Opinião

O dever de motivar a dispensa de empregados públicos segundo o STF

Autores

  • Rosangela Rodrigues Lacerda

    é procuradora do Trabalho do Ministério Público do Trabalho da 5ª Região professora-adjunta da Universidade Federal da Bahia mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia doutora em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo professora convidada do curso de pós-graduação lato sensu da Faculdade Baiana de Direito Cers Ucsal Unifacs e das escolas judiciais do TRT da 5ª 6ª 7ª e 16ª Regiões.

  • Silvia Teixeira do Vale

    é juíza do Trabalho no TRT da 5ª Região mestra em Direito pela UFBA doutora pela PUC-SP pós-doutora pela Universidade de Salamanca professora convidada do curso de pós-graduação lato sensu da Faculdade Baiana de Direito Ematra5 Cers Cejas Ucsal e da Escola Judicial do TRT da 5ª 6ª 10ª 13º e 16ª Regiões e diretora da Ematra5 (biênio 2019-2021).

27 de fevereiro de 2024, 14h24

No último dia 8 de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do RE nº 688.287-CE, que trata sobre a possibilidade de dispensa imotivada de empregado de empresa pública e de sociedade de economia mista, admitido por concurso público (Tema nº 1.022 da Tabela de Repercussão Geral).

O teor dos votos
O acórdão ainda não foi publicado, mas é possível extrair, da sessão de julgamento, que o relator do referido recurso, ministro Alexandre de Moraes, pontuou que “a porta de entrada não pode ser igual à porta de saída”, em clara utilização de metáfora sobre o ingresso de empregado público por meio de concurso, como imposição constitucional prevista no artigo 37, II da CRFB/88, e o ato que possibilita a dispensa desse mesmo empregado sem necessidade de motivação ou qualquer formalidade semelhante.

Pontuou o ilustre relator que não se tratava, no caso sob análise, de uma outra forma de estabilidade, mas tão somente sobre a necessidade ou não de motivação no ato de dispensa de empregado público vinculado à empresa pública ou sociedade de economia mista, tendo o aludido ministro votado pela não necessidade de se motivar tal ato demissional.

Já o ministro Barroso, que presidiu a sessão, votou pela necessidade de motivação do ato de dispensa, e propôs a seguinte tese:

“as empresas públicas e sociedades de economia mista têm o dever de motivar, por ato formal, a demissão de seus empregados admitidos mediante concurso público. A motivação pode consistir em qualquer fundamento razoável, não se exigindo que se enquadre nas hipóteses de justa causa da legislação trabalhista”.

Propôs-se a adoção de efeitos prospectivos, a fim de se evitar debates acerca de demissões imotivadas pretéritas.

O ministro Barroso chamou a atenção para o fato de que motivar não é apresentar justa causa, é apenas uma justificativa que deve ser apresentada pela empresa pública ou sociedade de economia mista, e que isso pode ser feito de uma maneira light, segundo as palavras de Sua Excelência.

Ou seja, pode ser uma motivação simples, pois, no dizer do referido ministro, “em nome da impessoalidade, tem que motivar”.

Motivar o ato demissional, evidentemente, não redundaria na necessidade de instauração prévia de sindicância, com possibilidade de contraditório e ampla defesa, fato também recordado pelo ministro Toffoli em suas razões de decidir.

O ministro André Mendonça apresentou uma proposta de tese semelhante à proposta do ministro Barroso, lembrando que qualquer controle judicial do ato administrativo não poderá invadir o mérito administrativo, devendo-se limitar à análise da legalidade ou abusividade, fato igualmente recordado pelo ministro Fachin. Eis a tese proposta:

“as empresas públicas e sociedades de economia mista, sejam elas exploradoras de atividade econômica ou prestadora de serviços, ainda que em regime concorrencial, têm o dever formal de motivar a demissão de seus empregados”.

Por seu turno, a ministra Cármen Lúcia reafirmou que a motivação decorre da necessidade de observância dos princípios da confiança e da boa-fé, possibilitando controle posterior do ato demissional pelo Poder Judiciário, mas também ratificou que a motivação não deve ser precedida de processo administrativo para se apurar as razões da Entidade e que o motivo apresentado por esta tem que ser adequado e legítimo, embora não precise ser justo, finalizando ao afirmar que “sem controle, há porta aberta para o arbítrio” e isso é proibido pela Constituição.

