Opinião

Uso da inteligência artificial como ferramenta para criminalidade

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11 de fevereiro de 2024, 6h09

Os avanços tecnológicos geram ciclos com mudanças inigualáveis na sociedade, principalmente quando o seu uso é democratizado e de acesso facilitado.

Os ganhos e avanços são sentidos das mais diversas maneiras, até o momento em que se tornam tão normais e incorporados no cotidiano. Faz poucos dias presenciei, em um bazar de antiguidades, um jovem de pouco mais de 18 anos que questionava sobre o uso de uma máquina de escrever enquanto segurava um celular, ilustrando o paradoxo da modernidade.

A inteligência artificial (IA) emerge como uma ferramenta poderosa, capaz de moldar diversas facetas da sociedade. No entanto, como em qualquer inovação, surge a necessidade de uma análise crítica. O debate surge precisamente sobre o uso da IA como ferramenta moderna para uma criminalidade com artifícios digitais.

Uso da IA para cometimento de crimes
Para ilustrar, destacamos alguns fatos, como a criação de pornografia falsa, a exemplo da exposição da figura pública Taylor Swift, que foi vítima de pornografia artificial; as fake news, a destacar os riscos neste ano eleitoral; o estelionato digital, ao exemplo de uso de voz e imagem controlada por inteligência artificial; violação de direitos autorais, com denúncias de plágios de autores e músicos; entre tantos outros fatos.

Em primeiro lugar, é crucial estabelecer que a inteligência artificial por si só não é o problema. A tecnologia é uma extensão do potencial humano, uma ferramenta neutra que reflete os valores e ética de quem a utiliza.

O verdadeiro cerne da questão reside nos indivíduos que, de maneira maliciosa, exploram essa tecnologia para criar conteúdo pornográfico artificial, cometer crimes de cunho financeiro, gerar desinformação e assim sucessivamente. A verdade é que a artificialidade acaba sendo um recurso que não representa a realidade desejada (golpes) ou experenciada (pornô fake) pelas vítimas.

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Ao longo da história, a humanidade testemunhou o desenvolvimento e a criação de diversas ferramentas que foram utilizadas para o bem e para o mal. A inteligência artificial é apenas mais uma peça nesse quebra-cabeça evolutivo.

Cabe agora determinar como ela será empregada ou, em último caso, como deverá ser punido e controlado o seu uso indevido.

IA e pornografia
Para dar entonação ao debate, no caso da pornografia artificial, com destaque para aquela que se utiliza de imagens sem o consentimento das vítimas, tem-se uma manifestação preocupante da utilização da tecnologia.

A pornografia artificial gera impactos sociais significativos, contribuindo para a disseminação de conteúdos inadequados e alimentando uma cultura que passa a normalizar a falta de consentimento de suas vítimas.

Da mesma forma, o uso de ferramentas de IA generativas que não respeitam direitos autorais, pois são recepcionadas pelos usuários sem a preocupação de checar a fonte do material obtido. Para além, os usuários creem que aquele resultado gerado pela ferramenta é uma criação única e de sua propriedade autoral.

Consulta ao ChatGPT
Para manter o “clima” do debate, questionei o ChatGPT sobre a criminalidade artificial e a resposta dada enumerou algumas especulações de como a inteligência artificial (IA) poderia ser associada a atividades criminosas:

  1. **Uso indevido de IA:** Isso pode incluir a utilização de algoritmos de IA para realizar atividades ilegais, como hacking, fraudes ou ataques cibernéticos. Os criminosos poderiam explorar vulnerabilidades em sistemas de IA ou usar técnicas avançadas para contornar a segurança.
  2. **Manipulação de algoritmos:** Criminosos podem tentar manipular algoritmos de IA para atingir objetivos maliciosos. Isso pode envolver a criação de dados falsos para enganar sistemas de reconhecimento facial, por exemplo, ou modificar algoritmos de recomendação para distribuir desinformação.
  3. **Robôs e drones para atividades criminosas:** A utilização de robôs autônomos ou drones equipados com tecnologia de IA para realizar atividades ilegais, como vigilância não autorizada, tráfico de drogas ou até mesmo ataques físicos.
  4. **Deepfakes e manipulação de mídia:** O avanço em tecnologias de geração de deepfakes, que usam IA para criar vídeos ou áudios falsos extremamente convincentes, poderia ser explorado para difamação, extorsão ou para criar informações falsas.
  5. **Ataques contra sistemas de IA:** Criminosos podem visar os próprios sistemas de IA, explorando vulnerabilidades para causar danos ou desativar recursos críticos.

