Opinião

Honorários advocatícios na liquidação e no cumprimento de sentença em MS

Autor

  • José Henrique Mouta Araújo

    é pós-doutor (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) doutor e mestre (Universidade Federal do Pará) professor do Centro Universitário do Estado do Pará (Cesupa) e do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) procurador do estado do Pará e advogado.

4 de setembro de 2023, 21h32

Este ensaio analisa, de acordo com a variação interpretativa oriunda de julgados do STJ (Superior Tribunal de Justiça), o real alcance do artigo 25, da Lei 12.016/09, que expressamente afasta a condenação em honorários advocatícios no âmbito do mandado de segurança.

Destaco que muitas das questões que aqui serão apresentadas foram provocadas em recente diálogo com três grandes juristas e amigos: professores Leonardo Carneiro da Cunha, Paulo Mendes e Ravi Peixoto. Este texto, portanto, é em homenagem a estes mestres.

Logo de início, entendo que é necessário apresentar três variáveis relacionadas às fases do procedimento do mandado de segurança e ao (in)cabimento de honorários sucumbenciais: a) na fase de conhecimento propriamente dita (até a decisão meritória que concede ou denega a segurança); b) na liquidação de sentença individual oriunda de mandado de segurança individual ou coletivo; c) na fase de cumprimento de sentença individual oriunda de título executivo judicial individual ou coletivo.

Em relação à fase de conhecimento não resta qualquer dúvida: tratando-se de ação constitucional de natureza mandamental, não é cabível a fixação de honorários sucumbenciais, nos termos da previsão contida na lei de regência.

No tema, importante transcrever Ementa de Acórdão proferido pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, inclusive fazendo expressa menção aos termos do Enunciado 105 da Súmula da Jurisprudência Dominante da Corte e ao artigo 24, parágrafo único, da Lei nº 8.038/1990:

"PROCESSUAL CIVIL. HABEAS DATA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. 1. É impertinente o pedido de condenação em honorários advocatícios em habeas data, tendo em vista que o artigo 24, parágrafo único, da Lei nº 8.038/1990, que institui normas procedimentais para os processos em que especifica, dispôs que, 'no mandado de injunção e no habeas data, serão observadas, no que couber, as normas do mandado de segurança, enquanto não editada legislação específica'. 2. O artigo 25 da Lei nº 12.016/2009, ao dispor sobre o mandado de segurança individual e coletivo, estabelece: 'Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé'. 3. O preceito legal reproduz o entendimento consagrado na Súmula nº 105/STJ, que explicita: 'Na ação de mandado de segurança, não se admite condenação em honorários advocatícios', não havendo ensejo para condenação em honorários advocatícios no habeas data. 4. Agravo interno desprovido". AgInt no REsp 1936003 / RJ  1ª T/STJ  relator ministro Gurgel de Faria  J. em 25/10/2021  DJe 25/11/2021.

Importante destacar que, dentre outros, este artigo 25 da Lei 12.016/09 foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.296/STF) a qual, ao final, foi julgada parcialmente procedente apenas no que respeita à inconstitucionalidade do disposto nos artigos 7º, §2º e 22, §2º.

Contudo, o relator excelentíssimo ministro Marco Aurélio ficou vencido quanto ao seu voto que indicava a inconstitucionalidade da passagem "e a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé", prevista neste artigo 25, da Lei 12.016/09.

Logo, em razão do caráter dúplice da ADI, o artigo 25, da Lei do Mandado de Segurança foi declarado a conformidade deste dispositivo com a Constituição de 1988.

De outro prisma, é necessário esclarecer, o que será importante para reflexões que serão apresentadas no final deste texto, que no mandado de segurança exitem dois intervenientes com funções específicas: a) a autoridade coatora  que será notificada, prestará informações e eventualmente será instada a adotar a providência mandamental (artigo 7º, I, da Lei 12.016/09), estendendo-se a ela a legitimidade recursal na condição de terceiro (artigo 14, §2º, da Lei 12.016/09; b) a pessoa jurídica de direito público, cuja intimação e participação no feito é realizada por meio do respetivo órgão da advocacia pública (artigo 7º, II, 9º, 13, 14, 15, dentre outros, da Lei 12.016/09).

