Opinião

A simplificação da linguagem e os textos jurídicos

Autor

  • Milton Nobre

    é desembargador do TJ-PA (presidente no biênio 2005/2007) ex-membro do Conselho Nacional de Justiça (biênio 2009/2011) ex-presidente do Colégio de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil (biênio 2013/2015) e professor emérito da Universidade da Amazônia (Unama).

10 de fevereiro de 2024, 6h05

As palavras, uma vez ditas ou escritas, não mais pertencem só a quem as disse ou as escreveu. Passam também a concernir, por uma espécie de usufruto, a quem as ouviu ou as leu.

Nos tempos de hoje, em que predominam rapidez e superficialidade não apenas no dizer ou escrever, mas igualmente no ouvir, ler e interpretar/compreender, está cada vez mais difícil manifestar opinião sobre alguma coisa sem correr grande risco de ser mal-entendido. E não só. De ser alvo de uma crítica, quase sempre mais do que descortês, ofensiva.

Diante dessa constatação, só resta calar – seguindo o conselho atribuído a Wittgenstein: “sobre o que não se deve falar, melhor calar” – ou, simplesmente, mandar às favas os possíveis críticos de plantão e exercer em sua plenitude a liberdade de expressão.

Assim pensando, sempre optei pelo segundo caminho, ou seja, nunca adotei o prudente conselho do filósofo austríaco, em especial quando o assunto em foco é, por si mesmo, controverso ou em torno do qual estão sendo criadas artificialmente polêmicas.

Afinal, em contextos dessa ordem, sempre há oportunidade para mais uma opinião e a opção pelo silêncio pode causar a desagradável sensação de covardia.

Daí por que, aproveito este espaço, assegurado por esta conceituada revista eletrônica, para dizer o quanto tenho de preocupação com essa nova moda de simplificação da linguagem jurídica.

Natureza da linguagem técnica
É obvio que, no geral, a simplificação da linguagem é benéfica na medida em que tendente a ensejar compreensão fácil por um contingente maior de ouvintes ou leitores.

No caso de linguagem técnica ou científica, todavia, a simplificação é limitada pela natureza do fenômeno ou fato tratado e o objetivo do tratamento.

Unesco

Portanto, se o fato ou o fenômeno é ontologicamente complexo, a simplificação da linguagem obviamente não pode chegar ao dizer comum, sob pena de perder adequação e precisão segundo as convenções e tradições da ciência ou tecnologia de foco.

Dizer o direito, aplicável num caso concreto sob exame de um tribunal, obriga o uso da linguagem técnica adequada à própria complexidade do fenômeno jurídico e à contextualização dos fatos a serem julgados.

O linguajar prolixo
Em outras palavras — e certamente para ser mais agradável aos jurissimplificadores — o que merece reprovação em peças ou defesas jurídicas é o linguajar rebuscado que, em regra, objetiva demonstrar erudição, nem sempre real, e o prolixo ou palavroso, com superabundância de argumentos, muitos dos quais desnecessários porque sem mínima pertinência lógica.

Aliás, falar ou escrever desse modo é condenável em qualquer hipótese e não apenas no âmbito dos tribunais ou em matéria jurídica. A concisão e a clareza são virtudes apreciadas no bem falar ou escrever sobre qualquer assunto, inclusive, é evidente, os de natureza técnica.

Mas, convém repetir, quando se trata de dizer o direito, a simplificação não pode alcançar o modo de escrever ou falar comum (vulgar, no bom sentido) porque exige o emprego da linguagem técnica ou científica para não acarretar imprecisão.

O professor Lenio Streck, na coluna do último dia 25 de janeiro, foi definitivo ao escrever:

O problema da simplificação é que ela faz com que o objeto desapareça. Por isso Paulinho da Viola dizia: tá legal, eu aceito o argumento, mas não me altere o samba tanto assim. Porque, dependendo da alteração, já não há samba. O filósofo Ernildo Stein escreve que “não podemos dizer as mesmas coisas com outras palavras”. Há uma profundidade hermenêutica abissal nessa reflexão”.

Há problemas mais graves
Acho que essa preocupação do Conselho Nacional de Justiça com a linguagem jurídica é pertinente, porém há problemas na Justiça brasileira mais sérios e graves a serem estrategicamente priorizados como, por exemplo, o custo do nosso Poder Judiciário.

Com efeito, segundo o relatório da pesquisa Justiça em Números 2023, editado pelo CNJ, a despesa do Poder Judiciário foi de R$ 116,2 bilhões (total que não incluí os gastos com o STF e o CNJ), correspondente a 1,2% do PIB, merecendo destaque a seguinte observação:

A despesa da Justiça Estadual, segmento que abrange 78% dos processos em tramitação, corresponde a aproximadamente 61% da despesa total do Poder Judiciário (fig. 20). Na Justiça Federal, a relação é de 15% dos processos para 11% das despesas e na justiça trabalhista, 6% dos processos e 19% das despesas.”

Esses dados, por si sós, indicam, pelo menos. dois problemas que merecem ser enfrentados: o primeiro diz respeito ao custo total do nosso Judiciário que, sem dúvida, é muito elevado; e o segundo à falta de uniformização dos gastos em relação à demanda, isto é, ao número de processos a serem julgados por cada segmento.  Há soluções para esses, problemas. Essas, contudo, para melhor tratar pedem outro artigo.

Autores

  • é professor emérito da Universidade da Amazônia - UNAMA e Associado da Universidade Federal do Pará – UFPA (aposentado). Presidente do TJPA (biênio 2005/07) e Conselheiro do CNJ (biênio 2009/2011). Membro da Academia Brasileira de Direito – ABD e da Academia Paraense de Letras Jurídicas – APLJ.

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