Prática Trabalhista

Jornada de trabalho: prorrogação, compensação e banco de horas

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

8 de fevereiro de 2024, 8h00

Nesta semana se inicia o Carnaval, uma das maiores e mais populares festas em nosso país. E neste contexto, são recorrentes as dúvidas em torno principalmente do horário de trabalho. Em que pese o Carnaval não seja considerado feriado nacional, conforme já abordado anteriormente nesta coluna [1], e não obstante o assunto envolvendo a temática da jornada de trabalho seja sempre polêmico, nesta época do ano, em particular, muitas são as perguntas feitas por empresas e trabalhadores para nós advogados.

Com efeito, de acordo com os dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), o tema “hora extra”, foi o que mais se fez presente em novas ações distribuídas na Justiça do Trabalho de janeiro a julho de 2023, sendo o assunto campeão no primeiro semestre do ano passado. Ao total, foram mais de 288 mil processos discutindo essa matéria em todo o país.

Do ponto de vista internacional, em janeiro de 2023, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) publicou um relatório sobre horas de trabalho, jornada laboral e equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, sendo que o relatório abordou uma série de conselhos [2].

Além disso, inúmeros são os debates judiciais relacionados ao acordo de compensação e de prorrogação de jornada, assim como sobre o banco de horas. Nesse sentido, dentre tantos outros questionamentos, destacam-se aqui as seguintes indagações: como funciona o acordo de prorrogação e de compensação de horário? Tal instrumento pode ser utilizado em caso de prestação simultânea de horas extras? E o banco de horas?

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Por certo, este assunto é importantíssimo, tanto que o tema foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista da revista eletrônica Consultor Jurídico [3], razão pela qual agradecemos o contato. 

Legislação trabalhista
Do ponto de vista normativo no país, de um lado a Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XIII, trata da duração do trabalho, que não poderá exceder o limite diário e semanal, assim como da possibilidade de compensação de horários [4].

Lado outro, com o advento da Lei nº 13.467/2017, o artigo 59 da CLT foi modificado no tocante à limitação dos horários de trabalho, possibilitando que a compensação da jornada seja ajustada através de acordo individual escrito ou tácito para a compensação dentro do mesmo mês [5], sendo essa uma das atualizações legislativas realizadas pela Lei Reformista.

Entrementes, no que diz respeito ao banco de horas [6], previsto no parágrafo segundo do artigo 59 da CLT, a reforma trabalhista estabeleceu que este também poderá ser ajustado mediante acordo individual, tácito ou escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses [7].

Vale lembrar que se porventura o(a) trabalhador(a) tiver horas de crédito (positivas) e essas não forem devidamente compensadas, nos termos do § 3º do artigo 59, tais horas deverão ser pagas como extras, calculadas sobre o valor da remuneração no momento da extinção do contrato [8].

Lição de especialista
Dito isso, oportunos são os ensinamentos de Adalberto Martins [9], professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP):

“O art. 7º, XIII, da CF, não obstante a limitação da jornada, consagra a possibilidade de compensação de horários, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, o qual pode ser promovida por exemplo, ao longo da semana (exemplo: o empregado trabalha uma hora a mais, de 2ª a 5ª feira, para ser liberado do trabalho em dia de sábado), já que a soma das jornadas (9 horas de 2ª a 5ª feira, 8 horas na 6ª feira) completa o módulo semanal de 44 horas ou, por meio do “banco de horas”, nos termos do art. 59, §§ 2º e 5º, da CLT.

(…) Não obstante a limitação da jornada estabelecida no diploma constitucional, existe a possibilidade do acordo de prorrogação de horas, nos termos do art. 59, caput, poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas horas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.

Na hipótese de prorrogação de horários, o empregado terá direito à remuneração de horas extras com acréscimo de, no mínimo, 50% conforme preceitua o § 1º do art. 59, em consonância com o art. 7º, XVI, da Constituição da República.”

Jurisprudência dos tribunais
Destarte, em razão dos inúmeros debates sobre a compensação da jornada laboral, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula nº 85 [10] para tratar desse assunto. Alguns itens de referido verbete sumular estão hoje em desacordo com as modificações trazidas pela reforma trabalhista, de modo que se aguarda oportunamente que a posição sumulada seja revista.

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A título de ilustração, conquanto o então entendimento sedimentado pelo TST não considere válido o acordo de compensação de jornada em atividade insalubre, ainda que estipulado em norma coletiva, o novo artigo 611-A, inciso XIII, da CLT, prevê a prevalência do negociado sobre o legislado quando dispuser “prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho”.

