Opinião

Súmula 665/STJ e seus desdobramentos no Direito Administrativo Sancionador

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7 de fevereiro de 2024, 15h15

No dia 13/12/2023, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça aprovou a Súmula 665, cujo teor foi o seguinte: “O controle jurisdicional do processo administrativo disciplinar restringe-se ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade do ato, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, não sendo possível incursão no mérito administrativo, ressalvadas as hipóteses de flagrante ilegalidade, teratologia ou manifesta desproporcionalidade da sanção aplicada”.

Muito embora o enunciado em questão mencione expressamente apenas o processo administrativo disciplinar (PAD), há algo que impeça que o racional ali empregado seja replicado em todos os processos administrativos que são informados pelo Direito Administrativo Sancionador?

Concentração processual
A resposta nos parece ser negativa e o motivo é bastante simples, a inexistência de discrepâncias relevantes naquilo que podemos chamar de núcleo duro das características fundamentais de todos esses processos, a saber: a de que a administração pública concentra as funções de (1) imputar a prática de infrações; (2) apurar a ocorrência da conduta antijurídica e a existência do nexo de causalidade entre ela e uma dada conduta e (3) aplicar as penalidades correspondentes.

E mais, diferenças de rito processual e/ou do figurino constitucional e infraconstitucional dos órgãos e entidades que integram a administração pública não têm o condão de afetar a já mencionada característica comum a todos os processos administrativos disciplinares, punitivos, repressivos ou sancionatórios: a de que há na administração pública uma concentração processual das funções acusatória, instrutória e decisória.

Além da concentração de funções processuais ser essa característica que une todos os processos administrativos sancionadores, não podemos esquecer que, ao fim e ao cabo, tais processos são atos administrativos encadeados num determinado rito procedimental e aqui, fixemos tal informação: os processos administrativos são formados por atos administrativos.

A Súmula 665/STJ é, na prática, um desdobramento, na esfera dos processos administrativos, da discussão que envolve os limites ao exame jurisdicional do mérito administrativo, em que passamos de posições nas quais o Poder Judiciário (1) nega o controle do mérito administrativo (STF, RE 344.331/PR; STF, AgR no RE 480.107/PR; STJ, RMS 16.946/PE 2003/0149.177-7 e STJ, REsp 616.771/CE 2003/0222.386-4) e (2) analisa o mérito administrativo via controle de legalidade (STF, HC 82.893/SP e STJ, Rec. em MS 21.259/SP 2006/0026.257-4).

Limite ao controle jurisdicional
Partindo de tal premissa, não há motivo para que a Súmula 665 do STJ não seja utilizada para limitar o controle jurisdicional ao exame da regularidade procedimental e da legalidade, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal também em processos administrativos instaurados com base (1) no poder de polícia (v.g. vigilância sanitária, fiscalização de trânsito e controle urbano); (2) na proteção ao consumidor e na defesa da economia (v.g. Procon e Cade); (3) na regulação de atividades econômicas (v.g. Aneel, Anatel e ANTT); (4) na fiscalização da aplicação dos recursos públicos e na prestação de contras (v.g. controle interno e Tribunais de Contas); (5) na defesa do meio ambiente (v.g. Ibama) e (6) na observância de cláusulas contratuais (v.g. contratos administrativos e de concessão) e assim igualmente reservar a possível a incursão no mérito administrativo nos casos de flagrante ilegalidade, teratologia ou manifesta desproporcionalidade da sanção aplicada.

Expansão do entendimento
Analisando alguns precedentes do STF, é possível sustentar essa expansão do entendimento da Súmula 665 do STJ para além dos processos administrativos disciplinares.

Por exemplo, no MS 31677 AgR-segundo, a 1ª Turma do Supremo consignou que descabia transformar o STF em “constante revisor, geral e irrestrito, da atuação do TCU. A revisão judicial dos atos praticados pelo Tribunal de Contas da União, órgão técnico-especializado no controle da Administração Pública Federal e com previsão constitucional para tanto, deve ser exercida com parcimônia, em situações de patentes ilegalidade e/ou teratologia”.

Outra decisão da 1ª Turma, desta feita no RE 1.083.955 AgR, foi muita clara ao afirmar que “a expertise técnica e a capacidade institucional do Cade em questões de regulação econômica demanda uma postura deferente do Poder Judiciário ao mérito das decisões proferidas pela Autarquia. O controle jurisdicional deve cingir-se ao exame da legalidade ou abusividade dos atos administrativos”.

Ou seja, em dois precedentes relacionados ao TCU e ao Cade o STF empregou um racional idêntico ao que o STJ empregou em sua Súmula 665, de modo que fica claro que os parâmetros de limitação ao controle jurisdicional contidos no aqui multicidado enunciado não incidem apenas e tão somente sobre os processos administrativos, sendo algo mais abrangente e que tem o condão de incidir em todos os processos inseridos na esfera do Direito Administrativo Sancionador.

Indo adiante, se o racional empregado na Súmula 665 do STJ é um grande balizador do Poder Judiciário quando da análise dos processos submetidos ao regime jurídico do Direito Administrativo Sancionador, por que tal racional também não limitaria a atuação do juízo arbitral?

TJ-SP
Como provocação, colha-se o seguinte entendimento da 5ª Câmara de Direito Público do TJ-SP na Apelação nº 1016607-87.2015.8.26.0053: “A fiscalização da execução do contrato, a aplicação direta de sanções e as restrições à oposição da exceção do contrato não cumprido são prerrogativas de direito público da administração contratante (cláusulas exorbitantes), configurando direito indisponível. Assim, a matéria não deve ser submetida ao juízo arbitral, que poderá dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis apenas”.

Assim, o exame de infrações e penalidades administrativas por parte de um juízo arbitral há de se dar nos parâmetros fixados na Súmula 665, estando pautadas pela inarbitrabilidade todas as questões que não se insiram no entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Conclusão
Em resumo, podemos concluir que, por força da Súmula 665/STJ, além dos processos administrativos disciplinares, os processos administrativos instaurados com base (1) no poder de polícia (v.g. vigilância sanitária, fiscalização de trânsito e controle urbano); (2) na proteção ao consumidor e na defesa da economia (v.g. Procon e Cade); (3) na regulação de atividades econômicas (v.g. Aneel, Anatel e ANTT); (4) na fiscalização da aplicação dos recursos públicos e na prestação de contras (v.g. controle interno e Tribunais de Contas); (5) na defesa do meio ambiente (v.g. Ibama), (6) na observância de cláusulas contratuais (v.g. contratos administrativos e de concessão) e (7) em qualquer aspecto inserido na seara do direito administrativo sancionador têm seu controle jurisdicional/arbitral limitado ao exame da regularidade procedimental e da legalidade, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, devendo a possível a incursão no mérito administrativo ser reservada aos casos de flagrante ilegalidade, teratologia ou manifesta desproporcionalidade da sanção aplicada.

Por fim, em tal cenário, a depender da forma como a Súmula 665/STJ será recepcionada no dia a dia das discussões travadas nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais, a Fazenda Pública conseguirá limitar bastante o controle jurisdicional do exercício das suas funções e atividades no âmbito do Direito Administrativo Sancionador, cabendo, portanto, a quem milita na seara de tais processos administrativos lutar para aprimorar ao máximo a preservação de um contraditório efetivo junto à administração pública, vez que imaginar uma eventual reversão de um cenário desfavorável no âmbito do Poder Judiciário passará a ser uma hipótese cada vez mais restrita.

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