Direto do Carf

Carf analisa dedutibilidade das despesas com remuneração de debêntures

Autor

  • Alexandre Evaristo Pinto

    é conselheiro do Carf doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo doutor em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela USP mestre em Direito Comercial pela USP professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Financeiras e Atuariais (Fipecafi).

14 de fevereiro de 2024, 8h00

Nesta semana trataremos dos precedentes do Carf acerca da dedutibilidade das despesas com remuneração de debêntures.

Ary Oswaldo Mattos Filho assinala que “as debêntures, no Direito brasileiro, são instrumentos de emissão peculiar às sociedades por ações; representam dívida da companhia, compreendendo, além do principal investido, acréscimos resultantes de juros fixos, variáveis ou de participação no lucro da sociedade como um todo ou em determinado empreendimento desta, conforme as obrigações assumidas na escrituração de emissão” [1].

De igual modo, Marcos Paulo de Almeida Salles pondera que a debênture é um valor mobiliário, que representa um crédito contra o emitente, assegurando aos seus titulares iguais direitos decorrentes da subdivisão da obrigação contraída na unidade de escritura de emissão [2].

Assim, a debênture é um valor mobiliário de emissão de uma sociedade por ações, sendo uma das formas de financiamento de tal tipo de sociedade. Com relação à remuneração da debênture, o artigo 56 da Lei n. 6.404/76 estabelece que ela poderá assegurar ao seu titular juros, fixos ou variáveis, participação no lucro da companhia e prêmio de reembolso.

Dessa forma, embora grande parte das debêntures estabeleça uma remuneração na forma de juros fixos ou variáveis, há possibilidade legal de que a debênture remunere o seu titular por meio de uma participação no lucro da companhia.

Como uma obrigação presente da entidade de transferir um recurso econômico como resultado de eventos passados, os recursos oriundos da emissão de uma debênture são registrados como um passivo da companhia.

A remuneração dos debenturistas é registrada no passivo de acordo com o regime de competência em contrapartida a uma despesa registrada no resultado do exercício.

Spacca

Diante de tal cenário, resta discutir a dedutibilidade de tal despesa para fins de apuração do imposto de renda. Quando a forma de remuneração das debêntures é um juro fixo ou variável, essa despesa financeira será considerada dedutível, a princípio.

Por sua vez, quando a forma de remuneração das debêntures é a participação no lucro da companhia, o artigo 58, II, do Decreto-lei nº 1.598/77 determina que as pessoas jurídicas podem excluir do lucro líquido as participações asseguradas a debêntures de sua emissão.

Embora haja um dispositivo legal estabelecendo tal dedutibilidade, surge uma questão controversa quando as debêntures não são emitidas ao público em geral e possuem uma remuneração calculada com base em alto percentual da participação dos lucros, tal qual ocorreu em um caso concreto envolvendo uma sociedade anônima então de capital fechado que emitiu debêntures que asseguravam uma remuneração de 70% do lucro da companhia, de forma que houve autuação por parte das autoridades fiscais em diversos anos em que houve o pagamento de tal remuneração aos debenturistas.

O tema
Antes de adentramos no âmbito das decisões do Carf, cumpre salientar que o tema já foi objeto de análise do Poder Judiciário. Nessa linha, no âmbito da apelação e reexame necessário n.º 2010.61.00.007888-3/SP, julgado no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, decidiu-se:

(i) que a debênture pode atribuir ao seu titular juros e/ou participação no lucro, de onde se conclui que o pagamento de juros é, portanto, uma faculdade prevista na referida legislação;

(ii) a ausência de circulação monetária, no sentido exclusivamente físico, não implica na inexistência de circulação econômica e jurídica de recursos financeiros;

(iii) as debêntures diferenciam-se de despesas operacionais, na medida em que as despesas operacionais alcançam insumos ou custos diversos do contribuinte e não deduções financeiras como as debêntures;

(iv) não se aplica a tal caso a regra geral de dedutibilidade contida no artigo 47 da Lei nº 4.506/64; (v) não há qualquer restrição quanto à dedutibilidade da remuneração das debêntures — salvo as regras gerais próprios dos atos jurídicos gerais, a sua efetiva existência, validade, como a forma e os seus requisitos gerais; e

(vi) a emissão das debêntures obedeceu às disposições da Lei n. 6.404/76, sendo que o fato de os acionistas terem sido os subscritores das debêntures não descaracterizou o negócio ou o tornou ilegal.

Precedentes do Carf
Feitas as considerações gerais sobre o tema, passaremos à análise dos precedentes do Carf acerca do assunto.

No âmbito das turmas ordinárias, nos Acórdãos 107-08.029 (13/04/05), 101-94.986 (19/05/05), 1102­00.659 (31/1/12), 1102-001.227 (22/10/14), prevaleceu o entendimento de que são indedutíveis as despesas com remuneração das debêntures lastreadas em participações nos lucros.

Com relação às razões de decidir que levaram a tal entendimento, merecem destaques os seguintes pontos.

