Direito das mulheres

Decreto da igualdade salarial aplica previsão constitucional, dizem especialistas

Autor

4 de fevereiro de 2024, 7h43

Especialistas têm comemorado o decreto da lei da igualdade salarial entre mulheres e homens, que regulamenta a Lei nº 14.611, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo eles, a norma significa um avanço para que mulheres alcancem equidade no mercado de trabalho.

Marcos Santos/USP Imagens

O decreto, de novembro de 2023,  endureceu as normas para a igualdade salarial no Brasil. Pela primeira vez, as companhias terão de prestar contas sobre a posição e o salário dos funcionários. 

A revista eletrônica Consultor Jurídico conversou com especialistas em Direito do Trabalho que explicaram que, apesar da legislação de 1943 e da Constituição de 1988 determinarem que mulheres e homens não podem ter salários diferentes — quando há compatibilidade de cargos —, a nova lei ajudará no combate a esta discriminação, que ainda existe. 

Para Ana Paula Vizintini, sócia do escritório Schmidt Valois, o decreto é uma maneira de reforçar, pela legislação, que o objetivo de atingir a igualdade salarial se cumpra. “É obrigação legal alcançar a igualdade e as políticas são um importante instrumento para atingir esse objetivo, no âmbito das empresas”, afirma a especialista. 

De acordo com ela, a lei que estabelece equidade salarial entre os gêneros também prevê os instrumentos para se atingir essa igualdade, como a transparência das informações salariais, incremento das fiscalizações e “a promoção e implementação de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho que abranjam a capacitação de gestores, de lideranças e de empregados a respeito do tema da equidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, com aferição de resultados”.

A advogada Bianca Caruso, do Cascione Advogados, diz que depende do Estado implementar políticas que consolidem a igualdade salarial e que promovam a construção de ambientes de trabalho mais justos e inclusivos.

Ela afirma que em muitos países, incluindo o Brasil, a legislação trabalhista tem o papel de promover a igualdade de gênero e combater a discriminação salarial. 

“Estabelecer diretrizes para a equiparação salarial é uma medida que busca garantir a justiça e a equidade no ambiente de trabalho, sem comprometer a liberdade de empreendimento e a livre iniciativa. Dessa forma, tanto o Decreto de número 11.795/23 quanto a Portaria 3.717/2023, os quais regulamentam as disposições da Lei 14.611/2023, têm como objetivo fomentar a igualdade de gênero sem prejudicar a livre iniciativa”, diz. 

Sócia do escritório Silva Matos Advogados, Larissa Campos Soares sustenta que essa é uma maneira de os empregadores explicarem qualquer diferença remuneratória. 

Ela diz que diante da iminente obrigação das empresas de divulgar o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, o ponto sensível que deve ser considerado é que, embora não seja permitida a distinção salarial entre homens e mulheres por questão de gênero, é possível a distinção salarial por outros critérios, como produtividade, perfeição técnica e tempo de serviço. 

Assim, “caberá ao empregador justificar a existência de diferenças salariais entre homens e mulheres na mesma função por meio de critérios claros e objetivos, de modo a afastar qualquer alegação de discriminação de gênero”, reforça. 

A advogada ainda pontua que a lei não viola a livre iniciativa, já que não impede que a empresa possa gerenciar as remunerações dos seus empregados da forma que lhe convier. 

Cuidado com a LGPD
O mestre em direito e professor de Direito do Trabalho Ricardo Calcini alega que não há justificativas para a diferença salarial entre homens e mulheres e o novo decreto reforça esse entendimento. Apesar disso, alerta para um ponto da legislação: a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). 

O estudioso explica que, embora disponha sobre a apresentação dos valores referentes às verbas remuneratórias, o Decreto 11.795/2023, que regulamentou a lei de igualdade salarial, previu que o relatório a ser divulgado pelas empresas deverá conter dados anonimizados e em observância à LGPD, devendo ser garantido às companhias a possibilidade de não divulgar em valores absolutos as verbas pagas aos trabalhadores.

“O erro não é a imposição de uma igualdade salarial, que já está prevista na Constituição, mas sim fazer essa abertura para o compartilhamento de dados, e principalmente trazer eventuais punições que não se justifiquem a partir do momento em que essa legislação não se cumpra”, afirma. 

Levantamento inédito
Empresas com mais de cem funcionários têm até 29 de fevereiro para fazer o preenchimento ou a retificação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios  do primeiro semestre de 2024. 

De acordo com o governo, os relatórios deverão conter pelo menos o cargo ou ocupação das trabalhadoras e dos trabalhadores e os valores de todas as remunerações: salário contratual; 13° salário; gratificações; comissões; horas extras; adicionais noturno, de insalubridade, de penosidade, de periculosidade, entre outros; terço de férias; aviso prévio trabalhado; descanso semanal remunerado; gorjetas; e outras remunerações previstas em norma coletiva de trabalho.

Além disso, os dados divulgados nos relatórios deverão ter caráter anônimo, estar de acordo com as leis de proteção de dados pessoais e devem ser enviados por meio de ferramenta digital do Ministério do Trabalho e Emprego. A publicação dos relatórios deve ser feita nos meses de março e setembro.

Em casos em que as companhias não cumpram a obrigação de apresentar o relatório, será devida multa no valor de até 3% da folha de salários do empregador, limitado a 100 salários mínimos.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!