Opinião

Taxa de permeabilidade do solo é aliada na prevenção a enchentes em SP

Autores

  • Rafaela Hidalgo Gonçalez Franco de Carvalho Miranda

    é advogada pós-graduanda em Direito Ambiental Urbanístico e Minerário pela PUC-Minas.

  • Millena Correia Bastos

    é advogada de Direito Ambiental e Minerário pós-graduada em Direito Minerário pelo Centro de Estudos em Direito e Negócio (Cedin) coautora do livro Dimensões jurídicas das políticas públicas – Vol. 1 e autora de artigos publicados nos livros Energia e Meio Ambiente Tomo II Synergia Editora 2021 e Direito Minerário em Foco – Tomo II Synergia Editora 2021.

22 de abril de 2024, 13h22

A criação e desenvolvimento de uma cidade, em tese, implica na organização de um “sistema político-administrativo, econômico e não-agrícola” [1]. No entanto, ao visualizar o contexto geral das cidades brasileiras, percebe-se que os centros urbanos se desenvolveram, majoritariamente, de forma desordenada.

De acordo com o artigo 2º do Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001 [2], a política urbana tem como objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade. Dentre as diretrizes gerais da política urbana, a legislação prevê o direito às cidades sustentáveis, à infraestrutura urbana e aos serviços públicos, que devem ser garantidos tanto para as presentes, quanto para as futuras gerações.

Apesar da existência de diretrizes urbanísticas, previstas na legislação, que valorizam e incentivam o planejamento urbano, a realidade das cidades apresenta um cenário diverso: muitos núcleos urbanos foram criados ou ampliados sem o disciplinamento do uso e ocupação do solo, o que não apenas compromete a vivência nas cidades como também acarreta impactos ambientais significativos.

Quanto a este ponto, cabe destacar que, muito embora a urbanização remeta ao rompimento das características rurais de determinado local, este processo não cessa as interações do núcleo urbano com a natureza. Muito pelo contrário, a instalação de equipamentos urbanos demanda a realização de intervenções ambientais capazes de adequar o meio ambiente ao contexto urbano.

Importância dos sistemas de drenagem

Dentre as obras de infraestrutura necessárias para a promoção do devido planejamento urbano, destaque-se a implementação de sistemas de drenagem, que podem ser conceituados como sistemas preventivos de inundações, capazes de promover o escoamento das águas, principalmente em regiões cujo relevo é mais baixo ou áreas marginais aos cursos naturais de água [3].

Tamanha é a importância dos sistemas de drenagem que o Manual de Drenagens Urbanas da Cetesb indica que a projeção e instalação de sistemas de drenagem deve preceder até mesmo a instalação de ruas ou quadras de um loteamento urbano [4].

Em que pese a relevância do planejamento prévio das infraestruturas urbanas, os períodos chuvosos evidenciam as falhas ou má execuções dos sistemas de drenagem no Brasil, principalmente em grandes metrópoles. As consequências mais comuns da ausência de infraestruturas de drenagem adequadas são as enchentes e inundações, que acarretam diversos transtornos como a perda de bens, danos às edificações e proliferação de doenças [5].

Todavia, um ponto a se considerar é o fato de que algumas destas metrópoles foram fundadas ou desenvolvidas antes mesmo do reconhecimento da necessidade e importância de determinadas soluções de engenharia. A cidade de São Paulo, especificamente, foi fundada no ano de 1554 [6]. Nessa época, a ocupação urbana se iniciou em uma colina, mantendo as várzeas desocupadas, entretanto, com a expansão da capital paulista, as áreas mais baixas e próximas de cursos d’água vieram a ser povoadas. Ocorre que esta ocupação se deu em condições adversas, sem a instalação de sistemas que permitissem o escoamento das águas em períodos de cheia.

Paulo Pinto/Agência Brasil

De acordo com Osello (1961), “os precários recursos municipais não foram suficientes para ordenar a urbanização de São Paulo e, em consequência, os problemas urbanos se multiplicavam[7].

Licenciamento urbanístico, mudança climática e permeabilidade

Do mesmo modo, a correção das falhas antigas e a ampliação regular da cidade de São Paulo restou prejudicada pela ausência de uma legislação urbanística que regulamentasse o uso do solo e a instalação de edificações. Esse cenário apenas começou a ser modificado a partir da publicação da Lei Ordinária no 2611/1923 [8], que inaugurou o licenciamento urbanístico em São Paulo, e pelo Código de Obras Arthur Saboya [9], em novembro de 1929.

O despontar da legislação urbanística, no entanto, foi insuficiente para sanar os problemas pretéritos. Em observância aos dados do Centro de Gerenciamento de Emergências CGE da Prefeitura de São Paulo, verifica-se que várias regiões da capital paulista estão vulneráveis às enchentes [10]. Essa situação, inclusive, vem se agravando consideravelmente em razão das mudanças climáticas que promovem o desequilíbrio das interações naturais, como a ocorrência de chuvas torrenciais e alterações do ciclo hidrológico.

Embora os problemas de infraestrutura urbana sejam históricos e afetem a vivência coletiva nas cidades, atualmente, existem soluções de engenharia aplicáveis aos lotes individuais, que minimizam os impactos negativos das falhas nas drenagens urbanas. Dentre estas, destaca-se a impermeabilização do solo.