Uso positivo
É importante observar que o desenvolvimento da inteligência artificial também traz consigo ferramentas para auxiliar no desenvolvimento da segurança, pois os sistemas de IA poderiam ser treinados para identificar padrões normais e detectar anomalias em dados, ajudando a identificar atividades suspeitas, prevenindo ataques cibernéticos, processando grandes volumes de dados, sendo parte do sistema de autenticação biométrico, filtrando conteúdo malicioso, entre outros fatores.

Necessidade de regulação
Resta positiva a resposta para qualquer pergunta sobre a necessidade de uma ordem jurídica sobre o uso inteligente dessas ferramentas, aliada à implementação de tecnologias de apoio, pois é essencial coibir práticas criminosas, prejudiciais e maliciosas.

É preciso lançar luz e diretrizes sobre as lacunas legais e regulatórias. É imperativo defender a liberdade de expressão e de criação, mas governos e grandes empresas de tecnologia (as chamadas Big Techs) devem assumir uma responsabilidade de regulamentar e monitorar o uso da inteligência artificial, sem gerar um Estado de censura.

Em uma pesquisa rápida, no site da Câmara dos Deputados, foi possível visualizar mais de vinte projetos de lei, com numeração do ano de 2023, envolvendo a criminalização ou proibição de condutas com o uso da inteligência artificial.  Alguns exemplos:

  1. PL 6.119/2023, que dispõe do crime sobre o uso fraudulento de inteligência artificial;
  2. PL 5.694/2023, que criminaliza a manipulação ou adulteração de fotos, vídeos ou sons, utilizando-se de sistemas de inteligência artificial, com o intuito de causar constrangimento, humilhação, assédio, ameaça ou qualquer outro tipo de violência contra crianças ou adolescentes, além disso, aumenta a pena para crimes relacionados à pornografia infantil na hipótese de uso de inteligência artificial, se a cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente for manipulada ou adulterada por meio de sistema de inteligência artificial.
  3. PL 4.025/2023, dispondo sobre a utilização da imagem de uma pessoa, viva ou falecida, e dos direitos autorais, decorrentes da utilização de inteligência artificial;
  4. PL 5.931/2023, para dispor sobre o uso da inteligência artificial em propaganda eleitoral;
  5. PL 5.641/2023, dispõe sobre a proibição de aplicativos, sites, ferramentas e similares que utilizam inteligência artificial para criação de imagens pornográficas não autorizadas com o rosto de mulheres, bem como estabelece medidas para prevenir e combater a disseminação dessas imagens;
  6. PL 6.211/2023, para criminalizar a criação de conteúdo erótico e pornográfico, a partir do rosto de crianças e adolescentes, por meio de sistemas de inteligência artificial e, também, criminalizar a criação de conteúdo erótico e pornográfico por meio de sistemas de inteligência artificial, a partir do resto da vítima, e sem o seu consentimento;
  7. PL 5.695/2023, que tipifica penalmente a alteração de fotos, vídeos e som com o uso de sistema de Inteligência Artificial para praticar violência contra a mulher;
  8. PL 5.394/2023, para criminalizar a adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual relativos à intimidade da pessoa, por meio de Inteligência Artificial;
  9. PL 5.359/2023, para criminalizar a adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual por meio de Inteligência Artificial, a aquisição e a posse de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet;
  10. PL 4.730/2023, para prever o uso da inteligência artificial como circunstância agravante no cometimento de crimes;

Poderia, ainda, citar os projetos legislativos 5.859, 5.342, 3.902, 5.492, 5.630, 5.242, 5.241 ou 5.4467, todos do mesmo ano de 2023.

Conclusão
Se a inteligência artificial é uma ferramenta poderosa que pode moldar nosso futuro de maneira extraordinária e positiva, com a mesma força e intensidade que pode ser prejudicial, caberá a nós, enquanto sociedade, orientar seu desenvolvimento e utilização, garantindo que a IA contribua para o progresso e bem-estar coletivo, punindo aqueles que a exploram para propósitos ilícitos.

A questão aqui não é se deve haver uma regulamentação, pois resta evidente sua necessidade. No entanto, não basta somente criminalizar ou proibir por texto de lei. É preciso que haja o engajamento dentro de um sistema legal e regulatório que seja efetivo, rápido, assegure a liberdade sem censura e, ao mesmo tempo, seja eficaz no monitoramento, avaliação, controle, remoção de conteúdo e punição dos infratores.

A criminalidade existe e sempre existirá, por isso, não seria diferente nessa era da inteligência artificial não haver atos de ilegais e criminosos. Contudo, e para finalizar, é necessário apreender que para combater uma criminalidade que se utiliza de um universo digital, com ferramentas poderosas de análise e modificação de dados e com uso inteligente de algoritmos será  necessário ter mecanismos equivalentes, ou seja, um sistema estruturado e não fragmentado, pois o mundo da realidade física e analógica deixará as vítimas sem recursos legais ou protetivos efetivos.

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