E uma das questões mais debatidas nas reclamações trabalhistas é aquela contida no item IV da Súmula nº 85 do TST, segundo o qual a Corte Superior Trabalhista sempre entendeu que, caso fossem realizadas horas extras habitualmente, o acordo de compensação seria descaracterizado. E, neste caso, a parte trabalhadora passaria a receber como “cheias” (hora integral + adicional) as horas extras laboradas excedentes à 8ª diária e à 44ª semanal, acrescidas do adicional extraordinário e reflexos decorrentes, sendo inaplicável aqui a parte final da Súmula nº 85, IV, do TST (pagamento apenas do adicional extraordinário às horas destinadas à compensação) [11].

No entanto, com o advento da Lei nº 13.467/2017, foi incluído o artigo 59-B na CLT para dispor que a mera existência de horas extras habituais não é capaz de anular o acordo de compensação semanal, por expressa disposição legal [12]. E neste atual cenário normativo, parcela da jurisprudência defende não ser possível chancelar o entendimento segundo o qual se impõe o pagamento da integralidade das horas extras que ultrapassarem a jornada diária, mediante declaração de desvirtuamento completo do acordo de compensação [13].

De resto, no que se refere à compatibilidade do regime de compensação semanal com o banco de horas, a jurisprudência da Corte Superior Trabalhista entende que a adoção simultânea de ambos os sistemas é válida, desde que observados os requisitos formais e materiais para validade dos regimes [14].

Conclusão
Em arremate, não há dúvidas de que o assunto envolvendo jornada de trabalho (compensação, prorrogação e banco de horas) é palpitante e controvertido, notadamente após o Supremo Tribunal Federal ter fixado o Tema 1.046 (Tabela de Repercussão) que chancelou a negociação coletiva, de sorte que muitos são os casos hoje levados ao Poder Judiciário Trabalhista em que se discute a nulidade de referidos instrumentos coletivos quando se evidencia o descumprimento dos seus respectivos termos pelas empresas.

 


[1] Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-fev-16/pratica-trabalhista-carnaval-feriado-nacional-jornada-atestado-falso-justa-causa/. Acesso em 5.2.2024.

[2]Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_865051/lang–pt/index.htm. Acesso em 5.2.2024.

[3] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista da ConJur, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[4] CF, Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…). XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho

[5] CLT, Art. 59. A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho. (…) § 6o É lícito o regime de compensação de jornada estabelecido por acordo individual, tácito ou escrito, para a compensação no mesmo mês.

[6] CLT, Art. 59, § 2º. Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias.

[7] CLT, art. 59, § 5º. O banco de horas de que trata o § 2o deste artigo poderá ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses.

[8] CLT, art. 59, § 3º.  Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho sem que tenha havido a compensação integral da jornada extraordinária, na forma dos §§ 2º e 5º deste artigo, o trabalhador terá direito ao pagamento das horas extras não compensadas, calculadas sobre o valor da remuneração na data da rescisão.

[9] MARTINS, Adalberto. Manual didático de direito do trabalho – 7 ed. – Leme-SP: Mizuno 2022. Páginas 214 e 216.

[10] SUM-85 COMPENSAÇÃO DE JORNADA. I. A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva. II. O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário. III. O mero não-atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. IV. A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário. V. As disposições contidas nesta súmula não se aplicam ao regime compensatório na modalidade “banco de horas”, que somente pode ser instituído por negociação coletiva. VI – Não é válido acordo de compensação de jornada em atividade insalubre, ainda que estipulado em norma coletiva, sem a necessária inspeção prévia e permissão da autoridade competente, na forma do art. 60 da CLT.

[11] Nesse mesmo sentido, são os seguintes precedentes da SbDI-I do TST: Ag-E-ED-RR-114600-41.2008.5.04.0382, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 26/03/2021; E-RR-1644-60.2012.5.09.0008, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 24/05/2019.

[12] CLT. Art. 59-B. O não atendimento das exigências legais para compensação de jornada, inclusive quando estabelecida mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária se não ultrapassada a duração máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. Parágrafo único. A prestação de horas extras habituais não descaracteriza o acordo de compensação de jornada e o banco de horas.

[13] Nesse sentido, são os precedentes do TST: ARR-711-72.2011.5.04.0231, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 22/03/2019; RR-806500-13.2008.5.09.0513, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 31/08/2018; RRAg-11874-72.2016.5.03.0111, 6ª Turma, Relator Ministro Lelio Bentes Correa, DEJT 22/10/2021; RRAg-21825-58.2015.5.04.0221, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 22/10/2021.

[14] Eis os seguintes precedentes: Ag-RR-22352-33.2018.5.04.0341, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 04/08/2021; RR-21787-35.2019.5.04.0341, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 25/06/2021; RR-20822-31.2016.5.04.0028, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 12/02/2021; ARR-855-78.2014.5.09.0594, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 12/02/2021.

Autores

  • é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

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