Tal aspecto pode ser assim resumido: no mandamus há atuação multiparte (multipolar), cabendo à autoridade coatora a adoção da conduta mandamental (fazer ou não fazer) advinda de tutela provisória ou da própria concessão da ordem,  ao passo que o representante judicial da pessoa jurídica é responsável pela adoção das providências processuais, incluindo recursos, pedido de suspensão, etc.

Logo, nada impede que, em decorrência da concessão da ordem e adoção da conduta de fazer direcionada à autoridade coatora, ocorra reflexo pecuniário, gerando o cumprimento de obrigação de pagar sincrético e direcionado à pessoa jurídica de direito público (artigo14, §4º, da Lei 12.016/09 c.c artigos 534 e 535, do CPC).

Em texto anteriormente escrito, analisei qual seria o melhor direcionamento das multas e medidas executivas atípicas visando o cumprimento da obrigação mandamental advinda do mandamus, com preocupação específica relacionado a este conceito de multipolaridade com responsabilidades distintas [1].

Dito isso, importante enfrentar a questão inerente à fixação de honorários na liquidação da sentença do mandado de segurança, com as seguintes premissas: a) a liquidação está localizada ainda na fase de conhecimento, com a finalidade de definir o quantum debeatur reflexo a ser objeto de futuro cumprimento de sentença de quantia; b) a liquidação e cumprimento de sentença de quantia são direcionados à pessoa jurídica de direito público, com satisfação por Precatório Requisitório ou Requisição de Pequeno Valor (artigo 100, da CF/88).

A questão a ser respondida é a seguinte: o artigo 25, da Lei 12.016/09 está restrito à fase de conhecimento propriamente dita ou alcança o procedimento liquidatório prévio ao cumprimento de sentença de quantia?

Duas situações são tratadas pelo STJ quanto a este ponto.

A rigor, não há fixação de honorários na fase de liquidação de sentença exatamente pelo seu papel de "complementação" do conteúdo decisório, tendo por móvel a fixação do quantum debetur, exceto se existir litigiosidade na liquidação, com identificação de sucumbência. Vale citar o item 2 da Ementa do recente Acórdão AgInt no AgInt no REsp 1955594 / MG (1ª T/STJ  relator ministro Paulo Sérgio Domingues  J. em 29/05/2023 – DJe 06/06/2023), onde há indicação de outros julgados da Corte [2]:

"2. O artigo 85, §1º, do NCPC regulou as exatas hipóteses de fixação da verba honorária, não contemplando a fase de liquidação de sentença por se tratar de procedimento que tem por finalidade a definição do montante devido para possibilitar a satisfação do título judicial. Todavia, a jurisprudência consolidou o entendimento de que, constatada a litigiosidade na liquidação, a efetiva sucumbência da parte implicará sua condenação nas verbas sucumbenciais. Precedentes: EDcl nos EDcl no REsp 1.960.177/RS, relator ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 2/12/2022; AgInt no REsp 2.016.278/SP, relator ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 13/2/2023, DJe de 28/2/2023; AgInt no AREsp 1.781.672/SP, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13/12/2021, DJe de 16/12/2021."

Outra situação processual de grande relevância é quando ocorre a liquidação e posterior cumprimento de sentença individual de título executivo judicial oriundo de mandado de segurança coletivo.  Neste caso, resta evidente que a liquidação configura procedimento autônomo e externo ao título executivo judicial coletivo, com alta carga cognitiva capaz de fundamentar a necessidade de fixação de honorários sucumbenciais.

A liquidação individual de título coletivo, a rigor, se trata de outra ação, na qual deverá ser comprovada que a situação específica do liquidante se encaixa nos limites da coisa julgada advinda do título executivo coletivo genérico, com novo e autônomo objeto litigioso.

