Ambiente Jurídico

Paridade e democracia participativa no Conama

Autores

  • Andrea Vulcanis

    é secretária de Estado de Meio Ambiente de Goiás advogada mestre em Direito Ambiental pela PUC-PR e autora do livro Instrumentos de Promoção Ambiental e o Dever de Indenizar Atribuído ao Estado.

  • Rafael Mesquita

    é advogado com especialização em advocacia cível pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul (FMP-RS) pós-graduando em Educação Meio Ambiente e Sustentabilidade no Instituto Federal de Goiás (IFG) e assessor na Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Goiás.

20 de abril de 2024, 8h00

Entre 5 e 12 de março de 2021, o Supremo Tribunal Federal enfrentou uma questão fundamental para a governança ambiental brasileira ao iniciar o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 623.

Relatada pela ministra Rosa Weber, a ação questionava a constitucionalidade das alterações introduzidas pelo Decreto nº 9.806/2019, que modificava profundamente a composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

As mudanças favoreceram uma maior centralização de Poder no Executivo federal, ao passo que reduziram a participação de entidades estaduais, municipais e da sociedade civil.

Em 18 de setembro de 2019, a Procuradoria-Geral da República (PGR) ajuizou duas arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs) no STF, de números 622 e 623, desafiando a constitucionalidade de decretos presidenciais que alteravam significativamente a composição e a metodologia de escolha dos membros do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e do Conama.

Essas mudanças foram vistas pela PGR como uma violação ao direito de participação popular direta e à proibição de retrocesso institucional, devido à redução nos assentos destinados à sociedade civil e a outras modificações que poderiam comprometer o desempenho efetivo dos conselhos. As ações argumentavam que essas alterações resultaram em um profundo desequilíbrio representativo que poderia desvirtuar as funções essenciais desses órgãos colegiados.

A ADPF nº 622 foi distribuída ao ministro Roberto Barroso, enquanto a ADPF nº 623 foi encaminhada à ministra Rosa Weber, evidenciando uma crise representativa nas estruturas de decisão fundamentais para a proteção ambiental e dos direitos das crianças e adolescentes no Brasil.

Paridade e participação democrática

No caso do Conama, a análise da questão se estendeu até abril de 2023, quando, após um pedido de vista do ministro Nunes Marques, a corte finalmente declarou a inconstitucionalidade do Decreto nº 9.806/2019. A decisão sublinhou a importância de se manter uma estrutura que respeitasse os princípios de paridade e participação democrática, elementos fundamentais para a eficácia das políticas ambientais.

Spacca
Andrea Vulcanis tarja 2022

Ao detalhar a decisão, a ministra Rosa Weber ressaltou que a representatividade e a pluralidade são essenciais para que órgãos como o Conama funcionem não apenas como instâncias de consulta, mas como verdadeiros fóruns deliberativos, nos quais políticas ambientais podem ser formuladas e implementadas de maneira equitativa. A centralização de poder observada com o decreto de 2019, portanto, não apenas comprometeu a estrutura do Conama, mas também limitou a capacidade de outras vozes em influenciar decisões ambientais vitais.

A decisão da Suprema Corte na ADPF nº 623, ao invalidar as mudanças trazidas pelo Decreto nº 9.806/2019, não impôs a paridade para a composição do Conama. No entanto, ela reconhece a necessidade de que qualquer reformulação do conselho deve respeitar os princípios de pluralidade, igualdade política e participação efetiva da sociedade civil, além de assegurar a proteção ambiental de maneira sustentável e inclusiva.

Esse entendimento da corte sugere que, embora a paridade não seja uma condição explicitamente definida por disposição normativa, ela se justifica através da aplicação dos direitos fundamentais procedimentais nas estruturas decisórias públicas. A igualdade política e a participação social, como condições essenciais do processo democrático, devem encontrar formas variadas de realização que refletem a diversidade e complexidade dos contextos nos quais são aplicadas.

Direcionamento crucial

Portanto, a decisão não estabelece um padrão uniforme para a composição dos órgãos deliberativos, mas claramente direciona que a estrutura do Conama deve refletir um equilíbrio entre os diversos interesses sociais e governamentais. Esse direcionamento é crucial para fortalecer os fundamentos da democracia participativa e da igualdade política, assegurando que as decisões tomadas no âmbito do Conama sejam justas, representativas e capazes de atender às necessidades ambientais e sociais do Brasil.

De tal forma, o entendimento do STF serve como um orientador crucial para a reformulação do Conama e de outros órgãos similares, garantindo que a governança ambiental no Brasil seja conduzida de maneira inclusiva e representativa. Esse julgamento estabelece um precedente significativo para a configuração de conselhos e órgãos deliberativos em todo o país, assegurando que as estruturas decisórias respeitem os direitos fundamentais de participação e a igualdade política.

Por consequência, acredita-se: políticas públicas desprovidas de uma participação popular efetiva tendem a ser frágeis e menos efetivas. A exclusão da sociedade civil, estados e municípios da formulação de políticas que diretamente os afetam não apenas compromete a legitimidade dessas políticas, mas também diminui a sua capacidade de serem sustentáveis a longo prazo.

Políticas públicas robustas são aquelas construídas sobre o alicerce da inclusão e da equidade, assegurando que todos os segmentos afetados tenham voz ativa no processo decisório. Afinal, a sustentabilidade ambiental requer a cooperação e o engajamento de toda a sociedade, não apenas a imposição de cima para baixo.

Importante frisar que a perspectiva sistêmica enfatiza o princípio do pertencimento como fundamental para o equilíbrio de qualquer sistema, não sendo diferente para o âmbito da governança ambiental.

A exclusão de qualquer grupo compromete não apenas a harmonia do sistema, mas também sua eficácia e justiça. A decisão do STF ao rejeitar o Decreto nº 9.806/2019 reafirma esse entendimento, destacando que a integridade de políticas públicas depende de um equilíbrio que respeite o direito de todos os envolvidos pertencerem e contribuírem efetivamente para as decisões que moldam seu ambiente e sua comunidade.

Conclusão

Em síntese, o STF, ao invalidar as alterações no Conama promovidas pelo Decreto nº 9.806/2019, reafirmou a necessidade de manter a democracia participativa como pilares da governança ambiental brasileira, enfatizando a paridade, porém, destacando que “cabe ao Poder Executivo, a partir das premissas constitucionais que conformam os processos decisórios democráticos e os direitos fundamentais de participação e procedimentais ambientais, escolher o desenho institucional mais adequado”.

Este caso não só destacou os desafios enfrentados na proteção do meio ambiente, mas também reforçou a importância de estruturas governamentais que promovam a inclusão e a equidade entre os diversos setores da sociedade.

Autores

  • é secretária de Estado de Meio Ambiente de Goiás, advogada, mestre em Direito Ambiental pela PUC-PR e autora do livro Instrumentos de Promoção Ambiental e o Dever de Indenizar Atribuído ao Estado.

  • é advogado, com especialização em advocacia cível pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul (FMP-RS), pós-graduando em Educação, Meio Ambiente e Sustentabilidade no Instituto Federal de Goiás (IFG) e assessor na Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Goiás.

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