Opinião

2023: o ano das soluções consensuais

Autor

  • Mariana Carvalho

    é pesquisadora do Observatório do TCU da FGV (Fundação Getulio Vargas) Direito SP em parceria com a Sociedade Brasileira de Direito Público e advogada associada ao Piquet Magaldi e Guedes Advogados com atuação especialmente em contencioso administrativo perante Tribunais de Contas administração contratual e consultivo.

14 de janeiro de 2024, 9h22

Em dezembro de 2023, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) instituiu a Câmara de Negociação e Solução de Controvérsias (Compor), de modo a estabelecer procedimentos de prevenção e solução consensual de controvérsias entre a agência e as entidades reguladas, no âmbito de contratos de concessão.

A criação desse novo procedimento não foi um acontecimento pontual em 2023, ano repleto de iniciativas de órgãos e instituições públicas que aparentam estar abraçando a consensualidade em seus procedimentos.

Como exemplo marcante desse movimento, podemos observar a instituição das Solicitações de Solução Consensual (SSC) pelo Tribunal de Contas da União (TCU), acompanhada pela criação de nova unidade técnica do tribunal especificamente para esses processos (SecexConsenso). Ainda que instituído no final de 2022 [1], esse procedimento apenas foi colocado em prática no ano seguinte.

Vale apontar que algumas discussões envolvendo a ANTT já foram submetidas ao novo procedimento da Corte de Contas, resultando em alterações no caderno de obrigações da Rumo Malha Paulista e na análise de metodologia de cálculo para devolução de trechos ferroviários da Rumo Malha Sul [2].

Talvez em razão dessas experiências, é possível observar semelhanças entre os procedimentos da SSC do TCU e da Compor, como a necessidade de deliberação do colegiado e a possibilidade de solicitação de ajustes que ensejariam novas tratativas entre as partes envolvidas. Por outro lado, o normativo da ANTT também aparenta estar atento a situações enfrentadas pelo Tribunal de Contas, mas que não possuem previsão na IN TCU 91/2022. É o caso de atingimento de consensos apenas parciais.

Ainda que não tenha sido criado um procedimento novo, nem se tenha noticiado com o mesmo ímpeto, também é necessário pontuar a adoção de medidas consensuais pelo Supremo Tribunal Federal. É o caso das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 6.553 e 7.385, referentes, respectivamente, (1) à Lei nº 13.452/201, responsável pela alteração dos limites do Parque Nacional do Jamanxim, com a destinação de área suprimida ao projeto Ferrogrão e (2) a dispositivos da Lei nº 14.182/2021, que dispõe sobre a desestatização das Centrais Elétricas Brasileiras S.A..

Na ADI 6.553, o ministro Alexandre de Moraes levou em consideração a manifestação da Advocacia-Geral da União sobre a possibilidade de acordo, tendo em vista a importância do projeto Ferrogrão e a possibilidade da sua efetivação mediante proteção ambiental. Assim, submeteu o assunto ao Centro de Soluções Alternativas de Litígios Cesal/STF.

Já na ADI 7.385, o ministro Nunes Marques acolheu a sugestão da Procuradoria-Geral da República, submetendo à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF) a discussão sobre os dispositivos que versam sobre o formato e as delimitações do modelo de governança corporativa da Eletrobras.

No entendimento do ministro do STF, “em controvérsias passíveis de antagonizar Poderes da República e/ou unidades políticas, compete a esta Corte zelar pela harmonia das relações jurídico-institucionais e pela intangibilidade do vínculo federativo”.

É evidente que a adoção de mecanismos consensuais resulta em discussões quanto ao papel das instituições, bem como sobre a compatibilidade entre as controvérsias e os novos procedimentos. A definição desses limites parece ser desafio que ainda deverá ser enfrentado à medida que as soluções consensuais forem sendo pleiteadas de forma cada vez mais frequente e sobre uma maior amplitude de disputas.

Nesse cenário, 2023 pode ter sido marcado pelas soluções consensuais, porém apenas os próximos anos poderão esclarecer quais limites serão traçados pelas instituições, sendo essenciais também para avaliar a própria segurança jurídica dos acordos que vêm sendo celebrados.

 


[1] Instrução Normativa TCU nº 91/2022, publicada em 22/12/2022.

[2] TCs 000.853/2023-2 e 000.855/2023-5 respectivamente.

Autores

  • é pesquisadora do Observatório do TCU da FGV (Fundação Getulio Vargas) Direito SP em parceria com a Sociedade Brasileira de Direito Público e advogada associada ao Piquet, Magaldi e Guedes Advogados, com atuação especialmente em contencioso administrativo perante Tribunais de Contas, administração contratual e consultivo.

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