De acordo com o Quadro I, da Lei Municipal nº 16.050/2014, considera-se impermeabilizada a área coberta por piso impermeável ou edificação que não permite nenhuma infiltração da água no solo[11]. Por outro lado, entende-se como permeabilidade a “relação entre a parte permeável, que permite a infiltração de água no solo, livre de qualquer edificação, e a área do lote[12].

Neste contexto, o Plano Diretor do município de São Paulo, Lei Municipal nº 16.050/2014, instituiu a obrigatoriedade de instituição de taxa de permeabilidade para os lotes a serem edificados, sendo este um dos parâmetros a serem observados para o uso e ocupação do solo. O intuito desta obrigação é justamente promover a qualificação ambiental, em especial a melhoria da retenção e infiltração da água [13], pois permite a infiltração de água no solo, livre de qualquer edificação.

Para a definição da porcentagem da permeabilidade, deve ser observado o zoneamento e a Quota Ambiental, cujo objetivo é “promover a qualificação ambiental, em especial a melhoria da retenção e infiltração da água nos lotes, a melhoria do microclima e a ampliação da vegetação” (artigo 4º) conforme definido na Lei Municipal nº 16.402/2016.

O Quadro 3A do Plano Diretor paulistano apresenta uma tabela de Quota Ambiental na qual constam as definições da porcentagem de taxa de permeabilidade exigida para cada lote, considerando critérios como o perímetro de qualificação ambiental, o tamanho do lote, a cobertura vegetal da área e a drenagem urbana ali existente.

Saliente-se que a taxa de permeabilidade poderá ser reduzida em até 50% nos lotes com área superior a 500 m², que não estejam localizados em Zepam ou ZPDS, desde que a pontuação de critérios supramencionada seja majorada na mesma proporção em que a taxa de permeabilidade seja reduzida, conforme previsão do artigo 81, §1º, da Lei Municipal nº 16.050/2014.

Ainda assim, para os locais mais vulneráveis, localizadas em áreas de compartimento ambiental de várzea, planície aluvial, solo mole e compressível, o artigo 72, III, da Lei Municipal nº 16.402, determina a obrigatoriedade de manutenção de uma taxa de permeabilidade mínima de 20% da área do lote, sem possibilidade de redução.

Frise-se que a impermeabilização do solo não substitui as infraestruturas de drenagem e outros mecanismos, mas possui papel relevante no enfrentamento de enchentes e inundações. Dessa forma, resta evidente que, muito embora a exigência de taxa de permeabilidade mínima não seja a solução de problemas históricos que afligem a cidade de São Paulo (e diversas outras metrópoles), este mecanismo une soluções de engenharia ao Direito Urbanístico, evitando transtornos urbanos e promovendo impactos positivos na vivência nas cidades.

 

 


[1] SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

[2] BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Brasília, Diário Oficial da União. 2001.

[3] ENOMOTO, Caroline Ferreira. Estudo de medidas não estruturais para controle de inundações. Revista Publicatio UEPG Ciências Exatas e da Terra, Agrárias e Engenharias, Ponta Grossa, p. 69-90, 2000.

[4] CETESB. Drenagem Urbana. Manual de Projeto. São Paulo, 3ª Ed, 1986.

[5] FRAGOSO, Maria Lourdes; DA SILVA, Tarcísio Augusto Alves. Desastre, risco e vulnerabilidade urbana: uma análise a partir das enchentes e inundações no município de Escada/PE. Revista Cadernos de Ciências Sociais da UFRPE, v. 1, n. 14, p. 36-53, 2019.

[6] SÃO PAULO. Assembleia Legislativa.  Cidade de São Paulo comemora 466 anos. São Paulo, 2020. Disponível em: htps://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=406515#:~:text=O%20munic%C3%ADpio%20foi%20fundado%20em,origem%20ao%20nome%20da%20cidade. Acesso em: 29 mar. 2025.

[7] OSELLO, Marcos Antonio. Planejamento urbano em São Paulo (1899-1961): Introdução ao estudo dos planos e realizações. 1983.

[8] SÃO PAULO. Lei nº 2611, de 20 de junho de 1923. Prohibe a abertura de vias de communicação em qualquer perímetro do município, sem licença da prefeitura. São Paulo, 1923.

[9] SÃO PAULO. Lei nº 3.427, de novembro de 1929. Código de Obras Arthur Saboya. São Paulo, 1929

[10] SÃO PAULO. Centro de Gerenciamento de Emergências. https://www.cgesp.org/v3/alagamentos.jsp

[11] SÃO PAULO. Lei Municipal nº 16.402, de 22 de março de 2016. Disciplina o parcelamento, o uso e a ocupação do solo no Município de São Paulo, de acordo com a Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014 – Plano Diretor Estratégico (PDE).

[12] SÃO PAULO. Lei Municipal nº 16.402, de 22 de março de 2016. Disciplina o parcelamento, o uso e a ocupação do solo no Município de São Paulo, de acordo com a Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014 – Plano Diretor Estratégico (PDE).

[13] SÃO PAULO. Lei Municipal nº 16.402, de 22 de março de 2016. Disciplina o parcelamento, o uso e a ocupação do solo no Município de São Paulo, de acordo com a Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014 – Plano Diretor Estratégico (PDE).

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