Aliás, não se pode confundir liquidação e cumprimento de sentença de quantia provenientes de decisão em mandado de segurança individual (fases sincréticas da mesma relação processual) com os casos em que o requerente pretende reconhecimento do seu direito em decorrência de título executivo coletivo (medida judicial autônoma com carga cognitiva à ensejar o cabimento de honorários sucumbenciais, nos termos do Enunciado 345, de Súmula da Jurisprudência Dominante do Superior Tribunal de Justiça).

Quanto ao ponto, outra passagem do da Ementa do Acórdão AgInt no AgInt no REsp 1955594 / MG (1ª T/STJ  relator ministro Paulo Sérgio Domingues  J. em 29/05/2023 – DJe 06/06/2023) aponta que: "Tratando-se de liquidação individual de sentença decorrente de ação coletiva, é devida a verba honorária, ainda que proveniente de ação mandamental, a teor do disposto na Súmula 345/STJ".

Resta analisar, respeitando o espaço editorial aqui disponível, a questão relacionada aos honorários advocatícios no cumprimento de sentença em mandado de segurança.

Como já mencionado em outra passagem, a carga cognitiva é totalmente diferente quando se tratar de cumprimento de sentença de quantia oriunda de título executivo individual, se comparada ao título executivo coletivo, pelo que o Enunciado 345, da Súmula da Jurisprudência Dominante do Superior Tribunal de Justiça é claro ao consagrar que: "são devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções individuais de sentença proferida em ações coletivas, ainda que não embargadas".

O raciocínio, que também se aplica ao mandado de segurança, é simples: de acordo com o entendimento dominante da Corte da Cidadania, apenas em caso de cumprimento de sentença individual oriundo de título executivo judicial coletivo, há a incidência de honorários.

A propósito, esta passagem de julgado da 1ª Turma é bem elucidativa quanto aos limites argumentativos e cognitivos das duas modalidades de cumprimento de sentença (título executivo individual e coletivo):

"3. Embora a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça tenha firmado a orientação de que são devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública nas execuções individuais de sentença proferida em ações coletivas, ainda que não embargadas (Súmula 345/STJ), inclusive nos mandados de segurança coletivos (vide AgInt no AREsp 1.236.023/SP, relator ministro Sérgio Kikina, Primeira Turma, DJe 09/08/2018), a ratio decidendi desse posicionamento se deve à natureza genérica das sentenças proferidas em tais demandas, a exigir do patrono do exequente, além da individualização e liquidação do valor devido, a demonstração da titularidade do exequente em relação ao direito material, o que revela o alto conteúdo cognitivo existente nessas execuções, situação diversa da enfrentada no presente caso, que trata do cumprimento de título judicial oriundo de ação mandamental individual". (AgInt no REsp 1968010  relator ministro Manoel Erhardt (desembargador convocado do TRF5)  1ª T  J. em 09/05/2022  DJe 11/05/2022).

Outros recentíssimos julgados sobre o tema:

"1. O STJ entende que em mandado de segurança não são cabíveis honorários advocatícios, consoante o disposto no artigo 25 da Lei 12.016/2009 e na Súmula 105/STJ, não havendo ressalva quanto à fase de cumprimento de sentença. Precedentes (…)  2. Na espécie, não se trata de execução individual de sentença proferida em ação coletiva, de modo que não se aplica a ressalva ao artigo 25 da Lei 12.016/2009". (AgInt no REsp 1994560 / MG  1ª T/STJ  relator ministro Paulo Sérgio Domingues  J. 12/06/2023 – DJe 22/06/2023.
"V. Nos termos da jurisprudência desta Corte, na fase de cumprimento de sentença em Mandado de Segurança individual, não cabem honorários advocatícios de sucumbência, na esteira do disposto no artigo 25 da Lei 12.016/2009 e na Súmula 105/STJ". (AgInt no AgInt no AREsp nº 2.127.997/MG, relator ministro Assusete Magalhães, 2ª T/STJ, J. 22/5/2023, DJe 26/5/2023).