No Acórdão 107-08.029, o conselheiro Marcos Neder apresentou declaração de voto, no qual assinala que “a razão da autorização da dedução do lucro tributável das participações de debêntures é sua natureza de juros, tanto que sua tributação na fonte segue as regras aplicáveis às demais aplicações financeiras de renda fixa”. “Portanto, a possibilidade de dedução dessas participações, que se assemelham a juros, deve ser confrontada com o critério de sua necessidade em face dos objetivos sociais da empresa.”

De igual modo, no Acórdão 101-94.986, a conselheira Sandra Faroni pondera que a remuneração da debêntures com base em um alto percentual de participação lucros não pode ser considerada “usual” e “normal”, sobretudo, quando o negócio jurídico não tem um real propósito negocial, mas visa apenas o apenas reduzir artificialmente a carga.

Por outro lado, nos acórdãos 101-97.021 (13/11/08) e 1101-000.889 (7/5/13), prevaleceu, por maioria de votos, o entendimento da dedutibilidade das despesas com as remunerações das debêntures sob a forma de participações nos lucros.

No Acórdão 1101-000.889, a conselheira Edeli Bessa assinalou que “não é  possível reputar artificial este tipo de operação apenas com base no percentual de  lucro estipulado para remuneração das debêntures”. “Como visto, há diversos outros aspectos envolvidos nesta forma de capitalização, e a autoridade lançadora deve analisar estas repercussões antes de afirmar que a emissão de debêntures foi realizada com propósito único de  fabricar uma despesa gerando artificialmente deduções fiscais conferidas a este título.”

Diante de resultados distintos no âmbito das turmas ordinárias, o assunto veio a ser analisado na Câmara Superior de Recursos Fiscais.

No Acórdão 9101-000.869 (23/02/11), entendeu-se, por maioria de votos, que a despesa com a remuneração das debêntures seria indedutível, dado que haveria um motivo simulatório manifesto em virtude da emissão das ações ter se dado exclusivamente para os sócios e diante do alto percentual do lucro ser a remuneração da debênture.

Em um momento posterior, a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais se deparou com alguns casos acerca do tema, sendo que nos Acórdãos 1202-00.335 (06/07/10), 9101-002.555 (19/01/17), 9101-002.538 (20/01/17) e 9101-002.973 (05/07/17), prevaleceu o entendimento por voto de qualidade no sentido de indedutibilidade das despesas com a remuneração das debêntures lastreadas em participações nos lucros.

Em mais de uma oportunidade (Acórdãos 1202-00.335 e 9101-002.555), o conselheiro Rafael Vidal de Araújo asseverou que não se aplica a regra geral de dedutibilidade contida no artigo 47 da Lei n. 4.506/64 na hipótese de dedutibilidade das despesas com debêntures.

O referido conselheiro mencionou ainda que a razão da autorização da dedução do lucro tributável das participações de debêntures prevista no artigo 58, II, do Decreto-Lei n. 1.598/77 se dá em função da natureza de juros da remuneração das debêntures.

No Acórdão 9101-002.973, a conselheira Adriana Gomes Rego pontuou que “a entrega de parcelas significativas de seus lucros a título de remuneração das debêntures  no  contexto  de  empresas  ligadas,  caracteriza  liberalidade, e desvirtua  a  natureza  de  despesa  necessária,  tornando-a indedutível  na apuração do lucro real”, sendo que o financiamento por debêntures deveria, em tese, atrair um público externo da companhia e de forma pulverizada.

Ademais, algumas características das operações com as debêntures demonstrariam a falta de propósito negocial, tais quais (i) não possuírem caráter de incerteza com relação à remuneração; (ii) não houve efetivo ingresso financeiro de recursos com as debêntures; (iii) é alta a destinação de 70% dos lucros aos debenturistas; e (iv) comparação comas taxas utilizadas como formas de remuneração de outras debêntures do mercado.

Ainda houve acórdãos como os seguintes: 9101-003.310 (17/1/18) e 9101-003.699 (8/8/18), em que prevaleceu o entendimento pela indedutibilidade das despesas com a remuneração das debêntures por maioria de votos, sendo que as razões de decidir dos demais processos da Câmara Superior foram expressamente citadas.

Em vista de todo o exposto, nota-se que tem prevalecido no Carf o entendimento de que são indedutíveis as despesas relacionadas com a remuneração de debêntures, quando esta é lastreada em percentuais altos do lucro do exercício e a oferta das debêntures se deu tão somente aos acionistas.

 

*Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

 

[1] MATTOS FILHO, Ary Oswaldo. Direito dos Valores Mobiliários. Volume 1. Tomo 2. São Paulo: FGV, 2015. p. 13,

[2] SALLES, Marcos Paulo de Almeida. Uma Contribuição à Análise das Debêntures. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1986. p. 11.

Autores

  • é professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), conselheiro do Carf e do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), doutorando em Controladoria e Contabilidade pela USP, doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP e mestre em Direito Comercial pela USP. Ex-presidente da Aconcarf.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!