Opinião

Regulamentação do dispute board no âmbito da ANTT

Autor

  • Arthur Bobsin de Moraes

    é sócio da Cavallazzi Andrey Restanho & Araujo bacharel e mestre em Direito pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Especialista em Direito Administrativo pela PUC-MG.

18 de abril de 2024, 17h20

A Agência Nacional de Transportes Terrestres avançou na última semana na regulamentação do Comitê de Prevenção e Solução de Disputas para contratos de concessão de rodovias e ferrovias.

Durante a 979ª Reunião de Diretoria realizada na última quinta-feira (4/4), a ANTT regulamentou o Comitê de Prevenção e Solução de Disputas (dispute board). A medida visa preencher uma lacuna regulatória, proporcionando maior clareza e eficiência na resolução de divergências técnicas e conflitos nos contratos de concessão de rodovias e ferrovias no Brasil.

A Resolução nº 6.040, trouxe alterações e incluiu a previsão dos comitês de prevenção e solução de disputas. A regulamentação foi uma resposta à crescente demanda por evitar a interrupção de obras e serviços, além da excessiva judicialização de conflitos entre o Estado e a iniciativa privada em contratos administrativos.

A falta de diretrizes claras para a instalação e operação dos comitês resultou em diversos problemas, como a demora na seleção e aprovação dos membros, incerteza sobre o momento da nomeação e dúvidas sobre a vinculação das decisões. Essas lacunas foram destacadas em contratos de concessão examinados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que recomendou a regulamentação do Comitê de Prevenção e Solução de Disputas pela ANTT.

Dispositivos sobre os dispute boards

A atualização reflete o crescente uso de métodos alternativos de resolução de disputas pela administração pública federal, especialmente no que diz respeito a direitos patrimoniais disponíveis nos contratos administrativos. Vale dizer que os dispute boards já estavam previstos de forma explícita nas Leis nº 14.133/2021 e nº 8.987/1995.

De todo modo, a proposta de regulamentação está alinhada com as disposições da Lei de Concessões (Lei nº 8.987/1995) e da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021), que preveem a adoção de métodos alternativos de resolução de disputas, incluindo os comitês de resolução de controvérsias.

A Resolução nº 6.040 da ANTT

O procedimento de constituição do comitê está previsto no artigo 26-C da Resolução nº 6.040 da ANTT, que dispõe:

“Art. 26-C O contrato de concessão, considerando a natureza e o prazo de execução das obrigações contratuais, definirá o momento da constituição e a duração do comitê de prevenção e solução de disputas, nos seguintes termos:

I – comitê permanente: constituído no início do contrato, permanecendo vigente em toda a extensão temporal do contrato ou até a emissão de decisão ou recomendação sobre matéria submetida durante a vigência do contrato;

II – comitê temporário: constituído com prazo limitado a um período da vigência do contrato, relacionando-se a um grupo específico de obrigações ou a uma fase predeterminada de investimentos, extinguindo-se após o exaurimento dos procedimentos aplicáveis às decisões emitidas;

III – comitê ad hoc: constituído para tratar controvérsias específicas, extinguindo-se após o exaurimento dos procedimentos aplicáveis à decisão que gerou a sua constituição, podendo ser instaurado:

a) na ausência do comitê permanente ou do comitê temporário; ou

b) após a extinção do comitê temporário, desde que as controvérsias envolvam obras ou serviços de engenharia considerados de alta complexidade ou de grande vulto, não previstos inicialmente no contrato”

A composição dos comitês está prevista, por sua vez, no artigo 26-D, cuja disposição indica que, salvo acordo entre as partes, o comitê será composto por um membro indicado pela ANTT; um membro indicado pela concessionária; e um membro escolhido em comum acordo pelos membros designados pelas partes, que exercerá a função de presidente.

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Ademais, os membros que compõem o comitê de prevenção e solução de disputas deverão observar os seguintes requisitos: estar no gozo de plena capacidade civil; ter formação técnica e experiência profissional reconhecidas e compatíveis com a natureza do contrato e com o objeto do comitê; e ausência de impedimento, suspeição e conflito de interesses.

Refletindo as regras do Código de Processo Civil, estão impedidos de atuar como membros do comitê de prevenção e solução de disputas as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, alguma das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, assim como qualquer situação que configure conflito de interesses, que possa influenciar de maneira imprópria e comprometer a função a ser desempenhada, aplicando-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades.

Competência

Os dispute boards estarão habilitados a abordar disputas relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis, abrangendo: a execução de serviços e obras; a conformidade das obras e serviços com os parâmetros regulatórios e contratuais; a avaliação de ativos e o cálculo de indenizações; a ocorrência de eventos que afetem o cumprimento das obrigações e o cálculo de seus impactos financeiros.

No entanto, os dispute boards não terão competência para decidir sobre a validade de atos fiscalizatórios ou normativos da ANTT, nem sobre questões estritamente legais, como a interpretação da matriz de riscos e cláusulas relacionadas ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Os contratos de concessão já em vigor poderão ser emendados para incluir a opção de estabelecer dispute boards como recurso para a resolução de disputas futuras. Para litígios em curso, a resolução permite a formação do dispute board por meio de um acordo independente entre a ANTT e a concessionária, sem a necessidade de um adendo formal.

Considerações finais

Em outra oportunidade, escrevi na Revista do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (RTCE/SC) nº 1, sobre os dispute boards como mecanismos alternativos de resolução de conflitos aplicados aos contratos de infraestrutura, em decorrência dos contratos nº 4107521301 (metrô de SP) e PJ-264/2008 (Ponte Hercílio Luz).

Desse modo, o dispute board emerge como uma ferramenta indispensável para prevenir impasses contratuais que poderiam levar à interrupção de obras ou ao término de contratos. Dada a natureza específica das questões regulatórias, a judicialização nem sempre oferece uma solução técnica satisfatória.

Essa medida, na prática, pretende trazer benefícios tanto para as concessionárias quanto para os usuários dos serviços de transporte terrestre no país, considerando que a inclusão do dispute board como um mecanismo contratual busca preservar o objeto do contrato, permitindo uma intervenção em tempo hábil e monitorando a execução do contrato de forma preventiva e proativa.

 

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