Chama a atenção que tanto o ministro Barroso quanto o ministro Gilmar Mendes expressam grande preocupação, com argumentos obter dictum, com o fato de que a Justiça do Trabalho já é responsável pela maior litigiosidade do mundo, sem apresentar dados estatísticos ou indicar com quais países se está realizando a comparação.

Interessante também perceber que o ministro Gilmar Mendes ainda discursou sobre os rumos flexibilistas que a Corte Suprema tem dado às relações de trabalho, a partir da liberação da terceirização para toda e qualquer atividade.

O entendimento e algumas dúvidas
Enfim, na sessão do dia 8 de fevereiro, após um alongado debate e explanação de votos, o Supremo Tribunal Federal decidiu quase da mesma forma que já havia decidido em 2013, quando julgou o RE nº 589.998/PI [1], garantindo que, todas as empresas públicas e as sociedades de economia mista devem motivar seus atos demissionários de empregados públicos aprovados em concurso.

O ministro André Mendonça chamou a atenção para um fato extremamente importante: no caso concreto sob julgamento, o Banco do Brasil havia apresentado os motivos da dispensa do empregado público, mas as razões eram genéricas. Assim sendo, são consideradas motivações? Isso porque a motivação genérica impede o controle posterior da legalidade pelo Poder Judiciários.

Eis aí um futuro argumento para os empregados públicos dispensados com motivação, mas insatisfeitos e desejosos de que seja realizado controle judicial do ato.

Como a tese ainda não foi apresentada, remanescem alguns questionamentos, como, por exemplo, o que seria um motivo “razoável”, proposto pelo ministro Barroso? Somente a análise da razoabilidade do ato demissional já é capaz, por si só, de fazer com que o Poder Judiciário beire à análise de mérito, vez que tal princípio, que é a máxima expressão do devido processo legal no sentido substantivo [2], é poroso e, na célebre frase de Robert Alexy, “um mandamento de otimização” [3].

Sendo assim, quais poderão ser os motivos aceitáveis? Ato de empresa pública rentável e positiva, que demite empregado público concursado, sob a alegação de dificuldade financeira, pode ser revisto pelo Poder Judiciário?

Melhor perguntando, o empregado público pode ser reintegrado, caso o(a) magistrado(a) entenda que os motivos não foram razoáveis? Quais seriam as possibilidades dispostas ao Judiciário, após se acolher a não razoabilidade dos motivos que ensejaram a demissão de empregado público concursado?

Tais perguntas ainda não foram respondidas no debate travado entre os senhores ministros, mas, espera-se, sejam elucidadas na tese. Afinal, quando a Corte Maior, por meio de seus ministros, expressam grande preocupação com a diminuição das ações trabalhistas, há a necessidade de se questionar até que ponto a fixação de tese não esclarecedora fomenta a litigiosidade.

 


 

[1] Nesse julgado, porém, limitou-se a tese à Empresa de Correios e Telégrafos.

[2] Estas articulistas já defenderam que a necessidade de motivação da dispensa de empregado, particular ou público, decorre da cláusula do devido processo legal (VALE, Silvia Teixeira do; LACERDA, Rosangela Rodrigues. Curso de Direito Constitucional do Trabalho, 2. ed., São Paulo: LTr, 2023, p. 448.

[3] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 90.

Autores

  • é procuradora do Trabalho do Ministério Público do Trabalho da 5ª Região, professora adjunta da Universidade Federal da Bahia, mestre em Direito Público pela UFBA, doutora em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela USP, professora convidada do curso de pós-graduação lato sensu da Faculdade Baiana de Direito, Cers, Ucsal, Unifacs e das escolas judiciais do TRT da 5ª, 6ª, 7ª e 16ª Regiões.

  • é juíza do Trabalho no TRT da 5ª Região, mestra em Direito pela UFBA, doutora pela PUC-SP, pós-doutora pela Universidade de Salamanca, professora convidada do curso de pós-graduação lato sensu da Faculdade Baiana de Direito, Ematra5, Cers, Cejas, Ucsal e escolas judiciais de TRTs. diretora da Ematra5 (biênio 2019/2021), membra do conselho editorial da revista eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região e da Revista Vistos Etc. e do conselho acadêmico da Enamatra, órgão de docência da Anamatra, coordenadora acadêmica da Ejud5 (biênio 2021/2023), autora de livros e artigos jurídicos e ex-professora substituta da UFRN.

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