Opinião

Ensinamentos do antigo imposto sobre janelas

Autor

  • Phelippe Toledo Pires de Oliveira

    é procurador da Fazenda Nacional mestre pela Universidade de Paris I Panthéon-Sorbonne mestre e doutor em Direito Tributário pela USP e professor do Ibmec-Brasília tendo sido pesquisador visitante em Berkeley Londres e Viena.

18 de fevereiro de 2024, 7h09

Intrinsecamente relacionado ao fenômeno da tributação está a busca de sinais adequados de riqueza. Mas nem sempre é fácil encontrá-los. Equívocos na sua escolha podem criar distorções e incentivar comportamentos por parte dos contribuintes não contemplados pelo legislador. Este o caso do “window tax”, tributo que existiu no Reino Unido por mais de 150 anos.

Criado em 1696, o imposto sucedeu uma espécie de imposto sobre lareiras denominado “hearth tax”, que era bastante impopular em razão de seu caráter invasivo: os fiscais tinham que entrar nas residências para contar o número de lareiras existentes. Com o imposto sobre janelas, o ingresso dos fiscais era desnecessário, posto que poderiam contar as janelas pelo lado de fora [1].

O tributo incidia sobre o número de janelas da casa, sendo cobrado de forma progressiva [2]. Casas com menos de dez janelas estavam isentas. Casas com mais de dez janelas estavam sujeitas ao tributo que aumentava conforme faixas considerando o número de janelas na fachada (e.g. em 1747, para uma casa com dez a 14 janelas, o tributo era de 6d por janela) [3].

A ideia de isentar casas com menos janelas visava não tributar os mais pobres com menor capacidade contributiva. Mas o número de janelas nem sempre era um indicador confiável para aferir a capacidade contributiva, afinal, o valor de uma casa situada no campo com muitas janelas poderia ser muito inferior ao de uma casa na cidade com poucas janelas.

Tal fato não escapou das críticas de Adam Smith no célebre livro A Riqueza das Nações, de 1776: “A house of ten pounds rent in the country may have more windows than a house of five hundred pounds rent in London; and though the inhabitant of the former is likely to be a much poorer man than that of the latter (…), he must contribute more to the support of the state” [4].

Além disso, nas cidades, era comum que famílias mais pobres dividissem os cômodos das casas, que eram consideradas como uma única habitação para fins do tributo. Por conta disso, essas famílias sujeitavam-se à incidência mais pesada do tributo, posto que era levado em conta o número total das janelas da residência para fins de incidência das faixas de tributação.

Artimanhas dos contribuintes
Não demorou muito para que os contribuintes encontrassem maneiras para escapar do tributo. A mais comum foi o fechamento de janelas com tábuas de madeira ou tijolos. Mas o imaginário dos contribuintes não parou por aí. Seguiu-se uma corrida de gato e rato em que os contribuintes buscavam formas de não pagar o tributo e as autoridades fiscais de combater tais práticas.

De um lado, os contribuintes passaram a construir janelas que iluminavam mais de um cômodo, de maneira que fossem computadas como uma única janela para fins da cobrança do imposto. O governo logo percebeu a artimanha e alterou a legislação para prever que uma janela iluminando mais de um cômodo deveria ser cobrada como se fosse uma janela por cômodo.

Outro artifício utilizado pelos contribuintes foi colocar tábuas ou tijolos soltos para cobrir a janela, de forma a facilitar sua remoção quando conveniente. Em resposta, a legislação passou a prever que nenhuma janela que tivesse sido fechada poderia ser reaberta sem que antes fosse informado ao governo, sob pena de elevadas multas [5].

Reflexos na saúde
O imposto sobre janelas acabou influenciando a arquitetura das casas. Novas residências foram construídas com um número reduzido de janelas para se enquadrar na faixa de isenção ou incidir em faixas mais brandas do imposto. Construções foram feitas com andares inteiros sem janela para minimizar a incidência do tributo.

Habitações com poucas janelas acabaram por prejudicar a saúde de seus ocupantes. A ausência de luz do sol causava deficiência de vitamina D, prejudicando o crescimento de seus habitantes. A falta de ventilação, por sua vez, facilitava o surgimento de doenças como tifo, varíola e cólera. Logo as campanhas contra o tributo se intensificaram.

O tributo foi apelidado por seus oponentes de “imposto sobre a luz do paraíso” e ”imposto sobre a saúde”. Charles Dickens, famoso escritor inglês, teria criticado o imposto dizendo que: “o ditado ‘livre como ar’ teria se tornado obsoleto por ato do parlamento. Nem o ar nem a luz têm sido gratuitos desde a imposição do imposto sobre janelas” [6].

Finalmente, o tributo foi extinto em 1851, mas ainda hoje quem anda pelas ruas de Londres pode verificar a fachada de algumas casas com janelas fechadas. Reflexo de como os tributos podem causar distorções e impactar o comportamento dos contribuintes, até mesmo em prejuízo de seu bem-estar social. Daí a importância de o legislador bem desenhar os tributos.

 


[1] OATES, Wallace E.; SCHWAB, Robert M. “The Window Tax: A case Study in Excess Burden”. Journal of Economic Perspectives, v. 29, n. 1, 2015, p. 165.

[2] Sobre outros detalhes do “window tax”, conferir: Window Tax – UK Parliament.

[3] Conforme informações do Arquivo Nacional britânico. Disponível em: Window tax – The National Archives.

[4] SMITH, Adams. The Wealth of Nations. Introduction by Alan B. Kruger, New York: Bantman Classic, 2003, p. 1071.

[5] KENN Michael; SLEMROD, Joel. Rebellions, Rascals and Revenue: tax follies and wisdom through the ages, Princeton University Press, 2021, p. 21

[6] OATES, Wallace E.; SCHWAB, Robert M. “The Window Tax: A case Study in Excess Burden”. Journal of Economic Perspectives, v. 29, n. 1, 2015, p. 163.

Autores

  • é procurador da Fazenda Nacional, mestre pela Universidade de Paris I Panthéon-Sorbonne, mestre e doutor em Direito Tributário pela USP e professor do IBMEC-Brasília, tendo sido pesquisador visitante em Berkeley, Londres e Viena.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!