 DIVULG 08-08-2017 PUBLIC 09-08-2017).

Considerando a relevância da questão constitucional, o Supremo Tribunal Federal afetou como tema de Repercussão Geral o pagamento de honorários à Defensoria Pública (Tema 1.002), nos autos do Recurso Extraordinário 114005.  Recentemente, o STF finalizou o julgamento do Tema 1.002 da Repercussão Geral, e reconheceu, com efeitos vinculantes, serem devidos honorários à Defensoria Pública em ações contra qualquer ente público. Veja-se extrato da decisão:

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, apreciando o Tema 1.002 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para condenar a União ao pagamento de honorários em favor da Defensoria Pública da União, no valor de 10% sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85 do CPC, e fixou as seguintes teses: "1. É devido o pagamento de honorários sucumbenciais à Defensoria Pública, quando representa parte vencedora em demanda ajuizada contra qualquer ente público, inclusive aquele que integra; 2. O valor recebido a título de honorários sucumbenciais deve ser destinado, exclusivamente, ao aparelhamento das Defensorias Públicas, vedado o seu rateio entre os membros da instituição". Tudo nos termos do voto do relator. Plenário, Sessão Virtual de 16/6/2023 a 23/6/2023.

Nas razões de decidir do voto proferido pelo ministro relator Luís Roberto Barroso, restaram reconhecidos: 1) as mudanças ocorridas, em relação à Defensoria Pública, no artigo 134 da Constituição Federal realizadas pelas emendas 45/2004, 74/2013 e 80/2014; 2) o papel desempenhado pela Defensoria Pública no acesso à justiça; 3) a presente estruturação das Defensorias pelo país; 4) a superação da tese da confusão patrimonial; 5) a necessidade de aparelhamento da instituição e a existência de um desestímulo à litigiosidade infundada.

Assim, pode-se afirmar que o julgamento do Tema 1.002 do STF corroborou a interpretação anterior acerca da autonomia constitucional da Defensoria Pública da União. Ressalte-se que o Tribunal reconheceu a necessidade do pagamento dos honorários sucumbenciais à Defensoria Pública da União, bem como a destinação dessa verba exclusivamente para o seu Fundo de Aparelhamento.

No âmbito do STJ, começa-se a verificar a mudança jurisprudencial após julgamento do Tema 1.002 do STF. Nos autos da Rcl nº 44.414, a ministra relatora acolheu os Embargos de Declaração opostos pela Defensoria Pública, e fixou honorários advocatícios em seu favor, a serem pagos pelo do estado de Santa Catarina. Veja-se:

"Trata-se de Embargos de Declaração, opostos pela DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA, contra a decisão de fls. 119/121e, na qual julguei 'procedente a presente Reclamação, para cassar a decisão reclamada e determinar que o Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Joinville/SC cumpra a decisão proferida no IAC 14/STJ, devendo o feito prosseguir na justiça estadual'. A parte embargante sustenta, em síntese, que 'Houve omissão na decisão, visto que, não obstante a procedência da reclamação, não houve condenação da parte contrária na ação de origem ao pagamento de honorários sucumbenciais em favor da embargante'" (fl. 158e).

O estado de Santa Catarina apresentou impugnação aos declaratórios (fls. 165/169e). A pretensão merece acolhida.

Com efeito, em que pese ter julgado procedente a reclamação, a decisão embargada foi omissa quanto à fixação de honorários de sucumbência.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência no sentido de que a) "uma vez aperfeiçoada a relação processual na reclamação, são cabíveis honorários sucumbenciais para as reclamações ajuizadas na vigência do Código de Processo Civil de 2015" (STJ, EDcl na Rcl 39.884/AL, relator ministro Humberto Martins, 1ª Seção, DJe de 30/11/2022); e b) "a obrigação de fazer imposta ao Estado, relativa a fornecimento de medicamentos para tratamento contra enfermidades, objetiva a preservação da vida e/ou da saúde garantidas constitucionalmente, bens cujo valor é inestimável, o que justifica a fixação de honorários por equidade" (STJ, AgInt nos EDcl no REsp 1.878.495/SP, relator ministro Paulo Sérgio Domingues, 1ª Turma, DJe de 20/04/2023).

Ressalte-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do Tema 1.002 da Repercussão Geral, fixando a seguinte tese: "1. É devido o pagamento de honorários sucumbenciais à Defensoria Pública, quando representa parte vencedora em demanda ajuizada contra qualquer ente público, inclusive aquele que integra;

2. O valor recebido a título de honorários sucumbenciais deve ser destinado, exclusivamente, ao aparelhamento das Defensorias Públicas, vedado o seu rateio entre os membros da instituição".

Assim, com base em tais parâmetros, cabível a condenação da parte sucumbente no pagamento de honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00 para cada réu da ação originária (estado de Santa Catarina e município de Joinville). Ante o exposto, acolho os embargos de declaração, para, sanando a omissão apontada, condenar o estado de Santa Catarina e o município de Joinville no pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 1.000 para cada réu da ação originária, cujo valor deverá ser destinado ao Fundo de Aparelhamento da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina.

Brasília, 3 de agosto de 2023. Ministra Assusete Magalhães relatora (EDcl na Rcl nº 44.414, ministra Assusete Magalhães, DJe de 4/8/2023) [4].

Ante o exposto e em especial após o julgamento do Tema 1002 RG do STF, não restam dúvidas de que são devidos honorários à Defensoria Pública da União, inclusive quando litiga em face de qualquer ente público federal. Por consequência, não obstante ainda não tenha sido formalmente cancelada a Súmula 421 do STJ, ela deve ser considerada superada.

 


[1] O artigo 85 do Novo CPC substitui, com inúmeras novidades, o artigo 20 do CPC/1973, ao versar sobre importantes aspectos dos honorários advocatícios. O caput do dispositivo legal ora analisado prevê que a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor, no que deve ser elogiado por reafirmar ser o advogado o credor do valor estabelecido em honorários sucumbenciais. Não custa lembrar que o caput do art. 20 do CPC/1973 previa erroneamente a condenação do vencido a pagar tais honorários ao vencedor. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – Volume único / Daniel Amorim Assumpção Neves – 8. ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p. 421)

[2] 381. Extingue-se a obrigação, desde que na mesma pessoa se confundam as qualidades de credor e devedor.

[3] Nesse sentido: "Arguição por descumprimento de preceito fundamental julgada procedente, para fixar a seguinte tese: 'É dever constitucional do Poder Executivo o repasse, sob a forma de duodécimos e até o dia 20 de cada mês (artigo 168 da CRFB/88), da integralidade dos recursos orçamentários destinados a outros Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos, como o Ministério Público e a Defensoria Pública, conforme previsão da respectiva Lei Orçamentária Anual'". (STF – Plenário. ADPF 339, relator ministro Luiz Fux, DJe: 18/05/2016).

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  • é mestre em Direito pela UFPE, especialista em Direito Processual Civil e em Direito Civil, professora na graduação e pós-graduação da Faculdade Damas da Instrução Cristã e cursos jurídicos, defensora pública federal e coordenadora da Câmara de Coordenação e Revisão Cível da Defensoria Pública da União.

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