O assunto parece estar sedimentado na jurisprudência da Corte da Cidadania. Contudo, antes de encerrar, entendo necessário citar o item 4 do Acórdão AgInt no AgInt no REsp 1955594 / MG (1ª T/STJ  relator ministro Paulo Sérgio Domingues  J. em 29/05/2023 – DJe 06/06/2023) para, em seguida, fazer uma reflexão/indagação final:

"4. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça já consolidou a orientação de que 'a aplicação do artigo 25 da Lei nº 12.016/2009 restringe-se à fase de conhecimento, não sendo cabível na fase de cumprimento de sentença, ocasião em que a legitimidade passiva deixa de ser da autoridade impetrada e passa ser do ente público ao qual aquela encontra-se vinculada. Mostra-se incidente a regra geral do artigo 85, §1º, do CPC, que autoriza o cabimento dos honorários de sucumbência na fase de cumprimento, ainda que derivada de mandado de segurança'". (AgInt na ImpExe na ExeMS 15.254/DF, relator ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, julgado em 29/3/2022, DJe 1º/4/2022).

Claro que, pela análise dos precedentes aqui indicados, este raciocínio ligado ao cabimento de honorários na fase de cumprimento de sentença refere-se à provocação individual advinda de título executivo judicial coletivo. Contudo, a ratio decidendi contida nesta passagem de Acórdão da 1ª Turma parece ser a mesma em caso de cumprimento de sentença de título executivo individual, a saber: na fase de cumprimento de sentença de quantia reflexo do reconhecimento do direito líquido e certo, a executada é a pessoa jurídica de direito público e não a autoridade coatora, com satisfação por Precatório Requisitório ou Requisição de Pequeno Valor.

Aliás, na Ementa do Acórdão AgInt na ImpExe na ExeMS 15.254/DF, relator ministro Sérgio Kukina, 1ª Seção, J. 29/3/2022, DJe 1º/4/2022 (mencionado acima) não consta ressalva quanto à natureza do título objeto do cumprimento, afirmando apenas que: "mostra-se incidente a regra geral do artigo 85, §1º, do CPC, que autoriza o cabimento dos honorários de sucumbência na fase de cumprimento, ainda que derivada de mandado de segurança".

Fica esta reflexão/indagação final: considerando que a parte no cumprimento de sentença de quantia relativo ao reflexo pecuniário é diferente daquela a quem é direcionado o capítulo mandamental, seria cabível honorários advocatícios mesmo em cumprimento de sentença de título executivo individual, ou apenas no cumprimento individual de título coletivo [3]?

Estas são as minhas contribuições a este importante debate.

 

 


[1] ARAÚJO, José Henrique Mouta. Multa e medidas atípicas no mandado de segurança: um tema com variações. Medidas executiva atípicas. Eduardo Talamini e Marcos Youji Minami (coords). 4ª edição. São Paulo: Editora Juspodivm, 2023, pp. 585-601.

[2] Mais a frente irei transcrever o item 4 da Ementa desta Acórdão, visando lançar algumas reflexões relacionadas ao conceito de multipolaridade de parte, especialmente no que respeita ao cumprimento do reflexo pecuniário decorrente de decisão que concedeu a segurança.

[3] Ainda quanto ao tema (honorários em execução individual de sentença em mandado de segurança coletivo): AgInt no AREsp 1105381-SP, AgInt no AREsp 933746-SP, AgInt no AREsp 919265-SP, REsp 1740156-SP, AgInt no AREsp 1350736-SP.

Autores

  • é pós-doutor (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa), doutor e mestre (Universidade Federal do Pará), professor do Centro Universitário do Estado do Pará (Cesupa) e do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), procurador do estado do Pará e advogado.

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