Passando a limpo

Revisão de leniências da 'lava jato' é um acerto, afirmam especialistas

 

16 de fevereiro de 2024, 20h26

A decisão do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, de rever os acordos de leniência firmados até 2020 pela finada “lava jato”, por meio de uma audiência de conciliação entre as empresas afetadas e autoridades públicas, foi elogiada pelos estudiosos do tema ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

Essa decisão foi provocada por uma ação apresentada pelos partidos PSOL, PCdoB e Solidariedade. As legendas pediram a suspensão de todos os acordos de leniência fechados pela “lava jato” até 2020 com o argumento de que eles foram pactuados “em situação de extrema anormalidade político-jurídico-institucional, mediante situação de coação”.

Advogados elogiaram decisão do ministro André Mendonça sobre leniências da “lava jato”

Para Gustavo Justino de Oliveira, advogado e professor de Direito Administrativo da USP e do IDP, a iniciativa do ministro é adequada e justa, e pode corrigir numerosas injustiças causadas pelos lavajatistas.

“Venho defendendo o direito de repactuação e revisão dos acordos de leniência há um bom tempo, em virtude de inúmeros eventos e fatos que incidiram sobre a negociação desses acordos no âmbito da ‘lava jato’ e de outras operações policiais e forças-tarefas. Os valores atualmente podem, sim, ser contestados e tidos como exorbitantes e desproporcionais, sobretudo após a revelação de uma série de desordens e posicionamentos equivocados dos entes públicos negociadores.”

Justino acredita que a audiência pública é o meio mais democrático para discutir se os valores impostos às empresas foram de fato e de direito proporcionais e razoáveis.

“A decisão foi correta e bem vinda, aponta um caminho de conciliação entre todos os envolvidos sem descurar da aplicação constitucional”, disse à ConJur o professor e advogado Pedro Serrano.

No entendimento do advogado, consultor e ex-ministro do Planejamento e da Controladoria-Geral da União Valdir Simão, a decisão é importante por abrir a possibilidade de discussão de pontos relevantes dos acordos de leniência sob a tutela de um dos maiores estudiosos brasileiros da matéria, o ministro André Mendonça.

“Como tenho dito, a dimensão financeira dos acordos precisa ser submetida a uma análise criteriosa, para verificar se há aderência às disposições do ACT celebrado em agosto de 2020 pelos órgãos envolvidos, inclusive o TCU, bem como para eventual aplicação retroativa da evolução normativa, não só em relação aos valores de multa e ressarcimento, mas também quanto à forma e aos meios de amortização. Ao final, o que se espera é que o acordo de leniência seja fortalecido como instrumento de resolução consensual e segura de conflitos entre as empresas e a administração pública.”

Opinião semelhante a do vice-presidente jurídico da J&F, Francisco de Assis e Silva. Ele afirmou que a decisão do ministro André Mendonça pode ajudar a corrigir um erro histórico do país. “Decisão importante que cumpre o primado do Estado Conciliador, mas precisa passar pela premissa de que alguns acordos foram firmados com os seguintes defeitos: a) ausência de voluntariedade; b) erros matemáticos na imposição de multas (também chamado de dosimetria); c) qualificação de fatos ilícitos quando não eram ilícitos o que decorre também do item a. Se no processo conciliatório forem observadas essas premissas há uma oportunidade excepcional do Ministro André Mendonça corrigir um erro histórico no Brasil, apagando de vez uma uma ‘página infeliz da nossa história’, lembrando Chico Buarque. Resgatando o Brasil de uma ‘passagem desbotada da memória’, onde factoides foram criados em um momento em que grande parte da nossa  ‘pátria mãe dormia tão distraída’”.

Revisão necessária
Já o advogado, professor e parecerista Lenio Streck afirma que a decisão de Mendonça deixa claro que havia necessidade de rever os acordos de leniência da “lava jato”. “A tentativa de conciliação faz parte do CPC e por vezes é praticada pelo STF. De qualquer modo, mostra que a ADPF 1.051 possui elementos que indicam que algo há no passado que precisa ser revisto.”

Para Rafael Valim, do Warde Advogados, “a audiência de conciliação atende a um pedido que, nós, advogados dos partidos políticos, formulamos em 2023”. “Trata-se de um modo consensual de resolução de conflitos que pode ensejar, sob a condução do ministro relator, as condições propícias para uma revisão geral dos acordos de leniência firmados antes da assinatura do Acordo de Cooperação Técnica homologado pelo STF em 2020. Isso, obviamente, beneficiaria o mercado nacional de infraestrutura, combalido pelos desmandos da ‘lava jato”, e traduziria um avanço institucional em matéria anticorrupção.”

O criminalista Alberto Toron, por sua vez, demonstra otimismo com a via eleita pelo ministro para a tentativa de resolução do conflito. “É uma decisão sábia. Opta pela conciliação de modo a firmar no consenso a solução. Pode funcionar muito bem. Aplausos ao ministro André Mendonça.”

O advogado Marco Aurélio de Carvalho preferiu ressaltar a possibilidade que a decisão abre de esclarecer os métodos lavajatistas. “O Brasil precisa passar a limpo essa operação que trouxe tantos prejuízos para a economia nacional. E é fundamental que sejam estabelecidos critérios objetivos, com metodologia para essa repactuação.”

Por fim, Igor Tamasauskas, advogado especialista em acordos de leniência, afirmou que a decisão do ministro André Mendonça tenta trazer racionalidade à negociação entre empresas e autoridades.

ADPF 1.051

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